As Brigadas Comunitárias-Militares (Bricomiles) criadas pelo regime de Nicolás Maduro no final de junho, para reparar os centros educativos públicos e os centros de saúde do país, geram suspeitas de que os soldados possam se envolver em questões educacionais. As brigadas são formadas pela Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), pelo oficialista Partido Socialista Unido (PSUV) e pela sociedade civil, que têm como primeira tarefa a de avaliar as necessidades das escolas e dos centros de saúde do país, para depois executar as reparações correspondentes.
“Um professor não pode ir a um quartel para dar ordens. Portanto, seria errado um militar dar ordens em uma escola, quando a fundação escolar tem uma lógica e características […] que dificilmente um militar […] entenderia o que isso representa”, disse à Diálogo Carlos Trapani, advogado e coordenador geral do Centro Comunitário de Aprendizagem (Cecodap) da Venezuela, em 29 de agosto de 2022. “Anexar as novas brigadas às forças armadas gera suspeitas.”
Estas não são funções que correspondem à FANB, afirmou a associação civil venezuelana Control Ciudadano em um comunicado. Além disso, “a FANB é sinônimo de narcotráfico e corrupção”, acrescenta o diário venezuelano La Vanguardia.
Influência doutrinária
Desde Hugo Chávez, o sistema de lealdades e militância política afetou o sistema de educação pública do país, segundo o portal venezuelano Alianza Nacional Todos por la Educación (Aliança Nacional, todos pela Educação). Há evidências da participação partidária no sistema educacional, através de imposições de retratos e esculturas de Chávez e Maduro, afirmou.

A página argentina de denúncia social El Cipayo mostra no Facebook um vídeo onde se vê um militar que ensina crianças de uma escola a cantar slogans como: “Chávez vive, a pátria continua”.
“Não é uma opção incluir militares na sala de aula. Um militar não tem as ferramentas pedagógicas para isso. O militar entra na lógica da ordem [marcial]; essa lógica não funciona na escola”, acrescentou Trapani.
“Sempre recebemos ordens do Ministério [do Poder Popular para a Educação] através dos grupos de WhatsApp para ensinar história da maneira que o regime quer”, disse uma professora de uma instituição oficial do estado de Nueva Esparta ao portal venezuelano independente La Tv Calle.
A matrícula básica caiu de 7,70 para 6,49 milhões de estudantes entre 2018 e 2021. A não freqüência escolar está ligada aos fatores sócio-econômicos que caracterizam a profunda crise humanitária que o país atravessa, informa na internet a Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), de Caracas.
O número total de professores ativos da educação primária passou de 669.000 para 502.000, durante o mesmo período de tempo, de acordo com a UCAB. Estima-se que a deserção de professores tenha sido de cerca de 98.300, dos quais 68.000 emigraram do país devido às políticas do regime.
Neste contexto, as “tutorias” fora das escolas se tornaram uma alternativa. Quase 30 por cento das crianças em idade escolar entre 6 e 16 anos recebem educação de maneira alternativa, informou o diário peruano Gestión na Internet.
“Pode-se criar a melhor infraestrutura escolar, mas não há professores suficientes para atender à demanda das crianças”, disse Trapani. “Há professores que são desmotivados e profundamente afetados por […] salários empobrecidos e ingerência militar”, afirmou.
Desde 1997, a Venezuela não passou por nenhuma avaliação internacional que permita medir e comparar o aprendizado dos estudantes nas áreas de leitura, escrita, matemática e ciências, de acordo com a revista venezuelana Debates do Instituto de Estudos Superiores de Administração.
“As crianças e adolescentes têm direito a uma educação que lhes permita explorar todo o seu potencial criativo, que é um dos propósitos da educação”, disse Trapani. “A Venezuela precisa implementar testes sistemáticos e periódicos em nível nacional e internacional, para medir a eficácia dos processos de ensino.”
“A doutrinação tornou-se uma das estratégias do regime. Acima de tudo, para constituir seres cujo modelo de pensamento gire em torno dos interesses da ideologia socialista imposta no país […], que tem sido responsável pela destruição das oportunidades de centenas de cidadãos”, concluiu La Tv Calle.