Enquanto Pequim marca o décimo aniversário de sua Iniciativa Cinturão e Rota, ou BRI, a mídia estatal da China elogia os esforços do programa para fomentar a conectividade e construir uma infraestrutura global.
Mais de 150 países e 32 organizações internacionais aderiram ao enorme projeto global de transporte e infraestrutura, com mais de 200 acordos atualmente em andamento ou concluídos, de acordo com o Portal Cinturão e Rota, o site oficial da China que promove a BRI.
O que começou como um esforço para reconstruir as antigas rotas comerciais da Rota da Seda através da Ásia Central, está agora alcançando todos os continentes e as regiões dos polos Norte e Sul.
Mas, apesar do sucesso de Pequim na construção de infraestruturas, estradas e ferrovias, para melhorar a conectividade, os observadores afirmam que a principal iniciativa do presidente Xi Jinping está se tornando cada vez mais controversa e impopular entre alguns países anfitriões.
Um estudo realizado em 2021 pelo laboratório de pesquisa AidData, sediado nos EUA, constatou que 35 por cento dos projetos de infraestrutura da BRI foram afetados por controvérsias como corrupção, dívidas excessivas e exploração da mão de obra.
Com projetos estimados em mais de US$ 1 trilhão, a BRI ficou aquém de suas cinco metas: coordenação de políticas, alocação de capital, conectividade de infraestruturas, facilitação do comércio e vínculos interpessoais, dizem alguns analistas.
“Por definição, a conectividade não tem sentido sem normas e valores reais compartilhados de governança global”, afirma Niva Yau, membro não residente do Centro Global da China, do Conselho Atlântico, sediado no Japão.
Corrupção em massa
Os projetos fracassados incluem o porto seco de Khorgos, no Cazaquistão, o porto de Hambantota, no Sri Lanka, e uma ligação ferroviária na costa leste da Malásia, que será lançada em breve, disse Yau.
Seus níveis de fracasso são diferentes, mas todos têm um ponto em comum: a corrupção, declarou Yau a VOA Mandarim em uma entrevista recente.
“Todos esses projetos ilustram a debilidade da BRI, que é a corrupção maciça, e isso decorre da abordagem da China de trabalhar apenas com as elites locais”, disse Yau.
Segundo Yau, as elites do Cazaquistão desviaram milhões de dólares por meio de tarifas alfandegárias ocultas sobre as importações chinesas através da fronteira de Khorgos. O porto de Hambantota foi favorecido pelas elites do Sri Lanka apoiadas pela China, enquanto o projeto ferroviário financiado pela China na Malásia chegou a ser interrompido durante um escândalo de corrupção envolvendo o ex-primeiro-ministro Najib Razak.
De acordo com Yau, a China não fez nada para resolver as falhas de governança e coordenação de políticas que permitiram que as elites dos Estados clientes da BRI desviassem o dinheiro emprestado por Pequim, enquanto os contribuintes desses países ficaram com as dívidas.
Dívida chinesa
Alguns críticos ocidentais alertaram sobre o modelo de alocação de capital da BRI, com taxas de juros de empréstimo de até 7 a 10 por cento. Os países que não conseguem pagar os empréstimos correm o risco de ceder para a China o controle de infraestruturas, como os portos.
Entretanto, a ideia de uma “armadilha da dívida” foi descartada por alguns economistas e cientistas políticos. Ammar Malik, cientista investigador sênior de AidData, um laboratório de pesquisa da William & Mary, uma universidade da Virgínia, deu crédito aos chineses por suprirem as lacunas de infraestrutura que os países beneficiários da BRI identificaram voluntariamente.
Os estudos mostram que nos primeiros anos após sua conclusão, os projetos da BRI tendem a ter efeitos econômicos positivos, disse Malik a VOA Mandarim.
“Não é uma descoberta surpreendente. Na minha opinião, se você injetar uma grande quantidade de infraestrutura em uma economia que não a tinha e, se houver dois lugares que não tinham comércio entre si, porque não estavam conectados, e de repente seja colocada uma ponte, é claro que a atividade econômica aumentará”, declarou Malik.
Mas muitos tomadores de empréstimos da BRI estão agora em uma fase de pagamento de seus empréstimos, após terem passado por dificuldades financeiras, que foram agravadas pela pandemia, ressaltou. Isso é especialmente verdadeiro para países como a Zâmbia, que exagerou nos projetos da BRI.
Alguns empréstimos da China são repetidamente prorrogados, com taxas de juros em média de 5 por cento. Em contrapartida, a taxa de juros de uma organização como o Fundo Monetário Internacional é de cerca de 2 por cento, segundo a pesquisa de AidData.
Diminuição dos empréstimos chineses
O Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston tem um banco de dados que mostra que os empréstimos chineses na África caíram para um novo mínimo de US$ 994,5 milhões em 2022, em comparação com o pico de US$ 28,5 bilhões em 2016. A redução pode ser devida às preocupações com o ônus da dívida da China, de acordo com um relatório de setembro emitido pela Iniciativa Global da China do centro.
A abordagem da China de “cooperação em vez de desenvolvimento” coloca a responsabilidade pelos projetos da BRI nos países beneficiários, que podem não ter padrões ambientais, sociais ou de segurança, para fazer avaliações de risco adequadas antes do início de um projeto, disse Malik.
“Os chineses não têm uma orientação de desenvolvimento da mesma forma que o Banco Mundial ou a CFI [Corporação Financeira Internacional]. Eles têm uma orientação mais comercial. Eles trabalham como banqueiros interessados em entregar os projetos no prazo e garantir que os retornos sejam feitos no prazo. E eles não trazem seus próprios padrões”, afirmou Malik.
Pequim insiste que seu esquema BRI alcançou “avanços maciços”.
As estatísticas elaboradas pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China mostram que os acordos de codesenvolvimento que a China assinou com países e organizações internacionais aumentaram a importação e a exportação de mercadorias entre a China e os países receptores em uma média de 8,6 por cento ao ano, com investimentos bidirecionais cumulativos superiores a US$ 270 bilhões na última década.
Comércio em um só sentido?
A comissão também anunciou o sucesso da BRI em termos de conectividade de infraestruturas, depois que projetos proeminentes como o Expresso Ferroviário China-Europa e o Novo Corredor Internacional de Comércio Terrestre-Marítimo conectaram a China com 300 portos em mais de 100 países.
Mas essa conectividade, observou Yau, do Conselho Atlântico, também serve para facilitar um dumping ainda mais eficiente
de produtos chineses em outros mercados – um dos motivos por trás da esperada decisão da Itália de abandonar a BRI.
Pequim não se sente obrigada a reverter a condição do mercado, que beneficia as exportações chinesas, disse Malik.
Um dos objetivos da BRI é o relacionamento entre as pessoas. No entanto, o tiro saiu pela culatra, pois os trabalhadores dos países receptores reclamaram que a China enviou até um milhão de seus próprios trabalhadores para o exterior, para trabalhar nos projetos da BRI, em vez de contratar funcionários localmente, disse Li Qiang, diretor executivo do Observatório Laboral da China, em Nova York.
Ele acrescentou que os trabalhadores chineses que aceitaram esses empregos na BRI no exterior se queixaram de exploração, maus-tratos e, mais recentemente, de salários não pagos, devido à desaceleração da economia chinesa.
“Devido aos atrasos nos pagamentos da construção, [fornecedores e empreiteiras] atrasaram os salários dos trabalhadores [chineses] por até três ou quatro meses. Às vezes, os salários eram pagos depois que [os] trabalhadores retornavam à China”, disse Li a VOA Mandarim.