A Assembleia Nacional da Nicarágua aprovou um conjunto de reformas à Lei de Criação da Cinemateca Nacional e à Lei de Cinematografia e das Artes Audiovisuais, para proibir o “desenvolvimento, exibição pública e comercialização de produtos cinematográficos e audiovisuais, bem como a confiscação dos mesmos”. Com elas, advertem advogados e cineastas, o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo controlará e censurará as produções audiovisuais no país.
“Estamos preocupados com todas as atribuições da Cinemateca Nacional, porque coloca a cultura e a produção de material audiovisual como uma iniciativa do Estado e não como uma iniciativa individual ou de pessoa jurídica para promover o pensamento”, disse à Diálogo, em 8 de novembro, Carlos Guadamuz, advogado de defesa da ONG Coletivo de Direitos Humanos Nicarágua Nunca Más, baseada na Costa Rica. “É uma lei que viola a Constituição política e coloca a liberdade de expressão e pensamento em sério risco e vulnerabilidade, bem como o patrimônio de todas as pessoas que desejam desenvolver atividades no campo de filmagens e documentação.”
Desde 13 de outubro, a cinematografia nicaraguense é supervisionada e controlada por um artigo que estabelece que “qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, que pretende desenvolver atividades audiovisuais e cinematográficas de qualquer tipo no território nacional, deve cumprir os requisitos de registro na Cinemateca Nacional e ter a devida autorização para a execução de tais atividades”. A Cinemateca pode ditar medidas de segurança para garantir que nacionais ou estrangeiros cumpram com as regulamentações “na realização e desenvolvimento de produtos cinematográficos ou audiovisuais”, informou o jornal La Prensa da Nicarágua.
“Isto é preocupante porque, num contexto como o da Nicarágua, onde já se sabe que não se pode publicar coisas contra o regime porque há consequências, agora o que existe é uma lei que não só impede e proíbe a exibição das obras, mas também sua produção”, disse à Diálogo Ricardo Zambrano, cineasta, diretor e produtor nicaraguense no exílio. “Os cineastas não poderão fazer documentários ou filmes que critiquem o regime. Qualquer pessoa, produtor, tiktoker ou youtuber que conte suas histórias com uma câmera na rua e que, sob os olhos da Cinemateca, não esteja contribuindo para a paz e o bem-estar da Nicarágua, sua produção será boicotada e o material confiscado.”
O Coletivo Nicarágua Nunca Más sublinha que essas reformas vinculam e obrigam o desenvolvimento de atividades cinematográficas ou audiovisuais e a produção de documentários ao canal 6 de televisão nicaraguense, uma estação de televisão estatal que reproduz apenas o sinal do canal 4 de televisão, a principal emissora do sistema de propaganda do regime Ortega-Murillo.
“Na Nicarágua, todo o registro de qualquer entidade estatal leva a uma estigmatização”, acrescentou o advogado Guadamuz. “Estamos preocupados que esses registros sejam realizados diante de autoridades onde os processos ou as garantias de um devido processo não sejam cumpridos, e não há possibilidade de apresentar queixas ou utilizar instâncias judiciais para garantir o cumprimento das liberdades e direitos humanos dos nicaraguenses.”
A socióloga e documentarista nicaraguense Leonor Zúñiga também destacou a estratégia do regime de utilizar conceitos ambíguos, como “Cultura de Paz”, para justificar ações contra as liberdades dos nicaraguenses.
“Este conceito já foi usado em outras leis pós-rebelião de 2018, para justificar a censura de tudo aquilo que represente uma crítica ao poder e, portanto, ameace a ‘paz’”, Zúñiga postou no Twitter. “Com isso, não só afetam as empresas de produção que necessitam do apoio do Estado. Esta autorização à Cinemateca pode proibir qualquer indivíduo com uma câmera (Sim, TikToker) de produzir algo se não estiver alinhado com a ‘Cultura de Paz’”.
Os cineastas nicaraguenses independentes compartilharam um comunicado de imprensa nas redes sociais, apelando aos produtores e criadores audiovisuais da América Latina e do mundo para “refletir sobre a importância de defender a liberdade criativa e agir coletivamente para garantir que sejam respeitados os direitos de liberdade de expressão e criação cultural que foram duramente conquistados na Nicarágua e na América Central”.
A Cinemateca Nacional é dirigida pela ex-nora de Ortega e Rosario Murillo, Idania Castillo, que, segundo La Prensa, se tornará a nova supervisora não só dos produtos audiovisuais na Nicarágua, mas também dos que se dedicam a esta atividade.