O regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo da Nicarágua ordenou o fechamento e o confisco dos bens da Universidade Centro-Americana (UCA) de Manágua, acusando-a de funcionar como “um centro de terrorismo para elevar os níveis de violência e destruição, organizando grupos criminosos armados e encapuzados que usavam métodos terroristas no país”, indica o jornal oficial La Gaceta.
“O fechamento da Universidade Centro-Americana e sua ocupação […] é o golpe final contra a geração de pensamento crítico na Nicarágua”, disse à Diálogo, em 20 de setembro, Juan Carlos Arce, advogado e defensor dos direitos humanos do Coletivo de Direitos Humanos Nicarágua Nunca Más. “O objetivo dessa ação da ditadura sandinista é eliminar qualquer espaço ou centro de pensamento. Não há [escolas] que cumpram as funções das universidades para gerar conhecimento ou pensamento.”
Essas ações ocorrem cinco anos depois que esse centro de estudos foi palco de protestos estudantis que exigiram a saída dos Ortega-Murillo do poder em 2018, publica o diário espanhol El País.
“Em 2018, os protestos começaram por causa da reserva Indio Maíz. Ela estava queimando e o regime não estava fazendo nada. Na UCA, nós nos organizamos e saímos para protestar. Quando a polícia começou a atacar-nos, os manifestantes, eles abriram os portões e pudemos entrar. Eles não estavam apenas nos atacando com golpes; estavam atacando para matar”, disse a Los Ángeles Times María Gómez, estudante de Comunicação Social. “Era a única universidade onde os alunos aprendiam a desenvolver seus critérios; era a única que tinha essa autonomia acadêmica. Ao perder isso, perdemos tudo.”
“Não podemos separar o fechamento e o confisco da UCA em 18 de agosto do fechamento de mais de 3.000 organizações da sociedade civil, incluindo a Academia de Ciências da Nicarágua, e o fechamento e a ilegalização de mais de 27 universidades, algumas delas ocupadas para fundar universidades de doutrinação pró-governo”, acrescentou Arce.
A realidade de Gómez está sendo vivida por pouco mais de 5.000 estudantes da UCA, rebatizada de Universidade Nacional Casimiro Sotelo e agora controlada pelo Conselho Nacional de Universidades, o braço político da ditadura, informou Infobae.
“Uma tendência de todos os regimes autoritários é enfrentar o pensamento livre. As universidades são geradoras de conhecimento, despertam a consciência crítica e produzem um pensamento livre em geral. Aqui uma universidade foi fechada precisamente por isso […], porque a capacidade de influenciar por meio do conhecimento está sendo perseguida”, disse à Radio Progreso de Honduras o padre José María Tojeira, teólogo e porta-voz da Companhia de Jesus na América Central. “As ditaduras geralmente empobrecem os países mais do que podem contribuir para o seu desenvolvimento. Na Nicarágua, estamos vendo isso claramente.”
As universidades José Simeón Cañas, de El Salvador, e Rafael Landívar, da Guatemala, estabeleceram um processo para receber estudantes universitários nicaraguenses, informou o Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), em 5 de setembro. As autoridades de ambas as universidades garantiram que esse processo pode levar tempo, pois os requisitos legais devem ser cumpridos.
Consequências
O Centro de Estudos Transdisciplinares da América Central (CETCAM) assegurou, em seu relatório Perspectivas, de agosto, que o ataque à UCA e à Companhia de Jesus do CELAM faz parte de um contexto de institucionalização e radicalização do estado policial, que o regime nicaraguense impôs à sua sociedade desde 2018.
“O controle acelerado que os Ortega-Murillo impõem às universidades e outros centros educacionais aponta para um modelo de doutrinação e não de educação, no qual os estudantes aprendem a ‘verdade’ que Murillo pretende impor a toda a sociedade nicaraguense, com seus discursos e narrativas”, adverte o CETCAM. “Convertidas em centros de doutrinação em vez de educação superior, o controle das universidades [reverte] o futuro do país; as próximas gerações estão seriamente comprometidas.”
Professores, pesquisadores e acadêmicos da América Latina, Canadá, Estados Unidos e Europa condenaram o fechamento e a expropriação da UCA em uma carta, lembrando que o centro de estudos sofreu campanhas sistemáticas de difamação, ataques às suas instalações físicas, congelamento de contas bancárias e o banimento do seu então reitor, o padre José Idiáquez, e do vice-reitor geral, Dr. Jorge Huete, conforme noticiou o jornal panamenho La Prensa, em 4 de setembro.
“As consequências são sérias porque devemos nos lembrar que ter novas gerações educadas, técnicas e com pensamento crítico sobre a realidade faz com que a sociedade cresça para ter discussões e diálogos em favor da democracia”, disse à Diálogo, em 21 de setembro, Fátima Ortiz, advogada e defensora dos direitos humanos em El Salvador. “Assumir o controle das universidades e dos centros de ensino superior representa um dos artifícios mais desesperados de qualquer regime para manter o controle e a totalidade do poder.”
O Supremo Tribunal de Justiça também revogou a renovação do credenciamento do Centro de Mediação da UCA, informou o meio de comunicação Divergentes, em 14 de agosto. Esse escritório de advocacia prestou serviços jurídicos à população por 54 anos, usando a mediação como um método alternativo para a resolução de conflitos.
De 2021 a agosto de 2023, o regime Ortega-Murillo cancelou o status legal de 29 universidades privadas, confiscou seus bens e mudou seus nomes e administrações acadêmicas. Embora o regime afirme que elas agora são entidades públicas, os estudantes continuam a pagar mensalidades, diz a revista centro-americana Expediente Público.
“A ditadura Ortega-Murillo tem um projeto político que busca consolidar um modelo dinástico e autoritário de partido único, por meio do controle político de todos os setores da sociedade, e impor a doutrinação do sistema educacional com a reforma que foi feita no ano passado [2022] da Lei 89 sobre autonomia universitária”, disse a Infobae a advogada e ex-professora da UCA, María Asunción Moreno. “Eles legalizaram a interferência do poder político nas instituições de ensino superior, eliminaram a autonomia universitária e a liberdade acadêmica e, praticamente, foi emitido um atestado de óbito para a concepção da universidade como um centro de criação de ideias e pensamento crítico.”