De acordo com a análise intitulada O duplo padrão da política antilavagem de dinheiro do ditador Daniel Ortega, realizada pelo think tank centro-americano Expediente Abierto, o regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo utiliza o Sistema Antilavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (LD/FT) como uma ferramenta para fortalecer a repressão política contra seus opositores.
Enquanto isso, a ditadura pretende mostrar às organizações internacionais que está disposta a seguir as recomendações e os padrões do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) relacionados ao LD/FT. No entanto, é evidente um duplo padrão nessa aparente conformidade, de acordo com a análise divulgada no primeiro semestre de 2023.
“Eles [o regime] usam o sistema de combate à lavagem de dinheiro para apontar crimes que na verdade não existem”, disse à Diálogo, em 10 de agosto, Eliseo Núñez, ex-deputado nicaraguense, exilado na Costa Rica. “Na Nicarágua, o Estado de Direito entrou em colapso; não há divisão de poderes ou capacidade jurídica autônoma das forças de segurança, porque tudo remete a Ortega.”
A Unidade de Análise Financeira (UAF), a principal entidade do sistema contra LD/FT em Manágua, vê sua autonomia funcional comprometida, porque é presidida por dois oficiais ativos do Exército da Nicarágua e da Polícia Nacional, que mantêm sua lealdade incondicional a Ortega, detalha a análise.
Assim, “os órgãos responsáveis por prevenir e processar a lavagem de dinheiro estão sob o controle e uso do ditador, como uma ferramenta para perseguir oponentes políticos e beneficiar seus aliados e interesses”, acrescentou. “Essa falta de autonomia prejudica a integridade do sistema, criando impunidade em casos de corrupção e lavagem de dinheiro”.
Evidências
Um dos casos que evidencia o uso do LD/FT como instrumento de repressão política foi a acusação de lavagem de dinheiro contra Cristina Chamorro, ex-diretora da ONG Fundação Violeta Chamorro, por usar fundos financiados pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), ressaltou Núñez.
Em março de 2022, Chamorro, que estava concorrendo como candidata presidencial nas eleições de 2021, recebeu uma sentença de oito anos de prisão por “lavagem de dinheiro e falsidade ideológica”, informou o jornal espanhol El País. Em 2023, juntamente com outros presos políticos, Chamorro foi expulsa do país.
Em resposta a uma consulta do meio de comunicação nicaraguense 100% Noticias, o Departamento de Estado dos EUA declarou que a USAID realizou várias auditorias e não encontrou nenhuma evidência de lavagem de dinheiro nem desvio de fundos para outros fins.
Núñez mencionou outro caso relacionado ao uso de LD/FT, o da Igreja Católica. Em 27 de maio, a polícia denunciou uma rede de lavagem de dinheiro que operava em várias dioceses de diferentes departamentos do país. Entretanto, “os fundos investigados são doações lícitas de organismos legais, que são destinadas à construção de um hospital”.
Outra situação que ilustra essa tendência é a Lei contra a Lavagem de Dinheiro, o Financiamento do Terrorismo e o Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa de 2018, de acordo com Expediente Abierto. Essa regulamentação é exercida pelo regime como um mecanismo de controle político do Ministério do Interior.
Ele também indica que, desde que essa lei foi aprovada, mais de 3.000 organizações não governamentais foram fechadas no país, algumas por acusações federais de lavagem de dinheiro. “A ditadura lhe dá a morte civil”, afirmou Núñez. “No regime de Ortega, você não pode presumir que o que ele está dizendo é verdade.”
Lista negra
Em 2022, a Nicarágua obteve 6,7 pontos no índice de risco de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, registrando uma ligeira queda em relação a 2021 (de 6,75). O país ocupou o segundo lugar com o maior risco na América Latina, no mesmo ano, informa o site internacional Statista.
Em 2012, Ortega criou a UAF para retirar o país da “lista negra” de organizações internacionais, disse Núñez. “O que Ortega faz com a lavagem de dinheiro e o narcotráfico é simplesmente administrá-los”, afirmou. “Ele fez isso na década de 1980 e não há diferença agora.”
Para Núñez, “seria mais relevante avaliar a possibilidade de retirá-la do GAFI, uma vez que usa o sistema para fins políticos e não para os fins para os quais foi criado”, explicou.
Essa ação representa um problema internacional, pois a credibilidade das acusações do regime Ortega-Murillo contra alguém como lavador de dinheiro é questionada, quando se sabe que as acusações têm motivação política, acrescentou Núñez. “Manágua está entrando e saindo do GAFI.”
Dinheiro extraviado
O autoritarismo, a corrupção e a falta de prestação de contas de Ortega recebem classificações negativas nas avaliações internacionais da Nicarágua. Hoje, o país está entre os primeiros com alto risco de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, sendo um dos 20 piores avaliados desde 2020, segundo Expediente Público.
Um exemplo dessa situação é a apreensão de mais de US$ 120 milhões pela polícia nicaraguense entre 2007 e 2021. No entanto, não se sabe como o Estado gastou esse dinheiro e não se contabiliza outras moedas estrangeiras confiscadas em operações antidrogas.
De acordo com a análise, casos semelhantes que demonstram como as autoridades nicaraguenses continuam a integrar fundos de atividades ilícitas na economia legal foram registrados nos últimos anos. Essa prática de confisco arbitrário e distribuição discricionária foge dos processos legais estabelecidos.
É essencial que a Nicarágua deixe de ter a possibilidade de incluir indivíduos no sistema, pois seu uso irresponsável “enfraquece a capacidade de diferenciar entre criminosos e pessoas que estão simplesmente sendo acusadas por motivos político-partidários”, concluiu Núñez.