Em 4 de abril, foi celebrado o Dia Internacional para Conscientização e Assistência na Ação contra Minas, estabelecido em 2005 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O Exército Brasileiro é referência no trabalho de desminagem e de desativação de artefatos explosivos. Neste artigo, o Capitão Davyson Anderson Cavalcanti Sobral, da Arma de Engenharia do Exército Brasileiro, aborda o papel do Brasil na ação internacional contra as minas.
Não restam dúvidas de que os conflitos armados, quer sejam regulares ou irregulares, afetam diretamente a população local. As minas antipessoais e os restos explosivos de guerra permanecem após esses conflitos, deixando marcas nas comunidades afetadas, causando não só danos físicos e psicológicos, como também prejudicando-as nos aspectos econômico, social, político e ambiental.
Nos anos 80, as minas antipessoal – aquelas projetadas para explodir pela presença, contato ou proximidade de pessoas – começaram a ser amplamente utilizadas em conflitos internos, por forças irregulares e até mesmo forças militares de países em desenvolvimento, devido ao baixo custo e à efetividade de emprego. Os civis se tornaram vítimas, pois a utilização indiscriminada dessas minas os forçou a abandonar seus lares, além de bloquear o acesso a infraestruturas importantes, como as de abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica.
Cooperação internacional em Ação contra Minas
Os impactos humanitários causados por essas ameaças explosivas sensibilizaram a comunidade internacional, resultando na criação da Campanha Internacional para Banir as Minas Terrestres (ICBL por sua sigla em inglês: International Campaign to Ban Landmines), no ano de 1992. A ICBL evoluiu para uma parceria de mais de 1400 Organizações Não Governamentais, em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Organização das Nações Unidas e Governos ao redor do mundo, unidos sob o propósito de erradicar as minas.
Em 1997, a então coordenadora da ICBL, Jody Williams, é contemplada com o prêmio Nobel da Paz, chamando a atenção do mundo para o problema das minas terrestres. No ano seguinte, entra em vigor o Tratado de Ottawa, um marco legal na luta contra as minas. O objetivo do Tratado é banir o uso, desenvolvimento, produção, armazenamento e transferência de minas terrestres antipessoais.
Atuação do Brasil
Apesar de o território brasileiro não ser afetado por essas ameaças, o Brasil não ficou de fora do esforço global para eliminação das minas e ameaças explosivas e tornou-se signatário do Tratado de Ottawa. Em observância ao Artigo 6º dessa Convenção, o País participa desde a década de 90 na cooperação e assistência internacional em Ação contra Minas, proporcionando assistência à desminagem e às atividades a ela relacionadas.
O Brasil organizou em conjunto com a Junta Interamericana de Defesa (JID) a Missão de Assistência para Remoção de Minas na América Central (MARMINCA), para a qual foram enviados militares de 1993 a 2010, supervisionando a remoção das minas na Nicarágua, Honduras e Guatemala. Durante essa Missão, os brasileiros criaram também o Manual de Procedimentos Operacionais de Desminagem Humanitária, aprovado pela JID.
As Forças Armadas brasileiras participaram ainda da Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM III), no período de 1995 a 1997; bem como da Missão de Assistência à Desminagem na América do Sul (MARMINAS), supervisionando a desminagem na região fronteiriça entre Peru e Equador.
Cooperação Brasil-Colômbia
Desde o ano de 2005, militares brasileiros têm atuado em Missões de Ação contra Minas no território da Colômbia. Existem atualmente três diferentes Missões em curso no território colombiano, quais sejam o Grupo de Monitores Interamericanos (GMI), com foco na formação, certificação, avaliação operacional e monitoramento das Organizações de Desminagem Humanitária que operam no país; o Grupo de Assessores Técnicos Interamericanos (GATI), que trabalham junto ao Comando Geral das Forças Militares da Colômbia no assessoramento técnico e no ensino, ministrando o curso de Monitor Nacional de Desminagem Humanitária; e a Missão de Instrutores e Assessores em Desminagem Humanitária (MIADH), regulada por um acordo bilateral entre a Colômbia e o Brasil, que apoia a capacitação e a gestão de qualidade das organizações militares de desminagem colombianas, em particular da Brigada de Engenheiros de Desminagem Humanitária do Exército daquela nação.
Centenas de militares brasileiros já atuaram como assessores técnicos, supervisores e monitores em Missões de Ações contra Minas, seja por intermédio de Organismos internacionais ou regionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA); seja por intermédio de acordos bilaterais, como é o caso da MIADH. Nessas missões, as Forças Armadas brasileiras têm desempenhado papel relevante nas atividades de supervisão, controle de qualidade, capacitação, certificação e treinamento.
A expertise e o reconhecimento internacional obtidos das experiências em Missões dessa natureza renderam ao Brasil um papel de protagonismo regional em Ação contra Minas. Em minha experiência como assessor de desminagem humanitária na MIADH, pude testemunhar o respeito e admiração dos militares colombianos e dos organismos de monitoramento interno e externo pelo trabalho desenvolvido por parte dos militares brasileiros. Os participantes dessa Missão estão envolvidos nos treinamentos e capacitações no Exército Nacional da Colômbia, ministrando instruções e assessorando o desenvolvimento e a atualização de Procedimentos Operacionais na Brigada de Engenheiros de Desminagem Humanitária. Além disso, acompanham o desenvolvimento das operações no terreno e realizam a revisão da documentação produzida pelas Unidades de Desminagem Humanitária, colaborando com o processo o controle de qualidade interno nessas operações.
Capacitações em Ação contra Minas no Brasil
Fruto dos conhecimentos adquiridos, o Exército Brasileiro conta hoje com uma robusta e consolidada capacidade de treinamento em Ação contra Minas. Destacam-se nessa tarefa o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), situado no Rio de Janeiro (RJ); e o Centro de Instrução de Engenharia (CI Eng), localizado em Araguari (MG). Esses estabelecimentos de ensino do Exército Brasileiro, dentre outras missões, estão incumbidos de conduzir cursos e estágios voltados para a Ação contra Minas para os militares das Forças Armadas Brasileiras, para as Polícias Estaduais e militares estrangeiros de nações amigas. As instruções ministradas nesses Centros de excelência abarcam do planejamento à execução das atividades, por meio de abordagens teóricas, simulações e exercícios práticos em campo.
Anualmente, o CCOPAB conduz o estágio de Ação contra Minas, o qual tem como objetivo principal preparar os futuros instrutores, supervisores, monitores e assessores internacionais em missões de Ação contra Minas sob a égide de Organizações Internacionais. O estágio possui a duração de cinco semanas, sendo duas delas a distância e três presenciais, e se norteia pelas Normas Internacionais de Ação contra Minas (IMAS, por sua sigla em inglês). Os militares designados às missões em curso na Colômbia são capacitados por esse estágio.
Já o CI Eng conduz o Curso de Desminagem e Neutralização de Artefatos Explosivos (EOD) nível 2, com duração de onze semanas, sendo três delas a distância e oito presenciais. Apesar de o foco do curso estar nas tarefas de EOD e desminagem em combate, ele é conduzido em conformidade com os padrões das IMAS e possui um módulo de Ação contra Minas, no qual os alunos aprendem as técnicas e os conceitos essenciais atinentes a esse tema, bem como praticam a desminagem manual. O CI Eng também participa da formação dos instruendos do estágio de Ação contra Minas, tendo em vista que uma das semanas presenciais da referida capacitação ocorre nas instalações desse Centro.
Cenário atual e perspectivas futuras
A despeito do esforço global para a erradicação das minas, diversos países ao redor do globo ainda possuem altos índices de contaminação por minas e outros artefatos explosivos. Segundo o site Landmine Monitor, especializado em monitorar o cumprimento do Tratado de Ottawa, em 2022 houve um novo aumento do número de vítimas civis desses artefatos, dado o amplo emprego em países como a Ucrânia, Mianmar, Síria e Iêmen.
O presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, adicionou à lista dos países afetados pelas minas o Afeganistão, o Iraque e a Nigéria, em discurso proferido no Décimo Sexto Encontro de Estados Partes da Convenção de Proibição de Minas Antipessoal, em 2017. Peter afirmou ainda que os diversos conflitos em curso com o emprego de armas explosivas em áreas densamente povoadas “têm consequências desastrosas para os civis”, não se limitando a mortes e ferimentos físicos, mas incluindo a “destruição de infraestrutura vital como estações de água, usinas elétricas, hospitais e serviços de saúde”.
Segundo a BBC News Brasil, em matéria de maio de 2023, estima-se que somente em território ucraniano, há cerca de 174 mil quilômetros quadrados contaminados por minas terrestres, uma extensão correspondente a quatro vezes o estado do Rio de Janeiro.
A recente escalada global do emprego de minas e outros artefatos explosivos seguirá demandando um esforço coordenado para a eliminação ou mitigação dessas ameaças, exigindo uma resposta abrangente da comunidade internacional.
Diante desse cenário e das capacidades do Brasil em Ação contra Minas, é imperioso que o País continue desempenhando seu papel de pioneirismo e protagonismo regional na cooperação internacional contra as minas.
Referências:
https://www.icrc.org/pt/document/declaracao-20-anos-depois-de-historico-tratado-sobre-minas- terrestres-nao-podemos-perder-o
https://dialogo-americas.com/pt-br/articles/junta-interamericana-de-defesa-30-anos-de- desminagem-humanitaria-na-america-latina/
https://reliefweb.int/report/world/landmine-monitor-2023-enar#:~:text=According%20to%20the
%20Monitor%20report,of%20them%20children%20(1%2C171)
https://www.the-monitor.org/en-gb/home.aspx
https://www.defesaaereanaval.com.br/ajuda-humanitaria/30-anos-de-apoio-interamericano-a- desminagem-humanitaria
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c29renpxgjzo
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