A Assembleia Nacional da Nicarágua aprovou um acordo para estabelecer um centro de treinamento policial, financiado e administrado pela Rússia. Essa medida, aprovada em meados de março pelo regime de Daniel Ortega, levanta preocupações sobre as reais intenções por trás da cooperação russo-nicaraguense.
“No período pós-pandemia, Ortega renovou a autorização das operações militares russas, o que, juntamente com esse novo centro, é uma prova do rumo estratégico e geopolítico adotado pela ditadura”, disse à Diálogo, em 8 de abril, Jorge Serrano, membro da equipe de assessores da Comissão de Inteligência do Congresso do Peru.
O Decreto número 8873, publicado em 2 de abril em La Gaceta, o diário oficial, detalha o acordo entre a Nicarágua e a Rússia, destacando a importância da atividade policial no enfrentamento dos desafios e ameaças à segurança pública.
Esse tratado destaca a intenção de ambos os regimes de capacitar as forças policiais nicaraguenses e de outras nações da América Latina e do Caribe, informou a plataforma argentina Infobae. O centro policial será administrado inteiramente pelo Ministério do Interior da Rússia.
“A Nicarágua é um aliado estratégico da Rússia na América Central”, disse à imprensa Laureano Ortega Murillo, conselheiro da ditadura e filho de Ortega. “Nós nos posicionamos como sua plataforma regional em todos os campos e estamos comprometidos em aumentar a influência e a ação de Moscou em nossa região.”
Uma cláusula do acordo concede aos funcionários russos do novo centro isenção de qualquer responsabilidade criminal, civil ou administrativa, de acordo com a legislação nicaraguense, de todas as ações que tomarem no desempenho de suas funções.
O artigo 7 especifica que a Polícia Nacional fornecerá serviço de vigilância, utilidades básicas e tradução gratuitamente aos russos. Além disso, prestará assistência no registro de propriedade dos terrenos e dos edifícios adquiridos pelo Kremlin, para a criação do centro, informa o diário nicaraguense Confidencial.
Base de espionagem
De acordo com o Confidencial, com base no acordo assinado, Ortega cedeu parte do território a Moscou, sem controle estatal, abrindo a porta para que o Kremlin nomeie agentes da Agência Federal de Segurança (o principal sucessor do KGB da era soviética), para operar livremente na Nicarágua.
“A Nicarágua se posicionou como um ator importante para as nações não ocidentais, como Rússia, Irã e China, atuando como uma espécie de porta-aviões na região. Utiliza o seu território para expandir sua influência e conduzir operações na América Latina”, disse Serrano.
O centro de treinamento da polícia será um “ninho de espionagem” mais do que um centro de capacitação policial, sugeriu Serrano. Essa não seria a primeira vez que a Rússia instalaria uma agência em solo nicaraguense. Em outubro de 2017, foi inaugurado o Centro de Capacitação Antinarcóticos Rússia-Nicarágua, informou o Confidencial.
Em abril do mesmo ano, Moscou inaugurou na capital nicaraguense um sistema global de navegação por satélite conhecido como Glonass, detalhou Infobae. De 2013 até agora, a Rússia estabeleceu nove dessas estações terrestres de satélite fora de seu território. A última foi instalada em território nicaraguense.
A presença russa na América Latina se intensificou, “evidenciando a atividade do serviço de inteligência russo na região”, disse Serrano. De acordo com ele, “foram reunidas evidências dessas operações secretas, projetadas para passar despercebidas e evitar a detecção pelas autoridades regionais”.
Além disso, “foram realizadas reuniões secretas entre Manágua e Moscou para coordenar ações por meio de seus serviços de inteligência, para perpetrar ataques contra os Estados Unidos e contra nações latino-americanas ainda alinhadas com princípios democráticos, buscando desestabilizar a região em um efeito dominó”, acrescentou Serrano.
Tarefas e equipamentos
A capacitação das forças policiais estrangeiras será realizada no centro e em diferentes lugares na Nicarágua. As principais tarefas do centro incluirão o treinamento e a formação do pessoal policial, bem como a organização e realização de seminários, workshops, conferências e outros eventos de natureza “educacional e científica”.
O Kremlin fornecerá ao centro todos os equipamentos necessários, incluindo ferramentas forenses, materiais técnicos de ensino, publicações, materiais didáticos e científicos. Também fornecerá professores e apoio financeiro e logístico para garantir o funcionamento da unidade por um período inicial de 10 anos, conforme detalhado no acordo.
Mudança de estratégia
“A Rússia mudou sua tática na América Latina: eliminou intermediários como Cuba e Venezuela para estabelecer uma conexão direta com a ditadura nicaraguense, favorecendo sua posição estratégica e sua capacidade para desestabilizar a região”, disse Serrano. “Essa decisão destaca a importância que o Kremlin atribui à Nicarágua em sua estratégia regional.”
Ele também garantiu que a Rússia tentará intensificar qualquer conflito na região, usando a Nicarágua, Venezuela, Cuba, Bolívia e outros líderes regionais, para facilitar a realização de seus objetivos geopolíticos. “Essa estratégia busca tirar proveito das tensões existentes para expandir sua influência no continente”, afirmou.
“Diante dessa ameaça crescente, a resposta das democracias deve ser a formação de alianças sólidas entre seus governos, reconhecendo e compreendendo a natureza da ameaça russa”, concluiu Serrano. “É fundamental fortalecer a cooperação entre os serviços de inteligência das nações democráticas, a fim de tomar medidas eficazes e conjuntas.”