O regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo implanta um estado de terror na Nicarágua, onde a impunidade é uma política oficial, denunciaram em um novo relatório a ONG Colectivo de Derechos Humanos Nicarágua Nunca Más, baseada na Costa Rica, e o observatório dos cidadãos Urnas Abiertas, da Nicarágua. As investigações ressaltamque o Estado de direito foi destruído, deixando os cidadãos indefesos e reduzindo as instituições a órgãos obedientes, sem autonomia.
“As forças armadas defendem uma revolução que não existe em uma democracia que não existe. Em nome dessas coisas que não existem e em nome da paz, eles têm imposto o terror desde 2018”, disse à Diálogo Gonzalo Carrión, defensor daColectivo Nunca Más, em 15 de julho. “Eles o fazem com um mecanismo que inclui a Assembléia Nacional, que produz leis completamente arbitrárias para tentar legalizar a perseguição.”
“Desse maquinário para produzir terror, há um deslocamento monumental, um verdadeiro êxodo que danifica milhares e milhares de famílias. Em outros casos, capturando; e quando capturam, eles invadem casas simultaneamente a qualquer hora, e isso instila o terror”, acrescentou Carrión.
Urnas Abiertas, por sua vez, enumera novas formas de violência e terror: repressão migratória; negação de documentos; extorsão fiscal; represálias administrativas contra grandes, médias e pequenas empresas; represálias contra benefícios sociais e serviços públicos; perseguição ao setor cultural e à igreja católica; eliminação da autonomia universitária; controle sobre militantes sandinistas e funcionários públicos; e migração forçada.
Os agentes policiais são os principais operadores da repressão com perseguições, detenções arbitrárias, incursões, confiscos e outros tipos de agressões, adverte Urnas Abiertas. “Entretanto, foram identificados outros operadores desarmados, em sua maioria institucionais, tais como o sistema penitenciário e o sistema de justiça, a Assembléia Nacional, a Diretoria de Migração e Assuntos de Estrangeiros, e os gabinetes dos prefeitos, entre outros.”

“O assédio e o cerco são as principais formas de violência política […] dirigidas aos familiares dos presos políticos, aos libertados da prisão e aos cidadãos reconhecidos como adversários”, afirmouIvania Álvarez, coordenadora das redes de cidadãos de Urnas Abiertas, ao programa noticioso nicaraguense La Mesa Redonda. “Também contra aqueles que fizeram algum tipo de ativismo digital e familiares que perderam seus filhos devido à violência do Estado em 2018. Esse tipo de repressão continua, onde os perpetradores são a Polícia e os paramilitares.”
Roberto Samcam, analista militar e autor do livro Ortega, El Calvario de Nicaragua, concorda sobre as práticas terroristas do Exército, da Polícia, dos paramilitares e do partido do governo Frente Sandinista de Libertação Nacional. Ele acrescenta que o regime até libertou 25.000 réus comuns a fim de exercer o controle social sobre os cidadãos.
“Os parapoliciais agiram em apoio à Polícia entre abril e junho de 2018, quando as possibilidades de conter os protestos haviam sido excedidas. A maioria deles eram elementos antissociais recrutados em bairros de Manágua e outros municípios”, disse Samcam à Diálogo, em 12 de julho. “Os paramilitares eram uma força entre 3.000 e 3.500 homens com experiência militar. Os principais comandantes eram ex-oficiais do alto escalão do Exército e tinham estadodurante a guerra nos anos 1980. Eles tinham uma estrutura militar e usavam táticas militares; o armamento utilizado tinha características de guerra convencional e o sistema de comando e comunicação eram próprios de uma força militar.”
Um dos efeitos mais prejudiciais do Estado de terror implementado pelo regime Ortega-Murillo é a falta de confiança no sistema de justiça, pois os cidadãos não têm a quem recorrer para proteger seus direitos, explicou Paulo Abrão, ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “O uso da criminalização da dissidência política, ou o uso da lei para a perseguição política, ou o estreitamento do espaço cívico e da própria democracia do país, é uma forma que a ditadura encontrou para se perpetuar e fechar-se à comunidade internacional.”
Prisioneiros políticos
Outro aspecto do Estado de terror são os presos políticos. A organização nicaraguense de direitos humanos, Mecanismo para el Reconocimiento de Personas Presas Políticas, confirmou que há 182 membros da oposição detidos na Nicarágua. Desses, 46 foram presos em 2021 e sete foram candidatos à presidência nas eleições de novembro de 2021, publicoua cadeia estatal francesa de notícias internacionais France 24.
“Como você se sentiria após mais de 390 dias forçado a permanecer na escuridão 24 horas por dia, onde não pode dizer uma única palavra, onde recebe luz solar somente a cada 10 dias durante 15 minutos, onde é forçado a se submeter a interrogatórios?”, declarou à imprensa, em 7 de julho, Bertha Valle, esposa do ex-candidato presidencial Felix Maradiaga, que está na prisão desde junho de 2021. “Esse estado de confinamento, de isolamento do mundo, […] está lhes dando a sensação de que estão sendo apagados. Há uma intenção […] que lhes está causando danos irreversíveis. Não há tempo a perder aqui […]; é necessário parar a tortura.”