“Portanto, lutar e conquistar em todas as suas batalhas não é a excelência suprema; a excelência suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar.”
– Sun Tzu
“A Arte da Guerra”, escrita por Sun Tzu aproximadamente no século V a.C., pede que os comandantes militares evitem o confronto direto, lembrando ao leitor que a campanha mais eficaz é aquela vencida por métodos indiretos para quebrar a vontade do inimigo de lutar antes do início da batalha. De muitas maneiras, esse princípio continua sendo o principal objetivo das ações secretas, da propaganda e das operações de informação.
Em fevereiro de 2021, o Twitter publicou um relatório documentando 373 contas que se acredita serem parte de um esforço coordenado do Irã, da Armênia e da Rússia para conduzir operações de informação. Os conceitos de operações de informação variam, mas a maioria das definições concorda que essas operações têm como objetivo diminuir a coesão e a disposição de lutar de um inimigo. As publicações do Estado-Maior Conjunto dos EUA definem as operações de informação como o uso de “capacidades relacionadas à informação em conjunto com outras linhas de operações para influenciar, interromper, corromper ou usurpar a tomada de decisões de adversários e adversários em potencial, ao mesmo tempo em que protegemos as nossas”. Essa definição apresenta as operações de informação como uma estratégia de dois lados, tanto ofensiva quanto defensiva.
As operações de informação russas atuais têm esses mesmos objetivos. De acordo com T.S. Allen e A.J. Moore, autores de “Victory without Casualties: Russia’s Information Operations”, a Rússia, ciente de sua incapacidade de se equilibrar contra as capacidades militares regulares dos Estados Unidos, confiou em sua significativa experiência no uso da guerra de informações como um método assimétrico para contrabalançar defensiva e ofensivamente a primazia do Ocidente em recursos militares. Diferentemente do caso americano, em que as operações de informação apóiam principalmente as operações militares e de inteligência tradicionais, a Rússia entende as operações de informação como uma peça essencial da projeção de poder do Estado. Ela procura alinhar os esforços militares, diplomáticos e econômicos aos objetivos das operações de informação. Para a Rússia, as operações de informação são válidas também como uma arma defensiva. Em um artigo bem conhecido, Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior das forças armadas russas, afirmou que as potências ocidentais são as que usam as operações de informação para afetar os interesses da Rússia. De fato, conforme destacado por Hans Klein, professor associado da Escola de Políticas Públicas do Instituto de Tecnologia da Geórgia, tanto o Oriente quanto o Ocidente acusam-se mutuamente de realizar operações de informação para enfraquecer a posição um do outro. Essa luta pode ser rastreada até a Guerra Fria.
Propaganda secreta durante a Guerra Fria
Durante a Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética confiaram na propaganda como uma ferramenta de operações de informação para minar e degradar a vontade de lutar de seus adversários. Na década de 1970, as transmissões da BBC para o bloco oriental eram ouvidas por quase 50% da população soviética, apesar dos esforços soviéticos para bloquear essas transmissões. Também é verdade que o Ocidente usou efetivamente a propaganda para disseminar informações sobre os benefícios do capitalismo. Por exemplo, filmes ocidentais foram usados para propagar os benefícios do capitalismo e da democracia e para demonizar o comunismo. Na década de 1950, a CIA comprou os direitos cinematográficos do livro “Animal Farm”, de George Orwell, para usá-lo como ferramenta de propaganda no bloco oriental. Os esforços ocidentais para enfraquecer os governos comunistas no Leste se mostraram prejudiciais ao desempenho soviético durante a Guerra Fria.
De acordo com Christopher M. Andrew, professor de história da Inglaterra, e Vasili Mitrokhin, ex-chefe da inteligência soviética que desertou para o Reino Unido, as operações de informação soviéticas durante a Guerra Fria foram orientadas para atingir três objetivos principais: a fragmentação da OTAN, a promoção da agenda comunista e a subversão dos países não alinhados. A principal ferramenta para realizar essas operações era a Society for Cultural Relations Abroad, controlada pela KGB. Algumas das táticas incluíam operações de falsa bandeira, como o ataque ao Papa João Paulo II, que, de acordo com Taras Kuzio, professor de ciência política da Universidade Nacional de Kiev Mohyla Academy, foi deliberadamente atribuído a um nacionalista turco que acabou tendo ligações com agências de inteligência do bloco oriental. Outras táticas incluíam o apoio a movimentos separatistas e nacionalistas por meio do financiamento de operações de informação e o uso intensivo de campanhas de dezinformatsiya, ou desinformação, que incluíam culpar a CIA pela disseminação do HIV. Durante a Guerra Fria, grande parte das operações de informação também foi orientada para influenciar as populações locais na União Soviética e nos países satélites. Os principais objetivos dessa estratégia eram consolidar o apoio popular, criar resiliência em caso de guerra e criar resistência contra as operações de informação do Ocidente, de acordo com os pesquisadores do Center for European Policy Analysis, Irina Borogan e Andrei Soldatov. Essas podem ser consideradas medidas defensivas de operações de informação.
A União Soviética também executou operações de informação em um modo ofensivo, principalmente por meio do uso de medidas ativas, que envolvem operações abertas e secretas para influenciar a opinião pública. Um dos principais instrumentos dessa estratégia foi a criação e a exploração de organizações de fachada que promoviam as políticas soviéticas. O Conselho Mundial da Paz, fundado em 1949 para promover a paz globalmente, era de fato controlado pelo Partido Comunista e dirigido por funcionários soviéticos. Os soviéticos usaram essa organização para incentivar posições contra a ordem econômica ocidental liberal, para ajudar movimentos de “libertação” de esquerda e para explorar o medo de armas nucleares nos países da OTAN, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA.
Outras medidas ativas incluíam a falsificação de documentos e relatórios oficiais. Por exemplo, a União Soviética usou documentos oficiais autênticos dos EUA como modelos para fabricar falsos planos de guerra destinados a criar tensão entre os países. Os agentes de influência eram outra ferramenta para conduzir operações de informação. Esses agentes recrutavam simpatizantes, que não sabiam que estavam sendo usados para disseminar a desinformação. A campanha do Conselho Mundial da Paz, incluindo manifestações contra armas de radiação aprimoradas nos EUA, foi um exemplo do uso soviético de agentes de influência. Por fim, a União Soviética contou com medidas ativas tradicionais, como a distribuição de desinformação e notícias falsas por meio de veículos de mídia convencionais. Embora essas campanhas fossem direcionadas a veículos de notícias nacionais, os agentes soviéticos também visavam a imprensa estrangeira, inserindo material falsamente atribuído. Por exemplo, a agência de notícias TASS supervisionou a disseminação global da propaganda soviética. Ela tinha uma representação substancial no exterior, com mais de 400 funcionários e correspondentes em 126 países. Muitos deles estavam ligados aos órgãos de segurança do Estado soviético, inclusive à inteligência estrangeira.
Operações de informação na Rússia de Putin
O colapso e a desintegração da União Soviética levaram a uma turbulência política na Rússia. Ainda assim, as agências de inteligência, especialmente a KGB (hoje conhecida como FSB), mantiveram profunda influência na estrutura política da Rússia. Antes de se tornar presidente da Rússia, Vladimir Putin foi eleito primeiro-ministro em 1999. Ele é um ex-oficial da KGB e já foi diretor do FSB. Sua experiência pessoal durante a Guerra Fria molda profundamente as atuais operações de informação russas. De acordo com o jornalista Chris Bowlby, a visão de mundo de Putin foi formada pela queda do Muro de Berlim, pela desintegração da União Soviética e pelo vácuo de poder que se seguiu, que ele vivenciou enquanto servia como oficial da KGB na Alemanha Oriental em 1989. A desintegração da União Soviética, que muitos estudiosos russos acreditam ter sido resultado de operações de informação ocidentais, pode ter reforçado sua visão sobre o papel crucial que esses tipos de operações teriam no futuro. Em particular, o colapso soviético demonstrou o quanto um país pode se tornar vulnerável quando sua liderança se rompe. Isso está absolutamente ligado à nova maneira pela qual a Rússia conduz as operações de informação. Embora continuem sendo uma peça central das atividades de política externa da Rússia, as operações de informação de hoje visam a ter um efeito cinético, além da tradicional influência subjetiva sobre a coesão social de um adversário. A tomada da Crimeia pela Rússia em 2014 fornece exemplos paradigmáticos das quatro características distintas das operações de informação russas contemporâneas que as diferenciam daquelas da época da Guerra Fria, não apenas para atingir objetivos estratégicos, mas também para garantir vitórias táticas.
Primeiro, a Rússia controla cada vez mais a mídia de massa para distribuir e propagar suas mensagens, desenvolvendo veículos de notícias que atuam como agentes de influência russa. Por exemplo, o Russia Today (RT) transmite para mais de 100 países e foi marcado por seu envolvimento em campanhas de informação russas. Um relatório recente do Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA constatou que os veículos de notícias da RT desempenharam um papel vital na estratégia russa de interferir nas eleições nacionais dos EUA em 2016. De acordo com o relatório, a RT misturou informações reais, informações hackeadas e informações falsas ou falsas enquanto amplificava suas mensagens por meio das mídias sociais para minar a fé do público dos EUA no processo democrático.
Em segundo lugar, as operações de informação modernas visam controlar a diáspora russa nas antigas repúblicas soviéticas. A Rússia usa operações de informação para criar uma falsa narrativa de agressão contra as comunidades da diáspora russa para justificar ações militares subsequentes. Essas operações visam não apenas justificar essa narrativa internamente, mas também legitimá-la aos olhos internacionais. Na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014), para justificar suas intervenções, a Rússia conduziu operações de informação durante anos antes de realmente enviar tropas.
Terceiro, a mídia social deu um significado totalmente novo às operações de informação russas. Os meios de comunicação social, como o Facebook e o Twitter, são usados para propagar narrativas que apelam para emoções profundamente enraizadas na psicologia social russa. O uso de histórias emocionais reforça as potentes ideias do glorioso passado russo e de que a Rússia é vítima da agressão dos adversários. Por exemplo, Chris Collison, da Jackson School of International Studies, afirma que, durante a campanha da Crimeia, a mídia russa fez a alegação fantasiosa de que os soldados ucranianos haviam crucificado o filho de uma família que apoiava a intervenção russa. De acordo com Julien Nocetti, pesquisador do Instituto Francês de Relações Internacionais, a Rússia empregou uma estratégia semelhante para atribuir um ataque com gás na Síria às forças de oposição sírias.
Por fim, a Rússia opera campanhas de informação como uma ferramenta de operações de guerra híbrida. Não há uma definição única de guerra híbrida. O Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais a define como “o uso sincronizado de vários instrumentos de poder adaptados a vulnerabilidades específicas em todo o espectro de funções sociais para obter efeitos sinérgicos”. A Rússia conduziu com sucesso operações de informação que criaram um caos nas forças armadas do adversário e corromperam sua cadeia de comando. Na Crimeia, o uso de operações de informação pela Rússia, combinado com tropas paraestatais, forças especiais e o papel ativo da diáspora russa, tornou as forças armadas ucranianas locais praticamente inúteis. Os militares ucranianos locais enfrentaram tropas não identificadas e manifestações cívico-militares, receberam informações confusas da mídia de massa e descobriram que seus canais de comunicação com outras unidades haviam sido bloqueados. Como resultado, as unidades locais não lutaram e apenas um soldado ucraniano foi morto. A Rússia obteve uma vitória quase perfeita, de acordo com a definição de Sun Tzu.
Operações contemporâneas da Rússia e da Guerra Fria soviética
A Rússia usa operações de informação para equilibrar assimetricamente as capacidades do Ocidente, promover seus próprios interesses no exterior e consolidar o cenário político interno. Ela mostrou ao mundo como um conflito pode ser vencido com pouca violência, quebrando a liderança do inimigo e criando uma enorme névoa de guerra. A Rússia também provou como as operações de informação são eficazes para aprofundar as fraturas sociais preexistentes e como isso pode afetar a democracia e até mesmo o estado de direito. Além disso, provou ao mundo como as mídias sociais desempenham um papel vital na propagação de mensagens inteligentemente adaptadas e como a mídia tradicional pode ser usada para disseminar a desinformação ou a informação incorreta. A Rússia demonstrou que as operações de informação podem ter resultados mais tangíveis do que no passado e podem ser usadas de forma cinética com resultados táticos imediatos.
As operações de informação russas contemporâneas estão profundamente enraizadas em seu antecessor soviético. Como no passado soviético, o governo russo ainda se considera uma vítima das operações de informação ocidentais para minar sua esfera de influência. Mark Galeotti, escritor e palestrante sobre assuntos de segurança russos, argumenta que as autoridades russas veem a pressão dos Estados Unidos por transparência, democratização e combate à corrupção como ferramentas de subversão, que podem ser vinculadas à Ucrânia, à Geórgia e aos Estados dos Bálcãs que se aproximam politicamente do Ocidente. Essa não é a única ligação com o passado. A RT pode ser rastreada até a TASS e a APN, veículos de mídia que distribuíam informações soviéticas personalizadas em todo o mundo. Com sua velocidade, a mídia social revolucionou a forma como a desinformação é disseminada. Mas os objetivos continuam semelhantes aos dos agentes de influência da Guerra Fria. Além disso, a tendência atual de usar operações de informação para influenciar a diáspora russa no exterior está intimamente relacionada à sua contraposição defensiva às operações de informação ocidentais no bloco oriental durante a Guerra Fria.
Um fator no uso moderno das operações de informação pela Rússia é que elas podem ser usadas em um nível tático, abrangendo ações militares e alcançando poder cinético que pode enfraquecer as forças armadas de um adversário. Ainda assim, essa característica única foi desenvolvida como resultado de um fenômeno que também pode ser rastreado até a Guerra Fria: a incapacidade da Rússia de competir em igualdade de condições com o Ocidente na arena militar convencional. Para Putin, o princípio de Sun Tzu de vencer sem lutar acabou se tornando não uma opção, mas uma necessidade, embora aparentemente não exclua o uso de meios cinéticos.
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