A Nicarágua se tornou o maior exportador de ouro da América Central, apesar de suas vendas ao exterior não corresponderem à quantidade extraída de suas minas. De acordo com alguns especialistas, essa diferença sugere que o regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo está triangulando a venda do mineral a partir de outros países.
“Há muita preocupação aqui sobre como o regime de Ortega-Murillo está usando ou enriquecendo com a comercialização do ouro”, disse à Diálogo, em 18 de novembro, Amaru Ruiz, biólogo e presidente da Fundación del Río, uma organização ambiental nicaraguense com sede na Costa Rica. “Está permitindo e endossando a mineração ilegal, para que [o ouro] chegue aos mercados formais por meio de empresas industriais e de exportação, que são as que, no final, servem como um funil para a comercialização do metal no país.”
Precisamente, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou, em 2022, a Empresa Nicaraguense de Minas – Eniminas, bem como seu diretor, Ruy Delgado López, por ter manipulado as eleições presidenciais
de 2021, fornecendo fundos ao regime para a prisão arbitrária da oposição, bloqueando partidos políticos, fechando a mídia independente e perseguindo a sociedade civil.
“Há fortes indícios de que a Nicarágua também exporta ouro extraído da Venezuela. A Nicarágua exporta muito mais ouro do que produz e as contas não batem”, explicou, em 8 de novembro, o advogado brasileiro Daniel Cerqueira, diretor do Programa de Direitos Humanos e Recursos Naturais da Fundação para o Devido Processo, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. “Isso significa que ou há uma subnotificação do que está sendo produzido […], ou há um tráfico entre governos párias para manter suas finanças em dia, não para o benefício da população, mas para financiar a máquina repressiva desses governos.”
Em agosto de 2022, em resposta às sanções impostas pelos EUA, o regime de Ortega-Murillo reformou a Lei Especial de Exploração e Aproveitamento de Minas para exercer um controle absoluto sobre toda a atividade mineira, inclusive a mineração ilegal.
“O problema com o ouro é que, como ele é facilmente comercializado e muito homogêneo, é muito difícil construir um rastro que eventualmente leve à origem real desse metal precioso. Mas há muitas evidências de que está sendo triangulado”, explicou à Diálogo Juan Sebastián Chamorro, economista nicaraguense, ex-candidato à presidência e antigo preso político. “Há anos existem suspeitas de que o ouro venezuelano está sendo triangulado através da Nicarágua e que esse ouro, uma vez ‘lavado’, pode de alguma forma ser exportado para outros mercados internacionais.”
Desde 2007, quando Daniel Ortega voltou à sua ditadura, a Nicarágua tem registrado um aumento constante nas exportações de ouro. A revista investigativa centro-americana Expediente Público revelou, em 8 de novembro, dados do Banco Central de Reserva da Nicarágua, que mostram que o regime passou de uma exportação de US$ 61,4 milhões em 2007 para US$ 867,6 milhões em 2022.
“Isso poderia ser explicado de duas maneiras: primeira, o ouro está chegando de outros lugares e de lá está sendo comercializado; e, segunda, está chegando ouro que não é declarado e não vem da mineração industrial, mas da mineração ilegal”, explicou Ruiz. “Talvez sejam as duas coisas.”
De acordo com uma investigação publicada em 15 de outubro pelo jornal colombiano El Tiempo, a Nicarágua exportou mais de 4,9 toneladas do metal precioso em 2022 que não foram relatadas nas estatísticas oficiais como extraídas de minas nicaraguenses. Isso representaria mais de US$ 288 milhões em lucros.
“O ouro não é apenas um mineral usado na indústria em geral; ele também é um ativo financeiro por si só”, enfatizou Cerqueira. “É a atividade preferida de governos párias, asfixiados monetariamente por seus erros macroeconômicos e também por sanções de países com vocação democrática.”
A Fundación del Río estima que 30 por cento do ouro exportado pela Nicarágua provém de processos ilegais, transportados por meio de canais de processamento e exportação pertencentes a empresas estrangeiras sediadas no país. Além desse negócio, 36 toneladas de mercúrio são comercializadas ilegalmente todos os anos. A atividade envolve “lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e comercialização de drogas dentro das áreas de exploração mineira ilegal”.
A Fundación del Río informa que 41 por cento do território do povo indígena Mayangna, na reserva da biosfera de Bosawás, “é concessionado para mineração, o que aumentou o conflito e os assassinatos na área. Isso está afetando um total de 21 territórios indígenas”, ressaltou.