A empresa de construção China Railway Group Limited (CREC) será responsável pelo desenvolvimento, projeto e construção da rodovia Potosí-Cochabamba na Bolívia. O projeto poderia acabar com a riqueza ecológica do departamento de Potosí, de acordo com a plataforma de jornalismo de investigação independente Diálogo Chino.
“Na última década, os investimentos chineses na mineração e na construção de obras de infraestrutura, como estradas,entraram com força na Bolívia”, disse à Diálogo a especialista em meio ambiente,Mariel Guerra, membro da ONG boliviana Sociedad Potosina de Ecología, em 20 de agosto. “Onde [Pequim] vai, gera muitos problemas ambientais, trabalhistas e sociais.”
O projeto, preliminarmente chamado de Estrada da Integração Tiku, devido à dança tradicional do departamento andino, começará em Tinguipaya, Potosí, e terminará em Achamoco, Cochabamba. Terá uma extensão de 259 quilômetros, dos quais 222 atravessarão o território de mais de 30 comunidades indígenas, afirmou a plataforma de jornalismo.
Também destacou que a rota que conectaráos dois departamentos danificará zonas arqueológicas, várias áreas ecológicas e um depósito de minerais. Potosí, que é uma terra fértil, onde a maioria dos habitantes se dedica à produção agrícola, possui uma grande biodiversidade de fauna e é rica em recursos minerais.
“A empresa chinesa planeja iniciar a estrada em 2023. Se este for o caso, obviamente vai começar sem um estudo de impacto ambiental”, declarou Guerra. “O problema com esse tipo de projeto é que eles não têm uma licença ambiental.”
Outros interesses
A CREC diz que o projeto rodoviário melhorará a qualidade de vida dascomunidades de Potosí. “Mas o projeto está ligado a outro tipo de interesses que apenas o mero bem-estar das comunidades”, ressaltou Guerra. “A estrada passará pelo depósito de Mallhu Khota, onde há toneladas de ouro, prata, cobre, índio e gálio. Ao contrário, a empresa [CREC] está procurando explorar essa mina.”
O interesse da China na Bolívia “são seus recursos minerais, como o ouro, e a exploração do lítio para a fabricação de baterias para veículos elétricos”, acrescentou a especialista ambientalista. “Estar no negócio da construção de estradas abre-lhes caminhos para facilitar essa exploração”, disse.
Por exemplo, somente nos últimos quatro anos, foi outorgada a uma outra companhia chinesa, a empresa estatal China Harbour Engineering Company Ltd., a construção de sete projetos rodoviários, de acordo com a agência de notícias boliviana Los Tiempos. Até outubro de 2019, Pequim tinha mais de 60 empresas na Bolívia desenvolvendo 55 projetos de “cooperação”, relata o diário boliviano El Deber.
Violações
Uma característica das relações entre a China e a Bolívia é a informação escassa, as contradições nas declarações das autoridades e a não divulgação de acordos e contratos de financiamento, diz o relatório Investimento público e financiamento chinês na América Latina, da ONG latino-americana Coalición Regional.
“As empresas chinesas fazem contratos com o governo [da Bolívia], obrigando-o a contratar uma parte do seu pessoal”, disse Guerra. “Muitas pessoas estão vindo da China para trabalhar no país, então também tiram empregos dos demais. Eles são predadores.”
A CREC é uma das empresas mais denunciadas na Bolívia pela violação dos direitos sociais e trabalhistas, incluindo abuso físico e psicológico e falta de segurança industrial e social, de acordo como site do Centro de Estudos para oDesenvolvimento Trabalhista e Agrário, da Bolívia.
O projeto Potosí-Cochabamba “não só gerará impactos ambientais, mas também impactos sociais. Algumas comunidades foram informadas de que isso as removerá de seus lugares para que a estrada possa passar; assim, culturalmente, elas estão sendo removidas de seu ambiente. Isso também afetará a fauna; são muitas coisas que eles não estão levando em conta”, especificou Guerra.
A série de padrões de abusos dos direitos humanos por parte de empresas chinesas que operam na América Latina inclui, entre outros, o direito de viver em um meio ambiente saudável; danos ambientais; violação da participação e consulta; direito ao território; integridade, liberdade e segurança; direitos trabalhistas e associativos; e saúde; indica online o Coletivo sobre Financiamento e Investimentos Chineses, Direitos Humanos e Meio Ambiente, um consórcio de organizações da sociedade civil latino-americana.
Guerra comentou que alguns ativistas estão alcançando as comunidades que serão afetadas pelo projeto da estrada, para fornecer-lhes não só assessoria técnica, mas também jurídica, para que tenham as armas para se defenderem.
“Enquanto isso, a China começará a despovoar as áreas por onde passará a rodovia Potosí-Cochabamba e gerará uma forte migração interna”, concluiu Guerra. “Quando realmente percebermos esses efeitos, será tarde demais para todos.”