Após um referendo consultivo, Nicolás Maduro, da Venezuela, lançou uma campanha agressiva que pretende anexar cerca de 160.000 quilômetros quadrados de território pertencente à Guiana. Os comícios, realizados em 3 de dezembro, tinham o objetivo de avaliar a opinião dos eleitores sobre cinco questões relacionadas a uma disputa de longa data entre a Venezuela e seu vizinho da fronteira oriental.
No mesmo dia, Elvis Amoroso, reitor-chefe do Poder Eleitoral, anunciou que 10.554.330 votos haviam sido contados. Ele não forneceu os totais de abstenções nem os votos nulos, nem a participação forçada dos militares venezuelanos. Esse número despertou zombaria e suspeita, dada a evidência de que, durante aquele dia, as 15.857 seções eleitorais instaladas em todo o país permaneceram vazias ou com comparecimento muito baixo.
O comparecimento às urnas foi tão baixo que o regime venezuelano “foi amplamente acusado por analistas de falsificar os resultados”, informou The Guardian. No dia seguinte, em um segundo boletim, o mesmo funcionário disse que 10.431.907 pessoas haviam participado, isto é, 122.423 a menos do que o indicado anteriormente.
“Isso dá uma participação por centro de cerca de quinze por cento, mais ou menos […]. Agora, se eles dizem que o comparecimento foi de 10 milhões, ou seja, mais da metade da lista eleitoral, nós não os vimos. É algo totalmente impossível”, disse Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, quando entrevistado por Diálogo, em 6 de dezembro. “O próprio regime gerou confusão sobre os resultados, ao falar de votos e não de eleitores.”
A partir de 4 de dezembro, a autocracia venezuelana omitiu o debate sobre a participação real na consulta eleitoral e começou a tomar decisões sobre a questão de Essequibo. Primeiro, Maduro afirmou que a votação de 3 de dezembro teria um caráter “vinculante”. No dia seguinte, ele mostrou um mapa que incorporava Essequibo ao território venezuelano. No mesmo evento, ele anunciou a designação do General de Divisão (R) Alexis Rodríguez Cabello, ex-comandante geral do Exército e atual deputado pró-governo, como a “única autoridade” para Essequibo.
O presidente do Colégio de Internacionalistas da Venezuela, Juan Francisco Contreras, disse à Diálogo que essas decisões de Maduro estão alinhadas com uma das questões mais polêmicas da consulta, que se refere à criação do estado “Guayana Esequiba” e à implementação de um “plano acelerado para o atendimento integral da população atual e futura desse território, que inclui, entre outras coisas, a concessão de cidadania e carteiras de identidade venezuelanas […], incorporando consequentemente esse estado ao mapa do território venezuelano”.A implementação dessa proposta implicará que a Venezuela entre em um “importante conflito”, o que colocaria o regime de Maduro “fora do direito internacional”, acrescentou Contreras.
Mas o ditador venezuelano continua em um curso de ação pré-estabelecido. Em 5 de dezembro, ele apresentou à Assembleia Nacional, dominada pelo oficialismo, um projeto de lei para a criação do estado Guayana Esequiba. “A Guiana deve saber que vamos resolver isso por bem ou por mal, porque essa será uma Lei Orgânica para todos os governos e gerações futuras, para as décadas deste século e além”, ameaçou.
Contreras observou que, nesse processo, os países da região que antes apoiavam o regime venezuelano agora “permanecem calados, estão mantendo um silêncio espantoso; parece até que agora estariam apoiando a Guiana”.
Ele lembrou que, antes do referendo, a Comunidade do Caribe (CARICOM), que apoia a Guiana, tinha exigido que Maduro cumprisse as decisões emitidas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ). Na véspera da votação, a CARICOM instou o regime de Maduro a abster-se de tomar qualquer decisão que “modifique a situação que prevalece no território em disputa”.
“Portanto, a situação na Venezuela é realmente muito complicada, especialmente em nível internacional. A Nicarágua é o único país que diz apoiar a posição da Venezuela”, resumiu Contreras.
Além das ações tomadas pelo regime de Maduro, a Venezuela terá que apresentar seus argumentos perante a CIJ em abril. Esse pleito, chamado de “contra memorial”, é o que será levado em conta para uma decisão nessa disputa territorial.
“Não parece muito coerente dizer agora que vamos deixar o tribunal, que não vamos reconhecê-lo […]. Se não apresentarmos o contra memorial, nossa posição ficará muito fraca. É importante lembrar que a decisão do tribunal é inapelável e de cumprimento obrigatório”, alertou Contreras.