Mais de uma centena de sites operados a partir da República Popular da China têm se passado por veículos de notícias locais em 30 países da América Latina, Europa e Ásia, para disseminar desinformação pró-Pequim, revelou The Citizen Lab, um laboratório de segurança cibernética sediado na Universidade de Toronto, no Canadá, em um relatório de 7 de fevereiro.
“Isso não é novidade. A Rússia faz isso, as ditaduras na América Latina também o fizeram, só que hoje é feito mais rapidamente com a internet”, disse à Diálogo, em 15 de março, Marcelo Santos, investigador do Centro de Investigação em Comunicação, Literatura e Observação Social da Universidade Diego Portales, no Chile. “Mas, agora é mais sério porque há uma caixa de ressonância mais poderosa. Quando a notícia está em uma multiplicidade de lugares, ela atrai a atenção, mesmo que eles não conheçam a fonte.”
The Citizen Lab chamou a campanha de China Paperwall [muro de papel], chamando a atenção para uma rede de 123 sites operados a partir daquele país. A empresa de investigação atribuiu a campanha à Shenzhen Haimaiyunxiang Media Co., Ltd., também conhecida como Haimai, uma empresa de relações públicas com sede na China.
“A campanha é um exemplo de uma operação de influência em expansão”, disse The Citizen Lab em seu relatório. “Isso atende tanto a interesses financeiros como doutrinários, em alinhamento com a agenda geopolítica de Pequim.”
Todos os sites da Paperwall se fazem passar por jornais locais, com nomes com referências locais, como Roma Journal, na Itália; Eiffel Post, na França; BritishFT, no Reino Unido; Cordova Press, na Espanha; e Incheon Focus, na Coreia do Sul, informou o site italiano Decode39, em 9 de fevereiro. Na América Latina, os portais confirmados são, entre outros: La Plata Post e Lujan Expresar, na Argentina; Paulo Express e Brasil Industry, no Brasil; San Rafael Scoop, no Chile; Marta Post, na Colômbia; Iguazu, no Equador; Xochimilco Life, Teotihuacaneco e Olmec Press, no México, entre outros, complementa The Citizen Lab.
“Eles publicam conteúdo diário no idioma de destino, geralmente extraído de veículos de mídia legítimos, bem como artigos da mídia estatal chinesa, como CGTN e Global Times, e comunicados de imprensa comerciais, muitos deles relacionados a criptomoedas”, diz o site Decode39.
Pequim está aumentando suas atividades agressivas nas esferas de operações de influência, tanto on-line quanto off-line, alerta The Citizen Lab. “Especificamente, na esfera on-line […], as operações de influência chinesas estão modificando suas táticas e aumentando seu volume de atividade.”
Um tipo comum de conteúdo com temática política que a investigação encontrou foram ataques diretos, geralmente em inglês e, independentemente do público-alvo, contra figuras consideradas hostis por Pequim, alertou Decode39. De acordo com The Citizen Lab, os ataques e a desinformação de Pequim poderiam ser particularmente prejudiciais, pois ocorrem com uma quantidade muito maior de notícias benignas e conteúdo promocional que lhes dão credibilidade.
The Citizen Lab avaliou o impacto da campanha, observando o tráfego dos sites, que pode ser medido por meio de ferramentas de código aberto, e a falta de cobertura visível pela mídia convencional, incluindo agregadores de notícias ou amplificação das redes sociais.
A análise de The Citizen Lab ocorre em um momento em que o uso crescente da mídia oficial e não oficial da China para divulgar as mensagens de Pequim em todo o mundo está enfrentando um escrutínio muito mais amplo, informou a revista americana Newsweek. Nos últimos meses, gigantes da mídia social, como Facebook, fecharam uma rede de contas que realizavam operações de influência a partir da China.
“No entanto, essa avaliação, bem como a grande quantidade de conteúdo comercial aparentemente benigno, que envolve o conteúdo agressivamente político da Paperwall, não deve ser interpretada como se essa campanha fosse inofensiva”, destacou o relatório. “Semear peças de desinformação e ataques direcionados dentro de quantidades muito maiores de conteúdo irrelevante, ou até mesmo impopular, é um modus operandi conhecido no contexto de operações de influência, que pode eventualmente gerar enormes dividendos, quando uma dessas peças é finalmente recolhida e legitimada pela imprensa dominante ou por figuras políticas.”
Em um relatório de 29 de agosto de 2023 sobre ameaças adversárias, Meta (matriz do Facebook) anunciou a remoção de 7.704 contas, 954 páginas e 15 grupos do Facebook, além de 15 contas do Instagram, que participavam a partir da China em “comportamentos inautênticos coordenados” (ou seja, operações de influência) e se dirigiam a audiências estrangeiras, informou The New York Times.
“Essa é o maior desmantelamento de uma única rede que já fizemos”, declarou Ben Nimmo, responsável pela equipe de segurança da Meta, que se ocupa das ameaças a nível mundial. “Quando você soma isso a todas as atividades que desmantelamos na Internet, chegamos à conclusão de que é a maior campanha fraudulenta que conhecemos atualmente.”
A campanha chinesa é a sétima a ser derrubada por Meta nos últimos seis anos. Quatro delas foram descobertas em 2022, afirma a empresa, que publicou detalhes da nova operação.
“Os serviços de segurança chineses pareciam estar trabalhando na campanha a partir de escritórios localizados em todo o país”, acrescenta The New York Times. “Cada escritório parecia estar trabalhando em turnos, com atividades no meio da manhã e no início da tarde, com intervalos para almoço e jantar.”
“É muito grave que haja ações coordenadas por veículos de mídia que só realizam operações de influência, pois elas podem passar despercebidas por seu público”, concluiu Santos. “Para muitos usuários, especialmente aqueles com menos escolaridade, isso pode gerar, no mínimo, uma polarização política, o que pode ter um efeito devastador em qualquer país.”