A exploração mineira no sul da Venezuela, nos estados de Bolívar e Amazonas, apoiada pelo regime de Nicolás Maduro, representa a maior ameaça aos direitos humanos das populações indígenas, seu habitat, culturas e territórios, de acordo com a agência global de notícias IPS Noticias.
Nessa região, que faz parte da Amazônia, convergem máfias, comerciantes, sindicatos (quadrilhas originalmente vinculadas a sindicatos poderosos), traficantes, grupos armados irregulares, militares, comunidades indígenas, população local e membros do regime que controlam a atividade mineradora, segundo o Observatório de Ecologia Política da Venezuela, organização que analisa as desigualdades e os impactos socioecológicos.
“Mineração, violência, destruição do habitat, morte por doenças e migração forçada formam um contexto que os indígenas já estão descrevendo como genocídio silencioso”, disse à IPS Aimé Tillett, investigador da Universidade Central da Venezuela, que estuda os direitos dos povos indígenas.
A política extrativista do regime venezuelano constituiu a principal ameaça aos direitos indígenas no país em 2021, segundo a ONG Wataniba, uma organizaçãoque busca fortalecer a identidade dos povos indígenas na Amazônia venezuelana.
“A mineração ilegal está crescendo a um ritmo alarmante”, disse à Diálogo María Teresa Quispe, diretora executiva da Wataniba.
Dias infernais
De acordo com a ONG venezuelana Fundaredes, as populações indígenas não têm tido voz nem voto no desenvolvimento da mineração em sua região. Elas são subjugadas por grupos armados irregulares com contínuas práticas extrativistas.
Esses grupos operam com a aquiescência do regime e de sua cúpula militar, através de um sistema que garante que chegue às suas mãos uma alta proporção dos minerais extraídos. Em troca, os grupos armados ilegais recebem uma parte dos lucros, que é uma de suas principais fontes de financiamento, de acordo com o relatório SOS Orinoco 2022, da ONG venezuelana Controle Cidadão.
Homens e mulheres de comunidades indígenas trabalham na exploração de ouro, coltan e diamante. O trabalho deles não é voluntário, às vezes não são pagos, declaroua Fundaredes. “As pessoas que vão para as minas em condições semelhantes às de escravo trabalham horas infernais em troca de [migalhas]”, disse Quispe.
Além disso, nas áreas de mineração, segundo a Fundaredes, a maioria das mulheres indígenas é comprada. Meninas e adolescentes são violadas, maltratadas e forçadas a se envolver em atividades criminosas pelos militares ou por grupos armados ilegais.
Ela também indicou que nessas áreas geográficas o direito à vida não está garantido, nem há uma resposta oportuna do regime. Há comunidades indígenas onde aqueles que precisam de cuidados médicos devem ser transportados em canoas por mais de cinco horas para chegar a um centro hospitalar, acrescentou.
Destruição ambiental
Entre 2015 e 2020, a Venezuela perdeu quase 3 milhões de hectares de seu valioso pulmão de vegetação, uma cifra que aumenta a cada dia com a proliferação da mineração ilegal, especialmente no sul do Orenoco, onde 80 por cento das florestas estão concentradas, informa a Rede Amazônica de Informação SocioambientalGeorreferenciada, um consórcio de organizações da sociedade civil dos países amazônicos.
Quispe afirmou que “as taxas de desmatamento venezuelano são as que crescem mais rapidamente em toda a região”. Estima-se que existam 2.300 pontos de mineração ilegal no território venezuelano, 245 áreas e 30 rios onde há extração não regulamentada, segundo a IPS. Além dos danos ambientais, estas são áreas de recursos limitados para a subsistência, pelos quais competem as comunidades indígenas e os mineiros.
O regime de Maduro “não reconhece que existe mineração ilegal e, como o problema não existe, também não existe uma política para enfrentar essa situação”, disse Quispe.
Um relatório da plataforma de jornalismo ambiental Mongabay ressalta que o mercúrio, usado indiscriminadamente para extrair ouro, foi encontrado no sangue de habitantes das comunidades ribeirinhas venezuelanas, em reservatórios de água e em várias espécies de peixes.
Territórios ancestrais
No caso do estado do Amazonas, cujo território é quase inteiramente o habitat dos povos originários, os povos indígenas são impedidos de reivindicar seus direitos, exigir consultas e consentimento para a exploração do território, informou a IPS.
“Os indígenas que são donos dessesterritórios em algumas partes têm que informar quando entram ou saem de suas terras”, disse Quispe. “Há inúmeras denúncias […] sobre a invasão de seus territórios e a violência exercida por grupos armados irregulares, que ameaçam os líderes indígenas para que abandonem suas terras.”
Quanto mais indígenas ocuparem seus territórios, maior será a probabilidade de impedir a invasão da mineração, disse Quispe. Os povos indígenas são conscientesda possibilidade de gerar novas economias para a Amazônia venezuelana. Portanto, “uma chamada internacional [ao regime de Maduro] é extremamente importante”, concluiu Quispe.