O relatório Melhoria da Gestão da Pesca Internacional 2023, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), destaca a China por seu envolvimento com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
“Estamos diante de uma nação insaciável e predatória nos mares do mundo”, disse à Diálogo, em 2 de outubro, Euclides Tapia, professor titular de Relações Internacionais da Universidade do Panamá. “Seu comportamento está causando problemas mais sérios, exacerbando a escassez de alimentos e a poluição marinha.”
O relatório de 31 de agosto faz parte de um esforço contínuo para melhorar a gestão internacional da pesca, promover a sustentabilidade dos recursos marinhos e garantir a integridade do mercado global de frutos do mar. Desde 2009, NOAA apresenta a cada dois anos esse relatório ao Congresso dos EUA .
A pesca INN é um problema global que ameaça a sustentabilidade da pesca, danifica os ecossistemas marinhos, prejudica a segurança econômica, esgota os recursos naturais e prejudica os pescadores e produtores que operam dentro da lei, afirma o relatório.
A NOAA também destaca as preocupações crescentes quanto à exploração excessiva dos estoques de tubarões na pesca internacional e a necessidade de um gerenciamento adequado. Países e organizações sem regulamentações eficazes ameaçam a sustentabilidade desses recursos compartilhados.
Violações graves
Em 2020, 2021 e 2022, a China foi apontada por violar, sem tomar as ações corretivas necessárias, as medidas de conservação e gestão (CMM) propostas por várias ONGs, como a Comissão de Pesca do Pacífico Ocidental e Central (WCPFC), a Comissão Interamericana do Atum Tropical (CIAT) e a Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (CICAA), detalha o relatório.
Além disso, as ONGs realizaram entrevistas com membros das tripulações, ao concluir seus contratos em navios de pesca chineses naqueles anos. Essas entrevistas, compartilhadas com a NOAA, documentaram denúncias provadas de várias violações, por parte das embarcações chinesas, das medidas de conservação marinha relacionadas a tubarões e tartarugas marinhas.
Embora essas atividades não tenham sido avaliadas pelos procedimentos de cumprimento da WCPFC, CIAT ou CICAA, elas representam violações das CMMs das Organizações Regionais de Pesca. Como resultado, a NOAA destacou a China pela operação de embarcações envolvidas na pesca INN.
A China disse que o relatório dos EUA que acusa Pequim de pesca INN é apenas uma “manipulação política”, o que poderia prejudicar a cooperação internacional em pesca. De acordo com a China, o relatório não tem fundamento e não reflete a realidade das atividades pesqueiras chinesas, informou o jornal China Daily, em 5 de setembro.
“Essa parece ser sua única estratégia: negar o fato. O problema é mais complexo, já que a China opera uma enorme frota destinada a essa atividade”, disse Tapia. “Além disso, usa táticas como desligar as luzes e seus aparelhos de geolocalização, para evitar a detecção, ou camuflar seus navios com bandeiras de outros países, para dificultar as acusações diretas contra eles.”
Planejamento meticuloso
Em janeiro de 2023, a Coalizão para a Transparência Financeira (FTC), uma rede que inclui a sociedade civil, governos e especialistas globais, destacou que oito das 10 empresas responsáveis por 25 por cento da pesca INN são de origem chinesa. Também destacou a falta de requisitos internacionais para a divulgação de informações sobre os proprietários, ao registrar embarcações ou solicitar licenças de pesca.
Apesar dos apelos dos EUA e da União Europeia para que sejam tomadas medidas contra os verdadeiros proprietários de embarcações de pesca ilegal, ainda não há uma estrutura sólida para identificá-los. Os proprietários de embarcações continuam a operar com total impunidade, usando estruturas e esquemas complexos para ocultar sua identidade.
O governo chinês não apenas esgotou os recursos de seus próprios mares, mas também está explorando costas distantes, como as Filipinas, as Ilhas Galápagos, o Peru e a região em torno da Argentina e do Chile, informa The New York Times.
Atualmente, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, quase 90 por cento dos estoques de peixes marinhos em todo o mundo estão em níveis máximos de exploração, superexploração ou foram completamente esgotados.
“A frota chinesa não respeita os períodos de fechamento nem qualquer regulamentação. Eles se deslocam para outros continentes com um planejamento meticuloso e uma estratégia clara: pescar ilegalmente em latitudes estrangeiras”, afirmou Tapia. “Eles prejudicam a economia e os meios de subsistência de muitas comunidades costeiras da América Latina.”
O crescente poder econômico da China na América Latina limita a possibilidade de reclamações contra suas atividades ilegais. Também apoia movimentos políticos com ideias semelhantes para evitar questionamentos, o que dificulta a proteção dos recursos e a denúncia dessas atividades ilegais da frota chinesa, acrescentou Tapia.
Colaboração
Em 2022, foi lançada Por La Pesca, uma colaboração entre a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional e uma coalizão de ONGs ambientais, liderada pela Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA) e pela Fundação Família Walton, para combater a pesca INN e promover a sustentabilidade na pesca artesanal no Equador e no Peru, informou o portal Share America.
A cooperação internacional contra a pesca ilegal, respaldada por relatórios como o da NOAA, é um passo importante, mas requer uma ação mais decisiva: um esforço multilateral que envolva os países afetados, para que possam unir-se e frear esse problema que prejudica seriamente suas frotas pesqueiras, devido à presença contínua da frota chinesa nas águas sul-americanas, concluiu Tapia.