O Ministério das Relações Exteriores da Nicarágua e a Corporação Estatal de Energia Atômica da Rússia (ROSATOM) assinaram um roteiro para a utilização da energia atômica com fins pacíficos, durante a 12ª Conferência Internacional ATOMEXPO, uma reunião sobre a indústria nuclear mundial, realizada na cidade russa de Sochi, informou o diário nicaraguense La Prensa.
“A Nicarágua não tem os recursos técnicos ou econômicos, nem está suficientemente preparada para o desenvolvimento deste tipo de energia”, disse à Diálogo María Elvira Cuadra, socióloga e pesquisadora associada do Centro de Investigação da Comunicação e do Instituto de Estudos Estratégicos e Políticas Públicas da Nicarágua, em 13 de dezembro de 2022. “De 2018 até hoje, as fugas de cérebros aumentaram significativamente e muitos dos melhores profissionais do país tiveram que partir para outros destinos, devido à crise sócio-política e ao regime autoritário de Daniel Ortega e Rosario Murillo.”
O roteiro faz parte dos acordos assinados com a Rússia no âmbito da cooperação científica técnica e produtiva; “ele delineia as diretrizes para o progresso no campo da cooperação em aplicações não energéticas de tecnologias nucleares e radiológicas, fortalecendo as capacidades dos profissionais, especialmente no campo da medicina, energia hidráulica, geotérmica e eólica”, informou o jornal oficial El 19 Digital.
O memorando de entendimento foi assinado um ano atrás por Nikolay Spassky, vice-diretor geral para Assuntos Internacionais da ROSATOM, e Alba Azucena Torres, embaixadora extraordinária e plenipotenciária da Nicarágua, em Moscou, em 7 de dezembro de 2021.
“O Memorando estabelecido é o primeiro documento no campo do uso pacífico da energia atômica entre a Rússia e a Nicarágua”, ROSATOM publicou em seu website. “O documento estabelece as bases para a cooperação em uma ampla gama de áreas, em particular, para a conscientização da população sobre tecnologias nucleares, o desenvolvimento da infraestrutura nuclear […] e o uso não energético da energia atômica na indústria, agricultura e medicina.”
“O que é percebido como mais perigoso são dois grandes conjuntos de fatores. O primeiro é o estabelecimento no coração da América Central de uma verdadeira base militar russa com extensa capacidade operacional em uma área de alta sensibilidade estratégica”, disse Luis Guillermo Solís, ex-presidente da Costa Rica e diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Internacional da Flórida, à plataforma de jornalismo independente nicaraguense, Confidencial. O ex-presidente mencionou os perigos da contribuição da Rússia à renovação das Forças Armadas do regime de Ortega-Murillo e a construção de instalações militares de alta tecnologia, além do desenvolvimento de usinas nucleares.
Diante do cenário em que a Nicarágua não possui as condições técnicas, laboratórios ou qualquer outro tipo de instalação apropriada para desenvolver este tipo de indústria, a socióloga Cuadra conclui sua análise com duas hipóteses: “Uma é que seja um discurso que está sendo empurrado pela Rússia na Nicarágua para alimentar o confronto com os Estados Unidos, gerando maior atrito e utilizando a Nicarágua como pretexto. A outra é que a Rússia leve para a Nicarágua os recursos necessários para isso, tanto técnicos, como materiais e humanos. Então […] teríamos que ver que tipo de participação a Nicarágua teria e qual é o propósito real da Rússia de desenvolver este tipo de energia no país.”
“Para desenvolver a energia nuclear, teria que ser instalado um reator nuclear. Já sabemos o que acontece se um reator nuclear falhar e que área sua radiação pode afetar”, disse Erick Mora, professor da Escola de Física da Universidade da Costa Rica, ao jornal costarriquenho La Teja. “Imagine se houvesse um reator na Nicarágua e falhasse; não só seria um risco para nós, mas para toda a América Central, México, Panamá, em outras palavras, para toda a região.”