As atividades econômicas, diplomáticas, políticas e de segurança da China na região estão contribuindo para o retrocesso democrático da América Latina e do Caribe. Essa é uma das conclusões do relatório Exportando a autocracia. O papel da China no retrocesso democrático na América Latina e no Caribe, do think tank norte-americano Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), que analisa em profundidade a natureza desse impacto.
“A China influencia o autoritarismo e o retrocesso democrático na região de duas maneiras. Em primeiro lugar, ela propaga seu modelo político autoritário como um modelo a ser imitado pelos governos”, disse à Diálogo, em 30 de março, Henry Ziemer, investigador associado do Programa das Américas do CSIS. “Com projetos como a Iniciativa de Segurança Global, a China procura convencer os países da América Latina e do Caribe de que a melhor maneira de garantir sua segurança é impondo sistemas de vigilância centralizados e invasivos, com pouca ou nenhuma consideração pela privacidade individual.”
De acordo com o relatório, a China também propaga seu modelo de governança autoritário e ideológico por meio de programas de “capacitação” na mídia, na educação e na diplomacia entre povos. Por exemplo, no caso dos jornalistas, eles são incentivados a cobrir aspectos positivos de seus governos e evitar reportagens investigativas e apuração de fatos, que são “divisivos” para o país.
“Eles estabelecem uma parceria formal com esses meios de comunicação, de modo que os jornais locais começam a republicar uma ou duas páginas como o China Daily, ou uma estação de televisão transmite segmentos produzidos pela CGTV [estação de televisão estatal da China]”, disse à Voz da América, em 25 de março, Igor Patrick, investigador do Instituto Kissinger sobre a China e os Estados Unidos. “As empresas na China veem os meios de comunicação com dificuldades financeiras, portanto, esses acordos de compartilhamento de conteúdo são uma tábua de salvação para muitos meios de comunicação, o que também é um problema.”
Em julho de 2023, jornalistas da Nicarágua viajaram para a China, com salário e todas as despesas pagas pelo governo chinês, para fazer cursos de comunicação e doutrinação organizados pelo Centro Internacional de Comunicação com a Imprensa da China, informou a mídia oficial nicaraguense El 19 Digital.
“Em segundo lugar, a China protege os regimes autoritários existentes ao ‘fornecer’ assistência econômica, diplomática e de segurança, para facilitar a persistência e a consolidação do poder desses governos”, acrescentou Ziemer. “Um excelente exemplo disso é a Venezuela, onde a China está intimamente envolvida, ajudando o regime a manter sua ditadura através da evasão de sanções, auxiliando no financiamento de infraestrutura e projetando um método sofisticado de controle de cidadãos na forma do Carnet de la Patria, inspirado em práticas semelhantes na China.”
O regime de Nicolás Maduro controla a internet e impõe o Carnet de la Patria com o apoio da empresa chinesa de telecomunicações ZTE, como uma ferramenta de controle contínuo sobre a população, disse Ryan Berg, diretor do Programa das Américas do CSIS, ao portal de jornalismo hondurenho Expediente Público, em 5 de março.
Um dos mecanismos mais preocupantes destacados no relatório é chamado de “espiral do isolamento”, um processo no qual os países que estão passando por um retrocesso democrático se isolam das fontes de apoio alinhadas aos valores democráticos e à ordem internacional baseada em regras. Ao fazer isso, eles se tornam dependentes da China, para obter uma fonte alternativa de apoio.
“Quanto mais apoio a China oferece, mais esses governos se sentem encorajados para restringir os direitos civis e tornarem-se cada vez mais autoritários”, enfatizou Ziemer.
Os investigadores do CSIS destacam duas estratégias que os países latino-americanos devem considerar para limitar os elementos prejudiciais dos compromissos com a China e garantir a igualdade de condições. Uma delas é expandir os esforços anticorrupção, já que a abordagem “sem condições” do país asiático em relação aos investimentos pode superar os desafios que os países latino-americanos já enfrentam para garantir a transparência. A outra é fortalecer suas legislaturas, pois eles demonstraram que a independência responsável limita a influência chinesa sobre setores importantes e neutraliza o retrocesso democrático.