Dada a revolta global contra a invasão não provocada da Rússia à Ucrânia, os governos da América Latina e do Caribe deveriam repensar sua relação com Moscou. Foi o que disse Daniel F. Runde, vice-presidente sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um laboratório de ideias sediado em Washington, D.C., em um editorial de 3 de março. Deveria haver um preço a pagar eleitoral, diplomática e comercialmente, por estar muito próximo do presidente russo Vladimir Putin, disse.
“É provável que as sanções significativas contra a Rússia tenham efeitos colaterais na Venezuela, Cuba e Nicarágua, os três países mais próximos da Rússia na região. A brutalidade dessa invasão deveria fazer com que a Argentina e o Brasil, dois países que flertam com Putin, pensem duas vezes antes de realizar uma parceria mais profunda com o Kremlin. O resto da região deveria ver a invasão da Rússia como um alerta e reduzir seus laços nas próximas semanas e meses”, disse Runde.
Agora, mais do que nunca, Putin poderia estar interessado na América Latina, especialmente em seus aliados antidemocráticos. O relacionamento da Rússia com a Nicarágua está firmemente enraizado na geopolítica, e a Rússia está demonstrando seu alcance global, apesar dos esforços dos EUA e da Europa, afirmou Caroline C. Cowen, associada sênior do programa para a América Latina e o Caribe da Freedom House, em um artigo de opinião para o site de notícias The Hill.
“As maiores implicações – uma presença maior na América Latina, entre outras – ameaçam a democracia, a segurança e a estabilidade regional no hemisfério ocidental. Para começar, a presença russa está interferindo nos interesses dos EUA e do hemisfério, ou seja, a democracia e a segurança regional”, disse.
Um parceiro militar
De acordo com Cowen, a Nicarágua é o parceiro político e militar mais firme da Rússia na região. “Na verdade, não se pode ignorar que a retórica e a cooperação pró-russa da Nicarágua de [Daniel] Ortega pode ser rastreada até a Guerra Fria. A relação se baseia em anos de apoio soviético ao movimento sandinista de Ortega”, declarou, referindo-se ao fornecimento de Moscou de comida, petróleo, maquinaria e armas à Nicarágua, ao governo sandinista.
“A Nicarágua tem sido durante muito tempo um dos principais parceiros da Rússia na região, com o relacionamento concentrado no vínculo com o líder Daniel Ortega e o movimento sandinista FSLN, que a União Soviética armou e ajudou a levar ao poder em 1979. Daniel Ortega reacendeu a relação quando voltou ao poder após as eleições de 2007”, disse Evan Ellis, professor de pesquisa de Estudos Latino-Americanos na Escola de Guerra do Exército dos EUA, em um artigo publicado em 19 de janeiro para o laboratório de ideias Global Americans.
Além dos itens militares, a empresa russa da indústria nuclear, Rosatom, tornou-se um importante fornecedor para os regimes antiamericanos que desejam energia nuclear ou capacidade de pesquisa através de empresas menos sujeitas à alavancagem dos governos ocidentais, explica Ellis. Empreendimentos recentes incluem a assinatura de um memorando de entendimento entre a Rosatom e o Ministério das Relações Exteriores da Nicarágua “sobre cooperação no campo do uso da energia nuclear para fins pacíficos”, indica um comunicado de imprensa do Departamento de Comunicações da empresa.
“Não se enganem, o que agora parece ser uma tendência isolada poderia permitir que Moscou domine a Bacia do Caribe, e as relações poderiam se tornar um problema no equilíbrio militar regional”, adverte Cowen.