A Comissão Europeia (CE) abriu uma investigação para determinar se os subsídios concedidos por Pequim à empresa chinesa fabricante de trens Corporação de Material Rodante de Ferrocarril da China (CRRC) permitiram que ela concorresse com uma vantagem indevida em uma licitação pública para trens elétricos e os respectivos serviços de manutenção.
“Uma empresa deve vencer, oferecer o menor preço ou a melhor oferta, porque é a mais eficiente, porque tem custos mais baixos, atua melhor, tem processos melhores etc.”, disse à Diálogo, em 12 de março, Andrea Alvarado, economista chilena especialista em concessões. “Se você está recebendo um subsídio, o que você está refletindo não é a sua melhor eficiência, você está refletindo a existência do subsídio.”
A investigação abrange a unidade Qingdao Sifang Locomotive da CRRC, por sua oferta para um contrato público de US$ 665 milhões, obtido na Bulgária, para fornecer trens elétricos, manutenção e treinamento de pessoal. Essa empresa já é amplamente questionada por seus “negócios temerários” na América Latina, acrescenta Alvarado.
Esta é a primeira vez que a CE abre uma investigação aprofundada, de acordo com suas novas e estritas regras, para tomar medidas enérgicas contra as empresas que recebem grandes subsídios de governos não pertencentes à União Europeia, informou o portal de política e regulatório Politico, da Virgínia.
“Essa ação demonstra a determinação da Comissão em preservar a integridade do mercado interno”, declarou a CE, em 16 de fevereiro. “Isso garante que os beneficiários de subsídios estrangeiros não possam tirar proveito com uma vantagem injusta, para obter contratos públicos na UE, em detrimento da concorrência leal.”
“Há provas suficientes de que essa empresa recebeu um subsídio estrangeiro que distorce o mercado interno”, alertou a Comissão. “A CRRC pode ter feito uma oferta indevidamente vantajosa, o que poderia fazer com que outras empresas participantes do processo de contratação pública perdessem oportunidades de vendas.”
A CRRC é uma empresa já conhecida em todo o mundo por suas práticas anticoncorrenciais e que não respeitam a lei. Na América Latina, ela está envolvida em países como o Chile e a Bolívia, onde ilegalidades e não conformidades em questões de livre concorrência e trabalho, entre outras, vieram à tona, informa Infobae.
No Chile, o consórcio CRRC-Temoinsa foi acusado por sua concorrente espanhola CAF de fazer uma “oferta temerária” à Empresa de Vias Férreas do Estado do Chile (EFE), com a qual foi adjudicada a fabricação de 32 novos trens para os projetos Melipilla e Batuco, por um total de US$ 171 milhões. A empresa espanhola entrou com uma ação cautelar preparatória diante do Tribunal de Defesa da Livre Concorrência do Chile.
“Essa licitação considerou a opção de trens elétricos ou trens com baterias recarregáveis, além de sua manutenção como uma opção opcional para a EFE. O consórcio CRRC-Temoinsa apresentou uma oferta para trens elétricos e com baterias, enquanto a CAF apresentou uma proposta para trens com bateria”, disse a CAF, informou Bio-Bío em setembro de 2023. “Somente no fornecimento de trens a bateria, a CRRC fez uma oferta quase 40 por cento inferior à da CAF, o que está fora dos parâmetros razoáveis para esse tipo de operação e levanta dúvidas sobre sua conformidade e qualidade”, explicou a empresa.
O governo da Cidade do México multou a CRRC, em novembro de 2023, por atrasos nas obras de modernização da Linha Rosa, do Sistema de Transporte Coletivo Metropolitano. De acordo com Infobae, a empresa chinesa teve que pagar cerca de US$ 15 milhões pelo atraso nas obras.
Mas a CRRC não é a única empresa ferroviária chinesa envolvida em más práticas nos países onde efetua negócios.
O Órgão Supervisor de Contratação do Estado do Peru decidiu desqualificar temporariamente a empresa China Railway Nº 10 Engineering Group (CREC 10), por ter subcontratado outra empresa para construir a ponte Viru Viru, na província de Huancavelica, informou o jornal Peru21. A empresa chinesa também tem um histórico de violações trabalhistas, incluindo o não pagamento de salários e bônus, bem como várias denúncias de não cumprimento das horas de trabalho.
Na Bolívia, a CREC foi mencionada entre um grupo de empresas chinesas que receberam, no final de 2022, grandes obras naquele país, informou o jornal Urgente.bo. Os problemas detectados nos contratos, tanto em termos de concessões quanto de empréstimos, incluem cláusulas de confidencialidade e a obrigação de contratação de empresas chinesas, como executoras de obras e fornecedoras de bens e serviços.
Além disso, vários projetos envolvendo empresas chinesas na Bolívia careciam de estudos de viabilidade e justificativa de mercado, e sofriam alterações discricionárias nos contratos. Houve também aumentos nos custos das obras, atrasos na entrega, inúmeros defeitos de qualidade e descumprimento dos contratos, indicou Urgente.bo.
Além dessas questões, há o crescente controle da China sobre as infraestruturas essenciais por meio das quais são transportados produtos alimentícios essenciais e bens de consumo, inclusive produtos químicos perigosos, o que gera preocupações sobre violações de sistemas com intenções maliciosas e, portanto, com implicações para a segurança nacional.
A má conduta de empresas chinesas em todo o mundo também pode afetar o mercado e o trabalho de outras empresas.
“O que está acontecendo com a China é que eles estão entrando de forma tão agressiva em tantos setores, especialmente no setor de construção de infraestrutura no mundo, que estão ‘comendo’ outras empresas”, concluiu Alvarado. “É difícil competir com uma empresa chinesa que é subsidiada. Isso faz com que outras empresas percam a licitação e pontos para a próxima licitação. Isso cria um monopólio de mercado. Esse é o problema com as empresas chinesas.”