O Equador ratificou seu Tratado de Livre Comércio (TLC) com a China, em 15 de fevereiro, tornando-se o quarto país latino-americano a estabelecer um acordo comercial com o país asiático. O acordo, no entanto, levanta preocupações sobre possíveis repercussões ambientais e sociais, já que os críticos temem que o TLC facilite a entrada de resíduos tóxicos sob o rótulo de “matéria-prima”.
“A aprovação do TLC com a China terá efeitos muito sérios sobre os territórios, os povos e o meio ambiente de nosso país. O TLC contém artigos que, sob o pretexto de uma suposta recuperação de “matérias-primas”, permitem a entrada de diferentes tipos de resíduos […], contendo toxinas muito perigosas”, explicaram grupos da sociedade civil em um comunicado publicado em janeiro pela ONG equatoriana Aliança Lixo Zero. “Ao mesmo tempo, propõe uma ‘cooperação ambiental’ que inclua energia nuclear e a fabricação de plásticos de uso único, que apresentam riscos muito altos e até mesmo contaminação radioativa.”
Sucata metálica disfarçada
O TLC estipula que a China pode enviar produtos como resíduos e restos de baterias e acumuladores elétricos, sucata metálica, vidro, líquidos tóxicos, papel e papelão, entre outros. O Equador, por outro lado, não poderá enviar nenhum resíduo, pois a China o proibiu.
“Infelizmente, há várias décadas, mas com muito mais intensidade agora, temos visto muitas práticas de ‘green washing’, ou branqueamento, [uma tática enganosa para aparentar consciência ecológica], com práticas prejudiciais sob discursos ecológicos e humanistas”, disse à Diálogo, em 4 de março, María Fernanda Solíz, coordenadora geral da Aliança Lixo Zero Equador e diretora acadêmica de Saúde da Universidade Andina Simón Bolívar. “Uma delas é usar a economia circular como pretexto para o comércio transfronteiriço de resíduos, no qual alguns países enviam [a outros] países seus resíduos, rotulados como matéria-prima, que pode ser usada para reciclagem.”
Lixo
“Os países [sul-americanos] já têm uma grave crise sanitária e de gestão de seus resíduos urbanos, tóxicos e perigosos, que não podem enfrentar; isso gera sérios passivos ambientais, graves efeitos à natureza, aos ecossistemas e às comunidades localizadas nas áreas de influência direta. Isso representa altíssimos custos de gerenciamento para o Estado e gravíssimos passivos ambientais”, acrescentou Solíz. “Pior ainda, não faz sentido que o Equador esteja importando outros resíduos para serem supostamente usados como matéria-prima, se está enterrando 96 por cento de seus próprios resíduos.”
“O Equador mantém seu poder soberano de proibir e controlar a entrada de produtos que coloquem em risco a população ou contaminem nosso meio ambiente”, Miguel González e Alejandro Martínez, presidente e vice-presidente do Comitê Empresarial Equatoriano, assinaram em uma carta aberta ao Congresso do Equador, publicada em 5 de fevereiro. “Um acordo comercial não restringe o direito de impedir a entrada de produtos contaminantes.”
Se o Equador já recebe uma grande quantidade de resíduos plásticos e não tem capacidade de gerenciá-los, a situação se agravaria ao permitir a entrada de resíduos plásticos da China, acrescentou Laura Suárez, diretora nacional da organização equatoriana PlastiCo Project, no portal equatoriano de notícias Wambra.
Consequências negativas
Além da entrada de resíduos tóxicos, outras preocupações incluem a ameaça aos direitos ambientais dos povos indígenas da Amazônia equatoriana, o desmatamento e o temor de que o TLC ameace a soberania alimentar do país, ao permitir a importação com isenção de impostos de sementes geneticamente modificadas e incentivar a “super exportação” de alimentos para a China, o que poderia ter consequências negativas para o meio ambiente e a saúde do solo.
Há também a questão das operações das empresas chinesas. “As operações de suas empresas no exterior não estão sujeitas à supervisão ou ao escrutínio público. Portanto, como os investidores chineses não recebem punição social, econômica ou legal por seu comportamento abusivo, eles não têm o incentivo para introduzir diretrizes responsáveis, que minimizem o impacto de seus projetos”, indicou a plataforma política latino-americana Diálogo Político em seu relatório Chaves para entender a China. “Em comparação, embora as corporações ocidentais tenham seu próprio histórico de delitos, em geral elas agora são muito mais vigiadas e não poderiam negligenciar as boas práticas sem pagar um preço por isso.”