O Primeiro Comando da Capital (PCC), um dos principais grupos criminosos do Brasil e da América do Sul, uniu-se a grandes quadrilhas de traficantes de drogas para contrabandear cocaína a países da Europa e da África, fortalecendo seus vínculos com o crime organizado global, revelou o jornal britânico The Economist.
“Desde 2016, há um plano claro para o PCC se expandir primeiro nacional e regionalmente e depois extra-regionalmente para a Europa, enquanto na África ele trabalha em cooperação com outros grupos para atingir o mercado de consumo de cocaína”, disse à Diálogo, em 2 de janeiro, Carolina Sampó, coordenadora do Centro de Estudos sobre o Crime Organizado Transnacional da Argentina,.
Criada em 1993, a quadrilha cresceu e se tornou a facção criminosa mais temida do Brasil, conquistando mercados de drogas, rotas de contrabando, favelas e prisões em todo o país, inclusive em regiões remotas da Amazônia.
Calcula-se que o PCC tenha cerca de 40.000 membros vitalícios e outros 60.000 membros contratados em suas fileiras. Um relatório dos serviços de segurança de Portugal alertou que o grupo tem 1.000 associados somente em Lisboa.
Relatórios de inteligência indicam a presença do PCC em prisões de Portugal, Espanha e França. “Eles estão começando a replicar o modelo de reprodução de uma organização criminosa”, explicou Sampó. “Nas prisões, eles capturam os detentos, incorporam-nos em suas fileiras, batizam-nos como irmãos, geram vínculos inquebráveis, anéis de confiança e, quando saem da prisão, trabalham para o PCC.”
A revista The Economist informou que a União Europeia apreendeu a cifra recorde de 303 toneladas de cocaína em 2021. Como as drogas são enviadas para lugares mais distantes, as margens de lucro são maiores. Anteriormente, o PCC comprava cocaína do atacado na Bolívia por US$ 1.500 o quilo, carregava-a em um navio em um porto brasileiro e a vendia por US$ 8.000; mas, ao se estabelecer na Europa, os membros do PCC podem vender esse kg por mais de US$ 30.000.
A quadrilha dirige mais de 50 por cento das exportações de drogas do Brasil para o continente europeu, disse Lincoln Gakiya, fiscal do crime organizado em São Paulo. Ela trabalha principalmente com a ‘Ndrangheta italiana (máfia calabresa), a maior máfia da Europa, acrescentou The Economist.
“Se alguém consome cocaína na França, Inglaterra ou Espanha, há uma boa chance de que ela tenha chegado lá pelas mãos do PCC”, disse Gakiya.
De acordo com Sampó, “a tendência de venda e consumo de cocaína mudou das Américas para a Europa”.
Outra área de expansão é a África Ocidental, uma das principais áreas de trânsito da cocaína. Um relatório da ONG Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, sediada na Suíça, constatou que o PCC opera como uma peça-chave no tráfico de drogas.
“Em Moçambique e Angola, o PCC os utiliza como área de trânsito, com apoio e cooperação de organizações criminosas locais que fornecem logística, permitindo a movimentação de cocaína no continente africano com a chegada de barcos ao Golfo de Benin e Guiné-Bissau, para depois efetuar a redistribuição do carregamento por terra, ar e mar, para aproximá-lo da Europa”, disse Sampó.
A conexão com as organizações criminosas nigerianas também ajuda a quadrilha a entrar no sul da África. Por exemplo, a África do Sul é um ponto-chave para os carregamentos de cocaína para os mercados emergentes da Índia e da China.
Os grupos de traficantes nigerianos desempenham um papel importante no tráfico de cocaína entre a América Latina e os mercados consumidores, usando mensageiros humanos em voos comerciais, afirmou o Gabinete das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), publicou InSight Crime, uma organização dedicada ao estudo do crime organizado na América Latina e no Caribe, no final de setembro de 2023.
Nesse sentido, as gangues nigerianas fecharam um acordo com o PCC, porque têm sido centrais na rota da África Ocidental desde pelo menos 2005, o que significa que possuem o conhecimento e as conexões necessárias para serem traficantes eficientes e parceiros valiosos para o PCC, analisou InSight Crime.
No trabalho elaborado por The Economist, Christian Azevedo, da Polícia Federal do Brasil, declarou que, na Nigéria, membros do PCC operam nas ruas de Lagos e Abuja. “Eles até controlam bairros lá da mesma forma que fazem em São Paulo”, revelou, citando informações de seus homólogos nigerianos.
Em uma reportagem do jornal britânico The Guardian, o PCC se tornou uma força ainda mais formidável, depois de forjar alianças lucrativas com parceiros que vão desde produtores de cocaína bolivianos até mafiosos italianos.
O grupo tem um portfólio crescente de interesses, incluindo minas de ouro ilegais na Amazônia. Ele controla uma das rotas de tráfico mais importantes da América do Sul para remessas de drogas para a Europa.
“O PCC, ao contrário de outras organizações criminosas na América Latina, é a única que está crescendo e se consolidando, passando sua hegemonia de São Paulo para quase todos os estados brasileiros, depois para o Paraguai e expandindo para Bolívia, Chile e Peru”, afirmou Sampó.
Por sua vez, Gakiya enfatizou que o PCC está iniciando uma etapa de transição para uma máfia global, penetrando na política e na economia legal. Sobre essa situação, o sistema judiciário brasileiro descobriu negócios na coleta de lixo, no transporte público e em projetos de construção de hotéis.
A grande influência territorial e social da organização brasileira tem aumentado nos últimos tempos. “Eles exercem um tipo de controle que nenhum outro grupo jamais exerceu, exceto as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em seu auge”, alertou Steven Dudley, codiretor de InSight Crime.