O regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo autoriza a perseguição judicial para punir funcionários públicos e todos aqueles que se atrevem a investigar a corrupção dentro da Nicarágua. Essa é uma das principais conclusões de um relatório apresentado pelo Centro de Estudos Transdisciplinares da América Central (CETCAM), um instituto de pesquisa social com sede na Costa Rica.
“O sistema penal é utilizado como instrumento e ferramenta política para desalojar os direitos das pessoas perseguidas e investigadas, violando os limites supralegais de direitos humanos, para realizar atos contrários aos mesmos”, disse à Diálogo, em 29 de outubro, Elvira Cuadra, diretora do CETCAM e especialista em segurança. “Dessa forma, os regimes políticos controlam e neutralizam os grupos críticos, opositores ou pessoas consideradas uma ameaça contra eles, buscando legalizar esses atos despóticos perpetrados.”
De acordo com o relatório do CETCAM, apresentado em 28 de setembro, o regime de Ortega-Murillo construiu um Estado totalitário, desmantelando grupos organizados da oposição, silenciando as vozes da Igreja Católica e eliminando milhares de organizações civis, a fim de consolidar seu controle sobre as instituições públicas por meio de órgãos legais aprovados entre 2020 e 2021.
“A forma de exercício do poder punitivo do Estado é a instrumentalização do direito penal para fins eminentemente políticos ou judicialização da política”, disse à Diálogo Juan-Diego Barberena, advogado e pesquisador de Sistemas de Justiça Criminal do CETCAM. “Essa é uma manifestação da involução do Estado de Direito. O poder não está mais sujeito à lei, mas a lei está sujeita ao poder.”
A primeira é a Lei para a Regulamentação de Agentes Estrangeiros (Lei Nº 1040), publicada em outubro de 2020, que declara todas as organizações da sociedade civil e pessoas físicas como agentes a serviço de fontes estrangeiras que atentam contra a soberania nacional, ao intrometer-se nos assuntos internos e externos da Nicarágua.
“Um procedimento tão recorrente quanto perverso na Nicarágua e em outras ditaduras: inventar requisitos de improviso, denunciar, sem provas nem possível defesa, seu descumprimento e atribuir as consequências que os poderes constituídos têm contra aqueles que querem tirar do caminho”, disse o jornal costarriquenho La Nación. “Seu obscurantismo e caráter repressivo visam exclusivamente o controle, não a qualidade de vida presente e futura do povo.”
O regime também criou, em outubro de 2020, a Lei Especial sobre Crimes Cibernéticos (Lei nº 1042), que impõe censura à mídia independente e aos usuários de redes sociais, que o site de notícias da América Central Divergentes descreveu como “um machado contra a liberdade de expressão”.
Em dezembro de 2020, a Assembleia Legislativa publicou a Lei para a Defesa dos Direitos do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação (Lei nº 1.055), que classifica qualquer pessoa como traidora da pátria por incitar a intervenção estrangeira, pedir e aplaudir sanções, ou obter financiamento estrangeiro, com o objetivo de minar a integridade da soberania nacional.
“A acusação de traição à pátria, que tanto agrada ao regime sandinista, nada mais é do que a conversão da liberdade de expressão em um crime grave, a traição, que geralmente só pode ser cometida em uma guerra ou em situações de confronto extremo”, disse José María Tojeira, porta-voz da Companhia de Jesus sobre a Nicarágua, ao site de notícias nicaraguense Confidencial. “A perseguição às igrejas e às suas obras continua. As estações de rádio, contas, instalações e organizações de ajuda das paróquias, dioceses e igrejas evangélicas continuam sob o controle e o poder ineficiente do Estado sandinista.”
A Lei de Reforma e Aditamento ao Código de Processo Penal (Lei nº 1.060), publicada em fevereiro de 2021, incorporou o poder da autoridade judicial de ordenar a prisão por até 90 dias, enquanto o Ministério Público e a Polícia Nacional investigam o detido para prosseguir com a acusação.
“Estamos diante da manifestação da judicialização da política e de um sistema criminal de perseguição máxima, que começou com o cerco à oposição política organizada”, acrescentou Barberena. “Continuou com o assédio religioso, perseguindo a sociedade civil organizada, e que agora atingiu o nível de perseguição ao ensino superior.”
Os Ortega-Murillo ordenaram o fechamento de cerca de 3.000 organizações não governamentais, informa o jornal salvadorenho El Diario de Hoy. Entre elas, mais de 20 universidades foram fechadas, como parte de um endurecimento das leis após os protestos de 2018, que deixaram cerca de 300 pessoas mortas em confrontos entre opositores e oficialistas.