O aumento da extração de lítio na Bolívia está atraindo a atenção internacional, devido ao interesse do governo em atrair investimentos estrangeiros para construir plantas de processamento. Essa iniciativa tem sido criticada. No entanto, especialistas ressaltam a falta de transparência nos acordos com empresas chinesas e russas e seu impacto real no país, indica um relatório da plataforma de jornalismo ambiental Mongabay, em 3 de abril.
“Após a consolidação dos acordos entre empresas chinesas e russas com o governo da Bolívia, não se observou que elas começassem a trabalhar imediatamente”, disse à Diálogo, em 28 de abril, Gonzalo Mondaca, investigador associado do Centro de Documentação e Informação Bolívia. “Em vez disso, o objetivo era entrar na porta para garantir o lítio boliviano, para assustar e obter uma posição vantajosa em relação a outros atores internacionais.”
Em fevereiro, a Bolívia lançou uma convocação internacional de propostas para atrair empresas dispostas a participar da industrialização e extração de lítio. Após o encerramento da convocação, em 6 de março, um total de 26 empresas foi selecionado para avançar para a próxima etapa da iniciativa, detalha Mongabay.
La Paz está buscando realizar projetos-piloto em sete salinas: Uyuni, Coipasa, Pastos Grandes, Capina, Cañapa, Chiguana e Empexa. A Bolívia tem uma das maiores reservas de lítio do planeta, com um total de 23 milhões de toneladas métricas concentradas nas salinas de Uyuni e Coipasa.
Embora não seja possível acessar a nova convocação, Mondaca comentou que há uma grande probabilidade de que tanto as empresas chinesas como as russas obtenham ainda mais contratos. “Lembremo-nos de que a China quer controlar a produção mundial de lítio, embora seus funcionários digam o contrário”, de acordo com a plataforma argentina Infobae.
Falta de clareza
O lítio é um mineral estratégico para a transição para energias mais limpas e renováveis. Atualmente, o carbonato de lítio é o principal material para baterias de carros elétricos, telefones celulares e outros dispositivos eletrônicos de grande consumo no mundo, informa Voz de América.
Em dezembro de 2023, Bolívia e Uranium One Group, da Corporação Estatal Russa de Energia, assinaram um acordo milionário para processar carbonato de lítio. A fábrica produzirá um total de 14.000 toneladas por ano. O projeto exigirá um investimento de US$ 450 milhões até 2025, informou a plataforma alemã DW.
O governo boliviano assinou acordos em junho de 2023 com Citic Guoan, da China, e Uranium One Group, da Rússia. Esses acordos seguem o contrato assinado em janeiro do mesmo ano com o consórcio chinês CATL BRUNP & CMOC. Essas empresas, juntamente com a estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLM), estão trabalhando atualmente nas salinas bolivianas, informa na internet o jornal boliviano El Periódico de la Energía.
Pequim e Moscou “prometeram a La Paz uma rápida extração de lítio. No entanto, não há clareza sobre os métodos que usarão para lidar com as salmouras residuais, que, sem o lítio, tornam-se um passivo ambiental”, disse Mondaca. “Armazená-las em piscinas é caro, a opção mais viável é a reinjeção.”
Ele disse que o consórcio chinês CMOC instalou uma planta piloto, mas não há informações sobre sua capacidade ou o método usado, nem apresentou relatórios sobre os resultados. Também não há informações sobre as atividades da empresa Citic Guoan.
Mondaca ressaltou que Uranium One é uma das empresas mais ativas. “Ela estabelece alianças com universidades para investigação, mas as informações sobre esses acordos não estão disponíveis. Além disso, firmou um acordo com YLM para instalar uma planta piloto no Salar de Uyuni, onde estão localizadas as instalações estatais de extração direta.”
Segundo Mongabay, os projetos carecem de socialização adequada, bem como dos estudos hídricos necessários. Eles também não consideram a consulta prévia às comunidades próximas às salinas. Na Bolívia, de acordo com a Lei de Mineração de 2014, a opinião das comunidades não é obrigatória nas atividades de mineração.
Chave na mão
Juan Carlos Montenegro, diretor do Instituto de Investigações Metalúrgica da Universidade Mayor de San Andrés, na Bolívia, disse a Mongabay que a falta de informações sobre a extração de lítio pode ser atribuída às exigências impostas pelas empresas chinesas e russas.
“Infelizmente, os detalhes e o escopo desses acordos não são de conhecimento público”, disse Montenegro. “As empresas provavelmente impuseram algumas cláusulas de confidencialidade.”
Mondaca ressaltou que as empresas construirão as usinas de processamento, além de manter as instalações e treinar o pessoal. No entanto, a produção seria gerenciada pela YLB.
“A produção primária de produtos de evaporação é 100 por cento estatal. Em um contrato pronto para entrar em funcionamento, seria normal cancelar os contratos e solicitar a entrega imediata das obras”, acrescentou Montenegro. “No entanto, a Bolívia não tem os recursos para fazê-lo. É provável que o acordo contemple pagamentos em parcelas, e até mesmo em produtos, o que seria ilegal.”
Comunidades indígenas
As comunidades próximas às salinas são as mais preocupadas com a falta de transparência, que as impede de entender as decisões que afetarão seu território. Samuel Flores, um líder comunitário da região do Salar de Uyuni, expressou sua preocupação a Mongabay, alertando que “a exploração da salina só deixará um cemitério”.
É possível que as empresas chinesas e russas busquem várias estratégias para “manipular ou persuadir as comunidades indígenas”, disse Mondaca. No entanto, a principal preocupação dessas comunidades é o acesso à água para sustentar suas atividades econômicas, como a agricultura, acrescentou.
Seria benéfico para o governo boliviano adotar “uma visão estratégica, institucional e estatal que promova a criação de regulamentações específicas para supervisionar as atividades das indústrias extrativas”, concluiu Mondaca. “Essa medida é vital, devido à importância e complexidade do contexto atual.”