Em um percurso parecido com o traçado pelo ditador Daniel Ortega da Nicarágua, a Venezuela do regime de Nicolás Maduro ordenou, em 4 de agosto, a intervenção na Cruz Vermelha, acendendo o alerta das entidades de direitos humanos sobre a perseguição às ONGs que operam no país.
Em maio, o regime nicaraguense extinguiu o organismo humanitário, após confiscar todos os bens da entidade. A intervenção na Venezuela foi determinada pelo Tribunal Supremo de Justiça, acatando um pedido do procurador Tarek William Saab, e a Suprema Corte ordenou a remoção “imediata” do chefe da Cruz Vermelha, Mario Enrique Villarroel, que liderou a instituição por 45 anos, acusando-o de “assédio e maus-tratos” aos funcionários da instituição.
Diosdado Cabello, o segundo líder do Partido Socialista Unido da Venezuela de Maduro, ainda acusou Villarroel de conspirar contra Maduro e de “atividades mafiosas” na gestão do orçamento do grupo. O regime empossou Ricardo Cusanno, ex-chefe da Fedecamaras, o principal sindicato empresarial do país, no lugar de Villarroel.
William Clavijo, cientista político pela Universidade Católica de Táchira, Venezuela, e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em relação à Venezuela, disse à Diálogo que o regime de Maduro baseou as acusações contra Villarroel em oito testemunhas anônimas e a iniciativa do Tribunal Supremo de Justiça não foi buscar esclarecer os supostos delitos. Para Clavijo, foi um processo arbitrário, com a posse de um empresário que nada tem a ver com a instituição e sem experiência na gestão de uma organização que trabalha em temas de assistência humanitária.
“Nesse contexto de consolidação autoritária, Maduro e seus colabores já vêm, desde o ano passado, trabalhando para o fechamento do espaço cívico com diversos episódios no qual a instrumentação do poder judiciário tem sido o caminho utilizado pelo regime para submeter organizações da sociedade civil, numa clara violação dos direitos das associações, que estão contemplados na Constituição da Venezuela”, analisa Clavijo.
“Na assembleia nacional, sob controle do chavismo, já estão discutindo a promulgação de uma lei que visa aumentar o controle sobre o financiamento que as organizações da sociedade civil estão recebendo, principalmente internacional, obviamente para enforcar essas organizações, para que não recebam recursos e para criminalizar os defensores dos direitos humanos”, acrescenta o cientista político.
A Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC), com sede em Genebra, distribuiu, em 9 de agosto, um comunicado informando que despacharia altos funcionários para Caracas para se juntar à sua delegação permanente no país para acompanhar o caso.
“Nossa prioridade é proteger o papel crítico da Cruz Vermelha Venezuelana e de seus voluntários e funcionários no país: sua ação humanitária neutra, imparcial e independente tem sido essencial para salvar vidas. Atualmente, estamos monitorando de perto a situação, avaliando o melhor caminho a seguir”, diz o comunicado. “Qualquer intervenção do Estado em nossas Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho suscita sérias preocupações com relação à sua independência e ao trabalho humanitário baseado em princípios das Sociedades Nacionais e será tratada com a maior importância.”, afirma o comunicado.
Clavijo explica que todas as ONGs trabalhando na Venezuela estão sofrendo assédio do regime, principalmente aquelas que atuam na área de proteção e defesa dos direitos civis, por conta das divulgações e denúncias de atrocidades cometidas pelo regime de Maduro, como tratos cruéis de humanos, torturas, detenções arbitrarias, desaparecimentos. Mas mesmo aquelas somente focadas na assistência humanitária, imparcial em termos políticos, como a Cruz Vermelha, Cáritas e Fé e Alegria, estão sendo reprimidas.
“O que pode ser feito do exterior é obviamente continuar sensibilizando e apoiando o trabalho dessas organizações E que esses casos de violação aos direitos humanos continuem sendo denunciados e que o acompanhamento não pare. Isso é importante para poder garantir ou tentar criar condições para encaminhar a Venezuela dentro dos trilhos democráticos”, finalizou Clavijo.