Aumentam os alarmes sobre um possível aumento das atividades iranianas na América Latina, após o ataque a Israel, em 7 de outubro, efetuado pelo grupo terrorista Hamas. Os especialistas acreditam que a disseminação do sentimento contra Israel fortalecerá o Irã e poderia estimular as atividades do Hezbollah e de outros grupos radicais na região.
“A potência do Irã como rival dos Estados Unidos no drama que se desenrola pode incentivar a ampliação das iniciativas iranianas para ameaçar os Estados Unidos em seu próprio ambiente externo, com base no novo compromisso atual do regime de Ebrahim Raisi com a região, centrado em regimes contrários aos EUA, como Cuba, Venezuela e Nicarágua”, disse recentemente Evan Ellis, especialista em defesa e estudos latino-americanos, ao site de notícias argentino Infobae.
Essas preocupações também foram expressas pela General de Exército Laura J. Richardson, do Exército dos EUA, comandante do Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM). “Estamos observando muito, muito de perto. Em termos de trabalhar com nossas nações parceiras, obviamente, elas também estão preocupadas”, respondeu a uma pergunta sobre possíveis ataques iranianos no Hemisfério Ocidental, durante um evento sobre os desafios da China na América Latina, em 11 de outubro, informou o site de notícias Daily Caller.
Além disso, a Gen Ex Richardson aplaudiu a condenação desses ataques pelos países da região, dizendo que “em termos de indicadores e coisas do gênero, neste momento, como resultados imediatos dos ataques que ocorreram, acho que vimos as condenações que vieram da região com relação aos ataques. Continuaremos muito bem preparados e estaremos observando o ambiente muito, muito de perto.”
Embora a América Latina tenha se unido para condenar a violência, nem todos os países condenaram veementemente o ataque terrorista contra Israel. “Nos próximos meses, à medida que Israel tenta criar condições para a segurança do seu povo, em face dos assassinatos em massa, suas ações podem gerar preocupações. Nesse contexto, é provável que alguns líderes latino-americanos adotem a retórica cínica da neutralidade moral […]. Isso não é aceitável”, condenou Ellis.
Ataques anteriores
Nos últimos anos, o Irã tentou penetrar na América Latina e buscou expandir sua influência por meio de desinformação, retórica anti-imperialista e anticapitalista, atividades ilícitas e até mesmo terroristas. A Unidade 840 das Forças Quds, um poderoso braço paramilitar de elite do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) do Irã, seria supostamente responsável por todos os atos de terrorismo e assassinatos planejados e financiados pela República Islâmica do Irã em todo o mundo, informou Infobae.
Entre suas tentativas terroristas mais recentes na região, destaca-se um plano fracassado, no final de 2021, para assassinar dois empresários israelenses que viviam em Bogotá, na Colômbia. De acordo com Infobae, a operação foi montada com mão de obra local e coordenada por Rahmat Asadi, um terrorista iraniano que usava inteligência global, atuando como jogador de paintball. Graças aos esforços coordenados entre o governo da Colômbia e as agências de inteligência ocidentais, os empresários e suas famílias conseguiram fugir. No entanto, esse episódio ilustra o alcance global e a crescente atividade do terrorismo de Teerã na América Latina.
Outro sinal de alerta foi produzido meses depois, quando, em junho de 2022, um avião de carga Boeing 747, registrado em nome da companhia aérea venezuelana Emtrasur Cargo, que anteriormente pertencia à companhia aérea iraniana Mahan Air, ligada à Força Quds, foi detido no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, informaram vários meios de comunicação. De acordo com um relatório da Agência Federal de Investigação (FBI), o piloto da aeronave, Gholamreza Ghasemi, também tem ligações com a Força Quds e o Hezbollah. “Às vésperas do 28º aniversário do atentado contra o centro comunitário judaico AMIA [18 de julho de 1994], que deixou 85 mortos, os voos suspeitos desse avião de carga na América Latina poderiam muito bem ser uma tentativa de planejar outro ataque terrorista”, disse à Diálogo, no final de julho de 2022, Sharon Nazarian, vice-presidente de Assuntos Internacionais da Liga Antidifamação (ADL), uma ONG judaica com sede nos EUA.
Para Nazarian, um imigrante iraniano cuja família foi forçada a fugir durante a Revolução Islâmica, Teerã tem atuado na América Latina por mais de três décadas e tem escapado da justiça. “A visita de Mohsen Rezai [que era o comandante do IRGC no momento do atentado à AMIA] à Nicarágua, no início daquele ano [2022], mostra que os autores intelectuais que estão sob os avisos vermelhos da Interpol ainda podem viajar livremente na América Latina e podem até ser recebidos com as mais altas honras”, disse Nazarian.
Exploração das rotas de trânsito da América Latina
A área de fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai é considerada um centro de atividades criminosas e abriga uma densa rede de financiamento para a organização terrorista Hezbollah, de acordo com um estudo da Universidade de Navarra (UNAV), da Espanha. Isso também foi confirmado por Nazarian, que disse que essa é a área mais perigosa em termos de narcotráfico e terrorismo na região, em que “o Hezbollah e outros agentes iranianos têm explorado [essa área], usando fundos do narcotráfico, para apoiar o terrorismo e vice-versa”.
Segundo especialistas, essa é a porta de entrada para as operações do Hezbollah na América Latina e, por extensão, para as operações do Irã. “O Hezbollah estabeleceu na Tríplice Fronteira um de seus quartéis-generais fora do Oriente Médio, dada a porosidade dessas fronteiras e a proximidade da Venezuela, onde a organização conseguiu um espaço proeminente de influência e gestão de suas operações fora do Líbano, com a cumplicidade do regime de Nicolás Maduro”, publicou o jornal espanhol ABC. O jornal afirma que o Hezbollah “criou uma rede operacional e de atividades terroristas, densa e sofisticada, na América Latina, que se estende ao Uruguai, Colômbia e Venezuela”.
Dado o perigo e a ameaça à segurança e estabilidade da região representados por essa área fronteiriça, os países da tríplice fronteira tomaram medidas que permitiram pressionar os grupos narcoterroristas e até conseguiram realizar importantes capturas, incluindo membros do Hezbollah. De acordo com o estudo da UNAV, a prisão em 2018 no Brasil de Assad Ahmad Barakat, um importante operador financeiro do grupo e considerado um dos principais agentes do Hezbollah na região, foi possível graças à colaboração da Argentina, do Paraguai e do Brasil. De acordo com especialistas em segurança e defesa, como Joseph Humire, essa captura é considerada “um marco significativo no esforço regional contra o terrorismo e os crimes transnacionais praticados pelo Hezbollah na América Latina”.