A última onda de repressão do regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo está atingindo a Igreja Católica na Nicarágua, punindo severamente aqueles que tentam denunciar a situação vivida pelos nicaraguenses, disse em agosto o relatório Suplemento de Análise Política do think tank Centro de Estudos Transdisciplinares da América Central (CETCAM), sediado na Costa Rica.
Por outro lado, o relatório Nicarágua: uma igreja perseguida? 2018-2022, da advogada Martha Patricia Molina, membro do Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção da Nicarágua, registra e sistematiza os ataques à Igreja Católica desde a eclosão da crise sócio-política, de abril de 2018 até maio de 2022.
“A ditadura de Ortega-Murillo quer aniquilar completamente a Igreja Católica na Nicarágua porque os bispos e sacerdotes falam a verdade, condenando a todo momento a arbitrariedade, a corrupção, a impunidade, as injustiças, o uso desproporcional da força pela Polícia Nacional e pelo Exército da Nicarágua”, disse Molina à Diálogo, em 12 de setembro. “A Igreja Católica não está disposta a lisonjear a ditadura, que eliminou completamente a divisão de poderes e a institucionalidade no país.”
“O confronto do regime […] com a Igreja Católica está chegando a um de seus pontos mais altos e quer forçá-los a tomar um de três caminhos: o silêncio diante da situação do país, a prisão ou o banimento, se não baixarem a cabeça”, relatou o CETCAM. “Essa escalada de confronto […] contra a igreja [procura] terminar de silenciar todas as vozes críticas ou não-subordinadas que existem. Assim, a igreja, e particularmente certos líderes religiosos, são vistos por Ortega e Murillo como ‘inimigos’ que dificultam a imposição do seu poder dominante.”
Segundo Molina, a igreja foi atacada de várias formas, incluindo graffitis em templos e mensagens anônimas; profanação de templos e roubos; ameaças públicas de pessoas filiadas ao regime; agressão, perseguição, assédio e pressão para deixar o país; obstáculos e cancelamento do status legal para organizações religiosas sem fins lucrativos e caritativas.
A ditadura intensificou sua ofensiva contra os líderes da Igreja Católica em 1º de agosto, quando ordenou o fechamento de oito estações de rádio católicas na Diocese de Matagalpa, denunciou o site Vatican News. Dias depois, um cerco policial foi realizado na Cúria Episcopal de Matagalpa, onde permaneceram detidos por 15 dias o bispo Rolando Álvarez, 10 religiosos e um cinegrafista.
A Polícia acusou no Twitter “a Igreja Católica liderada pelo bispo monsenhor Rolando Álvarez […] de organizar grupos violentos, incitando-os a realizar atos de ódio contra a população. [Isso] perturba a paz e a harmonia na comunidade […]”, e confirmou, em 19 de agosto, que Álvarez permaneceria sob “custódia domiciliar” e o restante dos religiosos seria transferido para as celas da Diretoria de Assistência Judiciária, em Manágua, conhecida como “El Nuevo Chipote”.
Nesse mesmo dia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou a repressão contra o clero, instando o regime a cessar imediatamente esses atos, libertar imediatamente o bispo Álvarez e as pessoas detidas e informar imediatamente seu paradeiro e garantir sua vida e integridade pessoal.
Yader Morazán, advogado e especialista em Administração de Justiça da Nicarágua, que mantém um registro minucioso dos procedimentos do regime contra a Igreja Católica, disse à Diálogo em 8 de setembro que a Polícia não tem o poder de impor “prisão ou detenção domiciliar”, porque essa é a jurisdição exclusiva do poder judiciário, através de um processo ou audiência, com fatos concretos formalmente expressos diante de um acusado acompanhado de sua defesa.
Em 2022, o regime Ortega-Murillo também puniu outros membros da Igreja Católica com o desterro. Em julho, a Assembléia Nacional cancelou o status legal da fundação das Missionárias da Caridade de Santa Teresa de Calcutá e expulsou 18 missionárias que dirigiam uma casa para crianças.
Em março, o regime expulsou o arcebispo Waldemar Stanislaw Sommertag, núncio apostólico em Manágua desde 2018. O Vaticano declarou que a medida foi incompreensível, pois durante sua missão o bispo trabalhou incansavelmente pelo bem da igreja e do povo nicaraguense.
“Todos os julgamentos contra os 205 presos políticos, incluindo sacerdotes, seminaristas e leigos, não estão de acordo com a lei. Na Nicarágua, no momento, prevalece a lei da selva, a lei do mais forte, que em todo caso é Daniel Ortega e sua consorte, porque eles têm as forças armadas a seu favor”, concluiu Molina.