Um relatório recente sobre a presença de empresas de tecnologia da República Popular da China (RPC) na Colômbia fez soar o alarme sobre os riscos associados aos investimentos do país asiático no setor. De acordo com a consultoria colombiana de risco político Colombia Risk Analysis, por trás desses investimentos há interesses estratégicos com consequências geopolíticas que não foram consideradas pelo governo da Colômbia.
O relatório O vestígio da tecnologia chinesa na Colômbia destaca como a lei de segurança da China obriga todas as empresas a cooperar e compartilhar informações com a inteligência estatal, inclusive aquelas com acesso a informações confidenciais. Essa é uma política de Estado sobre a qual os países que recebem a tecnologia chinesa não têm qualquer controle, de modo que seus investimentos representam uma ameaça à independência e à soberania digital, indica o relatório.
Esse é um risco grave e latente para o qual a Colômbia não está preparada. “O grande fator aqui é que a Colômbia não considera o setor de telecomunicações como um setor estratégico, portanto não há debate algum sobre as vulnerabilidades em segurança cibernética por trás da tecnologia chinesa”, disse à Diálogo Sergio Guzmán, diretor de Risk Analysis.
Essa situação é muito preocupante, especialmente devido à crescente participação de empresas chinesas na Colômbia. “A menos que a Colômbia estabeleça normas e especificações claras para os investimentos no setor de tecnologia, ela poderia estar abrindo as portas para a dependência e influência indevida das empresas chinesas”, acrescentou Guzmán.
O aviso chega em um momento em que a Colômbia está tomando decisões cruciais sobre investimentos em tecnologia, como a recente licitação para o desenvolvimento da tecnologia 5G.
“Estamos falando de decisões com implicações políticas significativas, por isso é importante que, além do preço e da qualidade oferecidos pelas empresas chinesas, a Colômbia entenda os riscos associados a esses investimentos e evite então tomar decisões erradas que serão difíceis de reverter”, ressaltou Guzmán.
5G: empresas chinesas sob escrutínio
Em 20 de dezembro de 2023, foram anunciados os resultados do leilão do espectro 5G na Colômbia. Embora todos os olhos estivessem voltados para as grandes operadoras de telecomunicações que ganharam as redes, incluindo Claro, Womb e a união temporária Tigo-Movistar e Telecall, havia outros interessados no resultado desse processo. Trata-se das empresas de tecnologia que fornecerão a infraestrutura para o desenvolvimento dessa nova rede.
O foco está nos fornecedores chineses que já participam ativamente no mercado colombiano. De acordo com fontes consultadas por Risk Analysis, 50 por cento das redes 3G e 4G de Claro e Movistar e 100 por cento de Tigo e WOM são fornecidas pela Huawei, uma empresa chinesa que foi excluída dos mercados locais de infraestrutura em vários países, por ser uma ameaça à segurança nacional, associada ao medo de espionagem.
“Os vínculos dessa empresa (Huawei) com o governo chinês, bem como as acusações de corrupção, superação de custos e atrasos injustificados em obras contratadas com empresas chinesas, levaram vários países a adotar medidas restritivas, até mesmo proibindo ou excluindo a Huawei de seus mercados”, disse à Diálogo Carlos Augusto Chacón, diretor do Instituto de Ciência Política (IPC) Hernán Echavarría Olózaga, de Bogotá, e autor do relatório La tecnología 5G China y los riesgos para Colombia (A tecnologia 5G da China e os riscos para a Colômbia).
No entanto, o Ministério de Tecnologias da Informação e Comunicações da Colômbia é regido pelo princípio da neutralidade tecnológica e não discrimina a tecnologia segundo o país de origem, por isso os especialistas esperam uma maior participação das empresas chinesas no desenvolvimento dessa nova tecnologia. “Empresas como Huawei e ZTE buscarão expandir sua participação no mercado sem nenhum tipo de restrição ou controle”, diz Guzmán.
Esse cenário complexo é de grande preocupação para especialistas e analistas, devido às vulnerabilidades por trás dessa tecnologia. “O maior risco é que na Colômbia não há nenhuma maneira legal de conhecer a participação real dos fornecedores, portanto, se amanhã a Colômbia decidir que as empresas chinesas são um risco para a segurança nacional, o país não saberá realmente o quanto suas redes estão comprometidas e, provavelmente, já será tarde demais”, acrescentou Guzmán.
Alerta global
O princípio da neutralidade tecnológica para o desenvolvimento da rede 5G na Colômbia ocorre em um momento em que vários governos alertam sobre as ameaças representadas por ataques cibernéticos, espionagem cibernética e domínio de informações da China, por meio do uso dessa tecnologia.
Países como Reino Unido, Austrália, Canadá, Japão e Estados Unidos proibiram a Huawei de fornecer hardware para as redes móveis de próxima geração, por ser um risco à segurança cibernética, informou a cadeia CNBC dos EUA.
Isso foi confirmado pela General de Exército Laura J. Richardson, do Exército dos EUA, comandante do Comando Sul dos EUA, durante a Conferência de Defesa Sul-Americana (SOUTHDEC), realizada em Cartagena das Índias, Colômbia, no final de agosto de 2023.
“[Essa tecnologia] cria uma porta dos fundos que pode afetar suas redes, pode afetar a segurança, a soberania”, disse a Gen Ex Richardson, pedindo aos países que discutam sobre esses riscos e evitem que outras nações caiam em suas redes. “Temos que falar sobre os perigos dessa tecnologia 5G; estamos falando sobre o fato de que a República Popular da China é comunista, não respeita os direitos humanos de seus próprios cidadãos e tampouco respeita o Estado de Direito”, informou a mídia colombiana Caracol Radio.
Essa preocupação também foi expressa em Bruxelas, no final de junho de 2023, quando Thiery Breton, comissário de Mercado Interno da Comissão Europeia, denunciou que as empresas chinesas, como Huawei e ZTE, constituem um risco para a segurança da União Europeia. “A partir de hoje, a Comissão da União Europeia não contratará serviços de conectividade que dependam de equipamentos da Huawei ou da ZTE”, publicou Breton em sua conta em X.
Na América Latina, o último país a se manifestar contra essa tecnologia foi a Costa Rica. Paula Bogantes, ministra da Ciência, Inovação, Tecnologia e Telecomunicações, declarou aos deputados costarriquenhos que a China representa um risco à segurança cibernética. Da mesma forma, o vice-ministro de Telecomunicações, Hubert Vargas, classificou o sistema político do país asiático como totalitário, que reduz a luta contra a espionagem informática, relataram várias mídias locais.
Em agosto de 2023, o governo da Costa Rica decretou que somente os países que endossassem a Convenção de Budapeste, um tratado internacional sobre crimes cibernéticos, poderiam concorrer a contratos de 5G. A China – entre outros países, como a Rússia – não é signatária dessa convenção, portanto, empresas como Huawei não poderão participar de contratos para equipamentos e software 5G na Costa Rica.
Riscos
De acordo com o índice de segurança cibernética Global, a América Latina é a região mais vulnerável a ataques cibernéticos. Nos últimos anos, vários governos e empresas da região foram vítimas desses ataques, inclusive a Colômbia.
Mas nem os ataques sofridos pelo país, nem os alertas globais de segurança cibernética ou as medidas adotadas por alguns países para proteger suas redes parecem ter suscitado uma grande preocupação nacional no país produtor de café sobre os riscos associados às empresas chinesas em segurança cibernética.
“Na Colômbia, não há restrições às empresas chinesas, nem foi abordada no âmbito político a necessidade de avançar no desenvolvimento de regras e regulamentações para garantir as condições de segurança e proteção de informações de dados”, comentou Guzman.
“Não se trata de excluir concorrentes por serem empresas de origem específica, mas até que a RPC modifique sua legislação e garanta a total independência das empresas privadas, a Colômbia deveria excluir a participação de empresas de tecnologia chinesa, já que existe um potencial de instrumentalização desses serviços em situações de conflitos geopolíticos”, acrescentou Chacón.
Esse risco é particularmente preocupante, devido à alta presença da tecnologia chinesa no país. “Nosso alerta se aplica a todos os setores, porque a Colômbia está consumindo tecnologia chinesa em mobilidade, automóveis, carga elétrica e até mesmo dispositivos de segurança”, ressaltou Guzmán.
De acordo com a pesquisa de Risk Analysis, a maioria das empresas de segurança na Colômbia compra de empresas chinesas seus equipamentos de vigilância, como câmeras, sensores de movimentos, equipamentos de telecomunicações e tecnologia de vigilância por vídeo.
Fontes consultadas pela consultoria de riscos políticos asseguraram que periodicamente são realizadas feiras de negócios na China, para as quais os empresários de segurança colombianos são convidados, e todas as despesas dessa participação são assumidas pelos fornecedores chineses de equipamentos de vigilância e segurança. “Esse é um exemplo claro das práticas de poder brando que a China vem usando na região”, alertou Chacón.
O governo colombiano assinou recentemente vários acordos para fortalecer a economia digital com a China. O Ministério de Tecnologias da Informação e Comunicação destacou a utilidade da tecnologia chinesa para o bem-estar dos colombianos e assinou três acordos para fortalecer a economia digital, criar um programa de estágio em empresas de tecnologia da China para estudantes colombianos e estabelecer um acordo entre RTVC (sistema público de televisão e mídia da Colômbia) e China Media Group.
Segurança nacional, perda de soberania e investimento estrangeiro
Os riscos associados à contratação de empresas de tecnologia chinesas para a segurança nacional também são riscos para o investimento estrangeiro, dizem os especialistas. “O desenvolvimento de infraestruturas como a rede 5G com empresas chinesas faz com que a Colômbia não tenha garantias para a segurança das empresas que queiram investir no país, de modo que a Colômbia deixaria de ser um país atraente para o investimento estrangeiro”, disse Chacón.
Esses são riscos que se estendem ao perigo de dependência e perda de soberania no setor de tecnologia. “O consumo voraz de tecnologia chinesa e a ancoragem em um ou vários fornecedores chineses têm o potencial de gerar uma relação de dependência, na qual o vendedor estabelece as condições e não o comprador, que é o Estado soberano”, disse Guzmán.
Essa situação, segundo os especialistas, é especialmente preocupante, porque a Colômbia não sabe como funciona o setor empresarial da China.
“Fazer negócios com a China é cada vez mais opaco, mais difícil; a China está se tornando um parceiro comercial mais obscuro, mais confuso, e isso tem implicações para a tomada de decisões, sérias implicações políticas e estratégicas, que são um debate incipiente em nosso país”, concluiu Guzmán.