Historicamente, as relações da América Latina com o Irã eram quase inexistentes. Mas, nos últimos anos, essa região se tornou uma prioridade para o Irã, que busca expandir sua influência e esfera de ação. Isso foi confirmado pelo presidente iraniano Ebrahim Raisi no final de 2021, após uma reunião em Teerã com o então ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Félix Plasencia.
Dois anos mais tarde, em junho de 2023, Raisi viajou para a América Latina pela primeira vez, desde que assumiu o cargo, para fortalecer os laços com os países da região. No entanto, sua visita se limitou a três paradas – Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Mas os esforços do Irã para penetrar na região vão além do espelho das relações diplomáticas. De acordo com o estudo Propaganda, Narrativas e Influência na América Latina: Irã, Hezbollah e Al-Tajammu, realizado pelo Instituto Internacional para a Luta contra o Terrorismo (ICT), da Universidade Reichman, de Israel, o Irã estaria recebendo apoio de organizações terroristas e grupos pró-iranianos, para expandir sua influência ideológica na América Latina.
O estudo observa que o grupo terrorista Hezbollah realizou operações de arrecadação de fundos, propaganda e contrabando. Além disso, segundo o relatório, outras organizações pró-iranianas, como Al-Tajammu, estariam desempenhando um papel notável na expansão da influência iraniana na região, por meio da internet, sites e outras plataformas de mídia social.
O alcance do Irã se destaca como “uma guerra psicológica em larga escala, usando redes sociais, satélites e mídia em espanhol, que promovem os interesses [iranianos] para atacar o Ocidente e a América Latina”, disse à Diálogo, em setembro de 2022, Jorge Serrano, membro da equipe consultiva da Comissão de Inteligência do Congresso peruano. “O VEVAK [Ministério Nacional da Inteligência e Segurança do Irã] está por trás disso”, acrescentou.
Dentre os grupos terroristas que estariam apoiando o Irã na região, também se destaca a Unidade 840 da Força Quds, um dos cinco ramos do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) do Irã.
Influência do Hezbollah na mídia
O Hezbollah conta com um conglomerado de mídia e um aparato de propaganda muito poderosos e internacionalmente influentes, de acordo com o estudo O aparato mediático do Hezbollah, do Observatório Internacional de Estudos sobre o Terrorismo (OIET), baseado na Espanha.
Sua principal arma de propaganda é seu canal de televisão Al-Manar, a partir do qual transmite as atividades do grupo terrorista, bem como a promoção ideológica do grupo, na qual fomenta os valores da revolução islâmica iraniana, destacou o estudo.
Todos os meios de comunicação do grupo terrorista têm como alvo o público libanês e internacional, transmitindo em diferentes idiomas, inclusive em espanhol. De acordo com o relatório, esse é um elemento fundamental para expandir e fortalecer sua batalha psicológica e a manipulação de informações na região.
O Hezbollah também tem um importante trampolim de propaganda por meio de outros canais de mídia, como por exemplo HispanTV, que, de acordo com o relatório, seria o meio de comunicação iraniano através do qual o Hezbollah tem a maior influência na região. O estudo do ICT também destaca Al Mayadeen, um meio de comunicação pró-Hezbollah, que opera na América Latina e cujo diretor, Wafica Ibrahim, colabora com TeleSur, o canal de televisão ligado ao regime venezuelano, e com Cubavisión Internacional y Canal Caribe, do regime cubano, informa o estudo do OIET.
Modus operandi da mídia do Hezbollah
Para entender melhor a influência do Irã através das redes sociais e outras plataformas de mídia, o ICT apresentou dois casos do estudo, que ilustram a narrativa que usam para exercer influência.
O primeiro caso destacado pelo estudo está na plataforma do YouTube, por meio do canal Tertulias en Cuarentena. Esse é um canal criado por dois espanhóis membros da Frente Anti-imperialista Internacionalista (FAI). A estratégia por trás do conteúdo transmitido por esse canal é penetrar nas telas latino-americanas, por meio de entrevistas realizadas por outros meios de comunicação com influência iraniana, como Hispan TV, TeleSur, RT e Al Mayadeen, e da criação de conteúdo político que apoie as correntes ideológicas de países como Venezuela e Cuba.
O outro caso analisado pelo ICT é o portal digital Resumen Latinoamérica. Esse site foi criado na Argentina e, como afirma a própria mídia, busca ser “a outra face das notícias das Américas e do Terceiro Mundo”. O plano por trás do conteúdo é desinformar e criar terrorismo na mídia. Sua narrativa ataca aqueles que consideram o Hezbollah uma organização terrorista e, assim como Tertulias en Cuarentena, usa como fonte a mídia iraniana, como Al Mayadeen, Hispan TV e Al Manar, até mesmo replicando informações transmitidas pelo próprio canal Tertulias en Cuarentena.
“Eles incentivam essas correntes de esquerda, sabendo que a América Latina está sendo duramente atingida pela crise econômica e social”, disse Serrano. “Eles se aproveitam desse cenário e exacerbam os ressentimentos da população marginalizada ou deslocada contra o sistema.”
O Irã, o Hezbollah e os grupos pró-iranianos “continuarão a criar mais canais no YouTube e nas redes sociais, para expandir essa guerra psicológica na América Latina e na Espanha”, afirmou. “Nos próximos meses ou anos, eles poderão realizar ataques terroristas em países onde percebem que há um cenário de maior vulnerabilidade para cometê-los”, acrescentou Serrano.
Unidade 840 da Força Quds
A Unidade 840 é uma divisão secreta do IRGC administrada pela Força Quds, o braço executor de todos os atos de terrorismo internacional projetados e financiados pela República Islâmica do Irã.
A unidade é responsável por planejar e estabelecer a infraestrutura terrorista fora do Irã, e o faz por meio de criminosos locais, que utiliza para executar atos terroristas em todo o mundo e assassinar adversários no exterior. Da mesma forma, o regime fortalece seus ataques contra funcionários não identificados nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio.
Desde 2020, o regime passou da categorização e do rastreamento de alvos para possíveis ataques, em caso de escalada das pressões entre o Ocidente e o Irã, para executar planos, incluindo a tentativa de assassinato de empresários israelenses na Colômbia.
Modus Operandi da Unidade 840
As conexões logísticas do Irã incluem a movimentação de materiais e pessoas por meio da exploração de variáveis e vulnerabilidades conhecidas, provavelmente semelhantes aos padrões de fluxo migratório usados na América Latina.
Um exemplo de como opera essa divisão foi o caso do plano fracassado para assassinar dois empresários israelenses na Colômbia, em meados de 2021, informou o portal argentino Infobae. De acordo com Infobae, a operação foi planejada com mão de obra local e foi coordenada por Rahmat Asadi, um terrorista iraniano que fazia inteligência global, fazendo-se passar por um jogador de paintball. O plano foi atribuído a dois assassinos colombianos que, sob as instruções diretas de Asadi, fizeram o trabalho de inteligência e contrataram membros de gangues locais para executar as vítimas. No entanto, o plano fracassou, graças aos esforços coordenados pelo governo da Colômbia e agências de inteligência do Ocidente e do Oriente Médio, informou Infobae.
Vigilância
Chegou a hora de estarmos atentos para esclarecer a ameaça e garantir a segurança dos cidadãos intrínsecos da América Latina e daqueles em status de visita temporária. O Irã, o Hezbollah e os grupos pró-iranianos continuarão a desenvolver sua narrativa de influência por meio das mídias sociais, dizem os espertos. O Irã continuará a explorar vulnerabilidades nos padrões de fluxo, para transportar atores criminosos e materiais que buscam passar pela América Latina, em direção à fronteira sul dos EUA.
O Irã e grupos como a Unidade 840 da Força Quds continuarão a aproveitar-se da lavagem de dinheiro na área da tríplice fronteira, para fins terroristas projetados e financiados pela República Islâmica do Irã. A preocupação com a suscetibilidade e o uso de rotas migratórias transitórias por agentes nefastos que transportam pessoal e materiais pela região para fins terroristas é motivo de preocupação, e um foco maior nas rotas deve ocupar o centro das atenções.