Sumário
A Arábia Saudita e Irã têm alimentado os conflitos de seus vizinhos com o objetivo de alcançar a hegemonia regional, posicionando assim os governos a seu favor. Estados como o Iêmen, Líbano, Síria e Iraque foram afetados por essas dinâmicas da Guerra Fria, com a escalada do conflito com o apoio de países como os Estados Unidos e a Rússia. Este documento expõe de maneira simples os principais fatores desta guerra fria e como eles estão relacionados ao fortalecimento de grupos terroristas como o Hezbollah, Daesh, Al Qaeda e outros.
Palavras-chave: Guerra Fria, hegemonia, interesse nacional, estratégia, grupos terroristas, Oriente Médio.
Introdução
O conflito entre a Arábia Saudita e o Irã passou a ser chamado de “Guerra Fria no Oriente Médio” (Schmitt, 2017); pois enquanto essas grandes potências árabes e persas não se confrontaram diretamente, elas alimentaram grandes conflitos regionais no Iêmen, Líbano, Síria, Iraque e em diferentes partes da África.
Isto fortaleceu a instabilidade da região e se tornou o cenário ideal para o nascimento de vários grupos terroristas: Talibã, Al Qaeda, ISIS, Hezbollah e Houthis, que usam o terror e estratégias de guerra assimétricas para estabelecer o que cada um deles chama de modelo do Islã indicado.
Esta questão é importante porque, embora no imaginário coletivo pareça um conflito distante e complexo, como aponta Wright (2016), estes grupos terroristas têm objetivos regionais, mas também globais. Eles procuram não apenas se estabelecer na região como hegemônicos em um jogo de soma zero, mas também dominar o mundo dos infiéis sob a lei da Sharia.
Entretanto, a Rússia e os EUA têm trabalhado desajeitadamente nesta região criando para si mesmos novas ameaças, que não só são impressionantemente rápidas e adaptáveis, mas também altamente instáveis e difíceis de controlar por causa de sua cultura estratégica.
Contexto do conflito

A Arábia Saudita é o berço do mundo muçulmano, lar de Meca, um lugar para o qual todo muçulmano deve viajar pelo menos uma vez na vida. É também um estado sunita com alta produção de petróleo, cuja autopercepção é ser um protetor do Islã (BBC, 2019). Seus aliados na região são os Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Bahrein, Egito e apóia o governo oficial do Iêmen.
O Irã, entretanto, é maioria xiita e desde sua revolução em 1979, tem procurado dominar e influenciar com sua própria versão do Islã (BBC, 2017), representando um contrapeso importante para a Arábia Saudita. É também um dos mais importantes produtores de petróleo do mundo e compartilha grande parte do Golfo Pérsico com a Arábia Saudita.
Por outro lado, há a Síria, o Líbano e o Iêmen, que após a primavera árabe sofreram uma longa guerra civil, que tem sido o cenário perfeito para o crescimento das organizações terroristas ISIS, Hezbollah e Houthis, respectivamente. Iraque, que após a invasão dos EUA criou um vácuo geopolítico que foi explorado pela Al Qaeda e pelo ISIS. E países mais estáveis, como o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos e Omã, cujas alianças são indispensáveis para a exploração estratégica do Golfo.
Os Houthis não são o único grupo terrorista de natureza xiita na região; eles também são acompanhados pelo Hezbollah. Eles também representam uma ameaça significativa para Israel e suas fronteiras e, como os grupos sunitas, são (não oficialmente) apoiados econômica e militarmente pelos estados da região.
Finalmente, para o contexto, é importante relacionar a Rússia como um grande aliado do Irã e do governo sírio; e os EUA como um parceiro da Arábia Saudita e de Israel. Isto reflete de forma única a guerra fria do Oriente Médio que serve como laboratório, cujos produtos químicos podem ser transformados em substâncias muito perigosas para todos aqueles direta ou indiretamente envolvidos nos conflitos da região.
Atores hegemônicos
Devido à importância geográfica do Oriente Médio, a região sempre sofreu com as constantes intervenções das potências hegemônicas da época. Entretanto, foi após a Primeira Guerra Mundial, com a desintegração do Império Otomano, que a Síria ficou sob “domínio” ou influência francesa, e o Iraque sob influência britânica.
OS EUA, POR OUTRO LADO, ENTRARAM NOS ESTADOS UNIDOS. Os EUA, por sua vez, tornaram-se um ator predominante após a Segunda Guerra Mundial e, no final do século 20, apoiaram o Iraque em sua luta contra o Irã. No entanto, estas ações se mostraram desastrosas com o passar do tempo, pois como aponta Navalón, “foram os Estados Unidos, muito mais que a URSS, que armaram Hussein até os dentes em sua implacável guerra com o Irã, criando um exército eficaz e poderoso” (2009, p. 100).
Por outro lado, olhando para o mapa, a necessidade da Rússia de algum tipo de influência no Oriente Médio é evidente. Sem ela, ela estaria trancada no Mar Negro, no lado oeste. É lógico que a Rússia precisaria desta área para, como argumentou Mahan:
Quando o mar não só faz fronteira ou circunda um país, mas o divide em duas ou mais partes, então o domínio do mar não só é importante, mas é vital. Um país nesta configuração precisa de um forte poder naval para não ser reduzido à impotência (Mahan, 2013, p. 317).
É com tudo isso em mente que tanto a Rússia quanto os EUA têm lutado para ter influência significativa na região e assim assegurar as rotas do Canal de Suez e do Golfo Pérsico, bem como os recursos energéticos que abundam na área.
O NÓS ESTÁ ATUALMENTE NA LIDERANÇA. Os EUA são atualmente um aliado estratégico da Arábia Saudita e de Israel e, portanto, tem como objetivo frear a expansão de poder do Irã. Este último está aliado ao governo de Bashar Al Assad na Síria, e à Rússia, que, como assinala Laboire, “utilizando uma política de fato consumado (…) conseguiu mudar o equilíbrio de poder no Oriente Médio e no Mar Negro, mesmo em um momento em que enfrenta possíveis cortes no orçamento da defesa” (Laboire, 2016).
O interessante, entretanto, é que a Rússia, e especialmente os Estados Unidos, parece estar fazendo bumerangue para frente e para trás para o Oriente Médio, buscando aplacar as ameaças percebidas, que só consegue se fortalecer e multiplicar, só para ser devolvida com mais capacidades do que nunca. As imagens das invasões britânicas e russas no Afeganistão (seja como Rússia ou URSS); mais as dos EUA, torturando civis e cometendo atrocidades no Iraque (Blumi, 2019) têm provocado ódio, repúdio e radicalização de grupos muçulmanos. Simultaneamente, o vácuo no Iraque deixado pela invasão dos EUA após a execução de Saddam Hussein, fortaleceu o ISIS e até mesmo eles receberam treinamento dos EUA (Blumi, 2019). Blumi também aponta que foram as terríveis técnicas utilizadas pelos EUA e a tortura sistemática que ISIS então replicaria sem remorso.
Este ódio se expressa nos constantes ataques terroristas na Europa e nos poucos que ocorreram nos EUA. As ameaças também estão aumentando, como foi o caso da Copa do Mundo na Rússia, fazendo parecer que não há como pôr fim ao grupo devido ao seu alto nível de descentralização e sua forma “abnegada” de agir, no sentido de que para seus militantes nem mesmo suas próprias vidas são importantes, desde que estabeleçam a Sharia ou a lei muçulmana em todo o mundo.
A história parece estar se repetindo hoje, pois não é segredo que a Arábia Saudita tem sido repetidamente acusada de apoiar o ISIS, e o Irã de apoiar o Hezbollah e os Houthis. Todos são grupos terroristas com grande potencial para desestabilizar a ordem do Oriente Médio, como demonstram o Iraque, o Iêmen e o Líbano. Além disso, estes são grupos difíceis de negociar, pois seus membros estão dispostos a se sacrificar pela causa que acreditam ter sido confiada a eles por Alá.
Isto parece ser uma ignorância ou uma classificação inadequada das ameaças, pelo menos por parte dos EUA. É evidente que, como diz Pedro Baños”, (…) à Rússia devem ser permitidas áreas de influência e que as chaves para o poder no mundo estão baseadas no entendimento de outras culturas e na experiência histórica que permite uma melhor compreensão das implicações de cada ação (Baños, 2017).
A luta hegemônica do Irã e da Arábia, assim como a dos EUA e da Rússia, alimentou uma corrida armamentista entre todos os atores regionais, desde governos oficiais até insurgências e grupos terroristas. Desta forma, a dinâmica da Guerra Fria continua, com os EUA cumprindo as regras do sistema internacional quando lhe convém, e a Rússia ignorando veementemente as ações de seus aliados como tem sido seu costume (Ulianova, 2002).
Por outro lado, é essencial entender que, como aponta Montero, o cenário atual é diferente dos anteriores:
O cenário atual é diferente dos anteriores, pois não é uma disputa imperial (período britânico), uma disputa estratégica-ideológica (Guerra Fria) ou um posicionamento unipolar (pós Guerra Fria), mas, ao contrário, é uma disputa puramente estratégica entre duas potências (Rússia e Estados Unidos), que, sem laços ideológicos, competem decisivamente pelo controle dos recursos de maior valor estratégico (Montero, 2006).
Neste sentido, embora seja claro que existe um componente religioso (xiita versus sunita) na luta da Arábia Saudita contra o Irã, há interesses básicos que os EUA e a Rússia têm na região, e uma mudança de estratégia por parte dos EUA é necessária para aplacar efetivamente os vários grupos terroristas que têm como alvo o mundo ocidental.
Deve-se notar que enquanto a Rússia e os EUA são rivais há muito tempo, desde a crise dos mísseis, foi demonstrado que nenhum deles é suficientemente tolo para travar uma guerra nuclear. No entanto, eles continuam a lutar por áreas que consideram estratégicas e, ao fazê-lo, apenas criam monstros que virão depois deles. Um exemplo disso é a consideração americana de trabalhar com o Irã relatada por Fernandez (2014) e as declarações de Patrick Ellis, Coronel e chefe do 2º Regimento de Cavalaria, dizendo “Quando acordamos todas as manhãs (…) estamos focados na ameaça russa”.
Ao apoiar a Arábia Saudita e o Irã, outros grupos religiosos fundamentalistas, fervorosos, extremistas e flagrantemente ignorantes dos direitos humanos, estão sendo alimentados indiretamente. Com o tempo, isto pode avançar do ISIS para outra coisa, assim como a Al Qaeda avançou para o ISIS, enquanto tentava “combater o terrorismo globalmente”.
Jogadores regionais
A Arábia Saudita e Irã são os protagonistas do Oriente Médio e representam dois povos muito importantes: árabes e a cultura milenar dos persas. Estando localizados no Golfo Pérsico, e sendo ambos exportadores de petróleo, é natural que haja competição entre eles pela hegemonia na região. Ambos foram monarquias até a revolução iraniana de 1979, que levou o Xá e sua família ao exílio e estabeleceu a República do Irã.
Além de suas diferenças culturais e étnicas, ambas são o lar de religiões diferentes, com a Arábia tendo uma maioria sunita e o Irã uma maioria xiita, como mostrado nos mapas abaixo:


A religião é um fator muito importante na análise do pensamento da área e da forma como eles conduzirão suas estratégias. Principalmente porque, como mencionado acima, pelo menos do aspecto religioso, o jogo é um jogo de soma zero. Isto significa que, em nível regional e até mesmo global, os grupos que buscam o poder religioso quererão subjugar aqueles que têm uma religião diferente ou mesmo uma corrente diferente da mesma religião. Isto torna os exercícios de cooperação emoldurados religiosamente virtualmente impossíveis.
Isto é importante não necessariamente para a Arábia Saudita e o Irã, mas para os estados que os cercam. Os grandes estados do Oriente Médio têm perspectivas muito diferentes sobre o Islã e disputam a liderança do “verdadeiro Islã”, mas são estados cujos objetivos não são puramente religiosos, mas, como qualquer estado, buscam sua sobrevivência e expansão. Como aponta a Bassets:
A Arábia Saudita e Irã estão disputando tudo, desde o preço do petróleo até a liderança do mundo islâmico até a guerra na Síria. É uma luta pela hegemonia regional como nenhuma outra no mapa do mundo de hoje, mas ela traça suas lendárias raízes nas guerras dinásticas pela sucessão de Maomé, das quais surgiram os ramos divididos do Islã (…) Entretanto… sua origem mais imediata é o vácuo geopolítico do mundo islâmico. sua origem mais imediata é o vácuo geopolítico gerado pela estratégia errada dos Estados Unidos na região, com a destruição do Iraque e sobretudo de suas forças armadas após a guerra de 2003, por um lado, e a ausência de uma estratégia adequada diante dos levantes árabes de 2011, por outro. (Bassets, 2016)
Neste sentido, o conflito não é gerado, mas alimentado e justificado por profundas diferenças religiosas. Ao contrário, o conflito é gerado porque ambos os Estados procuram preencher os vazios que foram criados na região pelos eventos acima mencionados: as revoltas árabes emolduradas na primavera árabe e a invasão mal orientada do Iraque pelos EUA. Como Castro aponta, “o interesse nacional (…) não é portanto um conceito fixo, imóvel e determinado, mas pode variar de acordo com as mudanças nas variáveis sociais e identidades nacionais” (Castro, 2010, p.29).
Tendo esclarecido o nível de importância da religião para a Arábia Saudita e os persas, agora é necessário esclarecer por que a religião na região produz jogos de soma zero: grupos terroristas.
Jihad significa esforço e pode ser interpretado teologicamente como o esforço necessário para servir a Alá, negando-se a si mesmo e aos seus próprios desejos e propósitos, ou como aquele esforço que é feito para tornar Alá conhecido pelos infiéis. Entretanto, a corrente terrorista jihadista, de origem sunita, entende este esforço mesmo como a rendição da própria vida para subjugar os infiéis pela força, se necessário, à verdadeira religião, o islamismo sunita.

Os jihadistas incluem o Talibã, a Al Qaeda e o ISIS. Este último, que é mais recente, vem de uma facção da Al Qaeda, conhecida como ISIS ou Estado Islâmico no Iraque; e como já dissemos, eles usam a tortura sem remorso com um profundo ódio aos ocidentais e especialmente aos americanos.
O Talibã, de origem afegã, tomou o controle de Cabul em 1996 (Nestares, 2015, p.3) e até hoje ainda estão em guerra neste estado. A Al Qaeda, por sua vez, parece ser ofuscada pelo ISIS, mas como diz Wright: “Ela jogou o longo jogo, e pode ser um modelo mais duradouro do que o Estado islâmico” (Wright, 2016, p. 5). Estes foram os autores dos ataques nos EUA, nos quais as torres gêmeas caíram, parte do Pentágono foi destruída, e cujo objetivo (não alcançado graças aos passageiros do vôo) era atacar a Casa Branca.
Como aponta Moreno, a Al Qaeda foi uma verdadeira transformação no terrorismo. Mas (…) justamente quando nos acostumamos a lutar contra a Al Qaeda, surgiu um novo grupo – o Estado Islâmico – que atacou na Europa, usando europeus, mas com mais desorganização do que a Al Qaeda (Moreno, 2019, pp. 46 e 47).
Com os ataques contra os EUA, a Al Qaeda conseguiu aumentar a consciência global da luta contra o terrorismo e destacar em grande escala as conseqüências das constantes intervenções das potências ocidentais na região. Ao mesmo tempo, conseguiu estabelecer uma estratégia dupla, dirigida tanto contra o chamado inimigo próximo quanto contra o chamado inimigo distante (Nestares, 2015, p. 2).
ISIS “Islamic State of Iraq and the Levant” ou Daesh, por sua vez, também busca o estabelecimento de um califado, se abastece de contrabando de petróleo e pode ser ainda mais impiedoso do que a Al Qaeda. Confiamos nas palavras de Wright “(…) A mensagem de ISIS é de soma zero; ou você está com ISIS, ou você é um infiel. Ela foi preparada para agir implacavelmente contra aqueles que não compartilham sua visão de mundo de linha dura. Suas táticas são coercivas” (Wright, 2016). Em outras palavras, Daesh não considera os tons de cinza, mas está ideologicamente preparada para subjugar à força ou eliminar todos aqueles que não se alinham com ela.
Por outro lado, existem também grupos terroristas de origem xiita. De particular interesse para este trabalho são o Hezbollah, de origem libanesa, e os Houthis que, enquanto grupo insurgente, também utilizam ações terroristas e estão localizados no Iêmen. Esses grupos estão geralmente buscando o sucesso que os rebeldes tiveram na revolução iraniana de 1979. Por sua vez, eles são apoiados pelo Irã, e é por isso que os EUA, em sua Estratégia de Defesa, tem sido capaz de apoiá-los. O Irã continua a semear violência e continua sendo o desafio mais significativo para a estabilidade do Oriente Médio” em sua Estratégia de Defesa Nacional, culpando-os pela contínua turbulência da nação.
Finalmente, é importante salientar que tanto o Irã quanto a Arábia Saudita apóiam grupos terroristas e ações na região. As Nações Unidas “(…) haviam verificado a morte de pelo menos 7.700 civis até março de 2020, com a maioria causada pelos ataques aéreos da coalizão saudita” (BBC, 2020) no Iêmen; e as ligações do Irã com o governo totalitário e hostil aos direitos humanos chefiado pelo Al Assad não são segredo.
Interesses em jogo
Ativos energéticos
De acordo com as Nações Unidas, a Arábia Saudita ocupa a 20ª posição e o Irã a 29ª em termos de produto interno bruto (Mena, 2018). Isto faz com que os dois estados, globalmente grandes economias, mostrem sua capacidade de perseguir seus interesses na região, que desenvolveremos posteriormente.
Ambas as economias, como mostrado acima, são baseadas no petróleo, representando 80% das receitas da Arábia, 45% de seu PIB e 90% de suas receitas de exportação; no Irã, o petróleo representa 80% de suas exportações (Mena, 2018).
Por outro lado: as reservas provadas de petróleo classificam a Arábia Saudita em segundo lugar no mundo, e o Irã em quarto lugar com 268.300.000.000.000 e 157.800.000.000.000 barris, respectivamente (Atlas Mundial, 2017). Em termos de reservas de gás natural, o Irã ocupa o segundo lugar com 34.020.000.000.000.000.000.000 de metros cúbicos, e a Arábia Saudita o quinto com 8.489.489.000.000.000.000 (CIA World Fact Book, 2017). (Mena, 2018).
O acima exposto mostra que a grande capacidade econômica desses dois estados é diretamente proporcional à sua dependência do petróleo e do gás, o que torna sua sobrevivência intimamente ligada à extração e exportação de petróleo.
É por isso que os países são membros importantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), na qual eles estabelecem os preços necessários para alcançar seus objetivos como estados.
Por outro lado, os únicos interessados nestas mercadorias não são a Arábia Saudita ou o Irã, mas os países da Europa Ocidental, a China e até mesmo a Rússia e a China. Esta tem sido a razão por trás das constantes intervenções dos poderes do Sistema Internacional na região, e até mesmo da invasão do Iraque (que também possui grandes reservas de petróleo) pelos EUA.
Controle do Suez e do Golfo Pérsico
Como Mahan (2013) determinou, o uso de rotas marítimas sempre foi perseguido porque apesar da falta de conhecimento delas há milhares de anos, elas provaram ser mais curtas, mais baratas e até mais seguras quando se trata de transportar mercadorias de um lugar para outro.
Basta olhar para o mapa do Irã e da Arábia Saudita para perceber porque eles procuram expandir sua influência na Síria, Iêmen e Iraque, e porque a Arábia Saudita fortalece suas alianças com os Emirados Árabes Unidos, Egito e Kuwait. Como Mackinder (2010) lhe chamaria, a região dos cinco mares (Cáspio, Negro, Mediterrâneo, Vermelho e Persa) é de importância única como a região que conecta a Europa, Ásia e África. Isso seria declarado:
O istmo de Suez dividiu a potência marítima em oriental e ocidental, e os desertos áridos da Pérsia, estendendo-se da Ásia Central até o Golfo Pérsico constantemente ofereceram à potência nômade a oportunidade de alcançar a costa oceânica que separava Índia e China de um lado, e o mundo mediterrâneo do outro. (Mackinder, 2010).
Consequentemente, não é surpresa que países que buscam uma comercialização significativa no Sistema Internacional, como os EUA, ou aqueles sem os recursos necessários para sua própria população, como o Reino Unido, procurem garantir que essas rotas sejam navegáveis para seus navios com o menor custo possível.
Como afirma Mahan,
A força das grandes potências se deve a três fatores: a existência de canais de comunicação naval ligando a metrópole com suas posses no exterior, a partir dos quais ela se acumula e comercializa matérias-primas; a existência de uma poderosa frota de guerra que complementa ou apóia a frota mercante; e, finalmente, pontos fortes em terra que oferecem proteção, apoio logístico e apoio contra incêndios às rotas navais e embarcações mercantes e militares (Montero, Mora & IEGAP, 2016).
Assim, é natural que qualquer estado com capacidade para fazê-lo procure exercer seu poder nesta região de cinco mares.
Locais sagrados
Meca, o lugar mais sagrado do mundo muçulmano, está localizado na Arábia Saudita. De fato, antes de 1986, seu rei recebeu o título de Protetor em resposta à ameaça iraniana (Mena, 2018). Neste sentido, tem sido importante para árabes e persas não apenas proteger, mas também ter acesso aos locais sagrados localizados na Arábia Saudita.
Garantir tal acesso está estreitamente relacionado à proteção da maioria da população dos estados aos quais nos referimos, que é muçulmana. Como diria Haushofer, “O dever de uma política, que visa manter seu poder no mundo, é preservar sua liberdade da arbitrariedade estrangeira dentro de sua “esfera cultural” (Kulturkreis) – ou pelo menos de seu “país cultural” (Kulturkland)” (Haushofer, 2012).
Também é importante considerar que os grupos terroristas que discutimos pretendem estabelecer um Califado que não tem a mesma percepção de respeito pelas fronteiras de outros estados. Estes grupos desejam aumentar o tamanho de seu “estado ideal”, como eles o chamam, usando o terror sem qualquer consideração moral, a não ser para expandir o reino de Alá.
A este respeito, as palavras de Ratzel podem ser aplicadas quando ele diz que “O tamanho do estado aumenta com seu nível de cultura”. A expansão dos horizontes geográficos, produto do esforço físico e intelectual de inúmeras gerações, oferece continuamente novas áreas para a expansão espacial das populações” (Ratzel, 2011, p.138); em outras palavras, ao impor a religião, grupos como o Hezbollah ou o Daesh terão necessariamente uma expansão do controle territorial que pode até modificar as fronteiras como as conhecemos hoje.
Ratzel também argumenta que,
Para dominar estas áreas politicamente, para fundi-las e mantê-las unidas, são necessárias novas forças que só podem ser geradas gradualmente pela e através da cultura. A cultura aumenta as bases e os meios para a coesão dos membros de uma população e estende continuamente o círculo daqueles que estão unidos através do reconhecimento de sua homogeneidade (Ratzel, 2011, p.138).
Do exposto acima, não há dúvida de que a compreensão cultural é essencial como uma chave para o poder no mundo, como defende Pedro Baños (2017).
Mantendo a influência
É claro a este ponto que quando nos referimos a uma Guerra Fria no Oriente Médio, não estamos falando apenas da luta entre a Arábia Saudita e o Irã, mas de uma renovação da Guerra Fria entre os EUA e a Rússia. A Rússia tem se renovado sob Putin, e não está mais em realismo defensivo, mas passou para a ofensiva.
A criminalidade é prova disso, mas nesta região a Rússia conseguiu consolidar o poder do Irã e manter o regime Al Assad, após pouco menos de 10 anos de conflito sírio.
Da mesma forma, o ISISI e outros grupos estão trabalhando em todo o Oriente Médio, Norte da África, Corno da África e Ásia Central com a clara intenção de estabelecer sua versão do Islã como eles acharem conveniente. Os EUA, Europa e Rússia, por sua vez, não hesitam em derrubar e derrubar qualquer governo da área para instalar regimes que se alinhem facilmente com seus próprios interesses.
Como Dallanegra afirma com razão: O mesmo pode ser dito, no século XX, da presença dos Estados Unidos no Oriente Médio e suas intervenções e/ou pressões sobre países como Afeganistão, Iraque, Irã, etc., ou do interesse em controlar governos na América Latina sob o slogan de defesa da democracia. Neste caso, o intervencionismo foi legitimado pelos Estados Unidos através de uma moral, que na Guerra Fria foi a cruzada anticomunista de Harry Truman e George Kennan. Para Truman, a política de contenção do comunismo – delineada por Kennan – era a maneira de satisfazer a segurança e encontrar uma maneira de aumentar seu poder ou, pelo menos, manter um equilíbrio de poder. Para George W. Bush, foi a luta contra o terrorismo. Assim, a “moral” da política externa dos EUA tem sido “nós” e “eles”, os “bons” e os “maus”, os “livres” e os “opressores”, e os EUA como o único que pode salvar o mundo (Dallanegra, 2009, p. 20).
Estratégia das partes e da mídia envolvida
Sanchez (2013) propôs a seguinte fórmula estratégica que utilizaremos:
E = F + Me + Mo + R + EA + En
Estratégia = Finais + Meios + Modos + Riscos + Estratégia do Adversário + Meio Ambiente
Indicamos os fins acima, apontando os interesses de cada uma das partes. Agora, de forma resumida, mostraremos os meios e modos utilizados; e como os riscos, o meio ambiente e a estratégia do adversário devem ser levados em conta para alcançar a estabilidade na região.
Añorve ressalta que:
No CPS de 2013, pela primeira vez desde o desaparecimento da URSS, há menções geográficas para além do estrangeiro próximo; fala-se da preocupação russa com a instabilidade no Norte da África e no Oriente Médio, embora a posição da Rússia em relação à Líbia tenha sido muito mais passiva do que em relação à Síria, um país onde é uma das potências com envolvimento mais ativo (Añorve, 2019, p.57).
Isto mostra que a Rússia tem se renovado e que isto implica uma estratégia no Oriente Médio. Para isso, procura “(…) apoiar a permanência do regime de Bashar al-Assad como único poder “legítimo” na Síria e evitar que a desordem regional influencie a radicalização de suas respectivas populações muçulmanas, as do Norte do Cáucaso” (Milosevich, 2019, p. 6). Entretanto, a Rússia não é um Estado economicamente forte e isto limita sua capacidade de exercer influência.
Por sua vez, os EUA continuam sendo o país mais poderoso econômica e militarmente no momento, mas mesmo assim, suas estratégias não têm se mostrado muito eficazes na região; pelo contrário, elas têm sido repetidamente devolvidas a ele, como ficou demonstrado pelo 11 de setembro, uma conseqüência de seu apoio nas guerras iranianas-iraquianas, incluindo a Guerra do Golfo.
Neste sentido, apoiamos Anderson et. al. quando afirmam que “os EUA devem passar de uma abordagem principalmente cooperativa em direção à Rússia para uma que reconheça a natureza competitiva de Moscou” (Anderson, 2015); pois isto permitirá controlar melhor estes grupos que são altamente difíceis de controlar, e cujas ações, interesses e propósitos não beneficiam nem a Rússia nem os EUA.
De outro ângulo, vale a pena rever as capacidades sauditas e iranianas:
O Irã tem uma frota envelhecida de aviões MIG-29, Sukhoi Su-24, F-14 Tomcast; em contraste, a força aérea da Arábia Saudita é uma das mais poderosas do Oriente Médio, com um arsenal de caças F-15, Euro Typhoons e Tornados (Liebl, 2012, p. 8). No campo naval, o Irã tem superioridade numérica e a frota de pequenas embarcações CGRII desenvolveu notáveis habilidades de guerra assimétrica (Cordesman, 2004, p. 266). (Mena, 2018).
Estas capacidades são utilizadas com uma estratégia semelhante à dos EUA, de condenar tudo o que o adversário faz e justificar suas próprias ações em nome do que é bom, justo e correto. Assim, segundo a Arábia Saudita, tudo o que os iranianos fizerem será para desestabilizar a região, para apoiar os terroristas e contra a ordem do Sistema Internacional; assim será tudo o que os árabes fizerem da perspectiva dos herdeiros do reino persa.
Finalmente, vale lembrar as estratégias utilizadas pelos grupos terroristas, que além do uso óbvio do terror, têm a ver com a propaganda que utilizam nos diferentes territórios que alcançam.
O Hezbollah está atualmente no Líbano e Israel sente sua ameaça. Neste sentido, os EUA e Israel cooperaram com o governo iraquiano para responder a este grupo terrorista e o Irã, por sua vez, foi acusado de patrocinar tanto este grupo quanto os Houthis que estão liderando a revolução no Iêmen, mas que também perpetraram ações terroristas, como já demonstramos anteriormente.
Por outro lado, o Estado Islâmico, ISIS, ISIL ou Daesh, continua a se expandir no Norte da África, no Oriente Médio e na Ásia Central. Sua presença foi mesmo encontrada em algumas partes da Europa, e dentro da área geográfica que dizem ser a Andaluzia (Nestares, 2015, p.2). Da mesma forma, a Al Qaeda e o Talibã apoiam a Daesh em certas tarefas e, desta forma, expandem os danos que eles podem alcançar.
A Al Qaeda, segundo Wright (2016), tem mais esperança de sobrevivência do que o ISIS, pois este último, em meio à sua rápida ação, não tem necessariamente um cronograma estratégico de longo prazo.
É necessário também ressaltar que apesar do esforço dos Estados Unidos, sua ação está se deteriorando e começa a ter um déficit muito baixo e grave como: “(…) não ter aliados confiáveis na região, com a exclusão dos curdos que não são suficientemente poderosos para poderem se projetar sobre a Síria” (Burweila, 2014, p. 3). Eles até enviaram ajuda econômica à oposição de Bashar Al Assad na crença de que eles ganhariam.
Conclusões e análise prospectiva
Grupos terroristas têm demonstrado uma grande capacidade de adaptação e aprendizagem de diferentes técnicas para empreender a guerra. É por isso que hoje eles têm a capacidade de abalar estados, fazendo guerra de forma híbrida, ou seja, com capacidades de guerra simétricas e assimétricas.
Portanto, é certo que estes grupos continuarão a sofrer mutações e talvez dentro de dez anos haverá novos ISIS, novos Hezbollahs ou novos Al Qaedas com uma capacidade que ainda está por ser vista. Eles parecem ter um dom para aprender com seus inimigos, e isto é algo que as potências regionais e globais devem levar em conta.
A partir desta perspectiva, a cooperação entre a Rússia e os EUA é mais necessária do que nunca. Ambos demonstraram seu desejo de hegemonia e sua capacidade de alcançar importantes esferas de influência. No entanto, subestimar o que as ameaças atuais podem se tornar pode trazer surpresas menores do que as do 11 de setembro de 2001.
Por sua vez, a Arábia Saudita e o Irã continuarão a se esforçar para consolidar seu poder na medida do possível. Sua história estratégica mostra que isto está longe de mudar e que a cooperação não é uma opção que eles realmente consideram. Está, portanto, nas mãos daqueles que serão mais afetados pelo terrorismo (não apenas no sentido do número de mortos, mas na desmoralização do Estado) encontrar estratégias que sejam eficientes e eficazes.
Referências
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