“Não tenho a menor dúvida quanto a isso”, disse à Diálogo Rocío San Miguel, diretora da organização não governamental (ONG) venezuelana Controle Cidadão, especializada em segurança, defesa e questões militares, com relação à presença de dissidentes das FARC na Venezuela.
O advogado venezuelano Fermín Marmol García, analista de segurança e diretor do Instituto de Ciências Criminais e Criminologia da Universidade de Santa María, em Caracas, confirmou as palavras de San Miguel e qualificou o país como “poroso”, com um governo fraco que não apenas mantém um corredor de atividades criminosas, mas que também acolhe grupos armados ilegais.
“A presença mais importante de um grupo do crime organizado estrangeiro é o Exército de Libertação Nacional (ELN)”, disse Marmol García à Diálogo. “O ELN talvez seja o grupo criminoso que mais lucrou com nossa fraqueza institucional, mas os dissidentes das FARC também estão presentes.”
No dia 16 de julho, o presidente colombiano Iván Duque acusou o regime de Maduro de proteger os dissidentes das FARC. Em uma entrevista ao noticiário da televisão colombiana Notícias RCN, Duque disse que os líderes desaparecidos Luciano Marín, conhecido como Iván Márquez, Hernán Darío Velásco, vulgo Paisa, e Henry Castellanos, vulgo Romaña, estavam na Venezuela.
“Eles não estão lá brincando de bonecas; eles têm a proteção da ditadura de Nicolás Maduro”, disse Duque.
No final de julho, Maduro ofereceu asilo a dois ex-comandantes das FARC procurados pelas autoridades judiciais colombianas: Márquez, que comandou as negociações do processo de paz com a Colômbia, cujo paradeiro se tornou desconhecido em agosto de 2018, e Seuxis Pausías Hernández, conhecido como Jesús Santrich, procurado pelos EUA sob acusações de tráfico de drogas, que fugiu da Colômbia em julho, depois de assumir sua cadeira no Congresso do país sob os termos dos acordos de paz.
A atitude de Maduro, segundo San Miguel, “desafiou a comunidade democrática internacional e foi uma confissão de proteção.”
Diversas fontes, incluindo San Miguel, o ex-presidente da Colômbia Andrés Pastrana e o ex-chefe de espionagem de Maduro, o General de Exército Manuel Cristopher Figuera, disseram que acreditam que os dois líderes tenham passado pela Venezuela antes de partir para Cuba.
“Recebi a seguinte informação”, escreveu Pastrana no Twitter no dia 10 de agosto. “O avião de uso exclusivo de Nicolás Maduro, disfarçado em voo comercial da [companhia aérea venezuelana] Conviasa, com matrícula YV3016, decolou da pista 4, de Caracas rumo a Havana. O avião transportava Iván Márquez, Santrich e Adán Chávez [irmão mais velho de Hugo Chávez e ex-embaixador em Cuba] para uma reunião de emergência em Cuba.”
Em uma entrevista à agência de notícias espanhola EFE, o Gen Ex Figuera, exilado nos Estados Unidos, disse que fontes locais confirmaram a presença de Santrich no início de julho no complexo militar do Forte Tiuna, em Caracas.
Enclave criminoso
Em um informe sobre o processo de paz na Colômbia no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no dia 19 de julho, o ministro de Relações Exteriores colombiano Carlos Holmes disse que, enquanto a Colômbia trabalha para reintegrar mais de 10.000 ex-guerrilheiros, 16 por cento dos líderes “não disseram a verdade, não compareceram às audiências e desobedeceram às garantias de não reincidência, porque seus paradeiros atuais são desconhecidos.”
No início de 2019, a ONG venezuelana FundaRedes, que faz pesquisas sobre direitos humanos e democracia, disse que havia identificado pelo menos seis grupos armados liderados por ex-chefes das FARC, que praticavam atividades ilícitas na Venezuela, mais especificamente nos estados de Amazonas, Apure, Bolívar, Táchira e Zulia, na fronteira com a Colômbia.
Segundo a ONG, os dissidentes das FARC fizeram acordos com o ELN e estão praticando mineração ilegal de ouro na região do Arco Mineiro do Orinoco, nos estados de Bolívar e Amazonas. A ONG disse também que eles reforçaram o corredor do narcotráfico entre a Colômbia e a Venezuela e têm ligações com diversos grupos criminosos transnacionais, tais como os cartéis de drogas de Sinaloa, no México, e do Comando Vermelho, no Brasil.
A organização de investigações dos EUA InSight Crime, especializada em ameaças à segurança na América Latina e no Caribe, informou que houve uma reunião em outubro de 2018 entre líderes das FARC e do ELN, no estado de Apure, na Venezuela, para consolidar a cooperação entre os grupos. De acordo com fontes da organização, Márquez e El Paisa teriam participado do encontro.
“As FARC estão presentes através de uma dissidência muito enfraquecida, controlando sua parte no tráfico, armazenagem e distribuição de cocaína, bem como em efeitos colaterais tais como a extorsão em sua área de influência”, disse Marmol García. “Poderiam estar presentes na Venezuela de 600 a 1.000 dissidentes das FARC.”
A presença dos rebeldes das FARC em solo venezuelano e o apoio que eles recebem do regime Chavista são de longa data. Entre 2008 e 2017, o governo dos EUA designou pelo menos 10 autoridades governamentais venezuelanas atuais e antigas que ajudavam os membros das FARC em suas atividades ilícitas, facilitando a venda de armas e a segurança.
Sua presença na Venezuela sob a proteção de Maduro, segundo os especialistas, põe em risco a estabilidade da região. “Estima-se que a presença das FARC na Venezuela aumentará na mesma proporção em que os acordos de paz se desgastem”, disse San Miguel.