O AMAZONLOG 2017 será um exercício interagências de logística humanitária, inédito na América do Sul, que ocorrerá entre 6 e 13 de novembro, na região amazônica, em Tabatinga, estado do Amazonas, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Além das forças armadas dos três países e do apoio logístico dos Estados Unidos, o exercício, conduzido pelo Comando Logístico do Exército Brasileiro (EB), contará com observadores de diversas nações parceiras.
Nos dias 26, 27 e 28 de setembro, foi realizado o Simpósio de Logística Humanitária (SILOGEM), no Centro de Convenções Vasco Vasques, em Manaus, que foi a segunda etapa do AMAZONLOG. A primeira foi um exercício de mesa, realizado no final de agosto, com o objetivo de ajustar os planejamentos. Diálogo conversou com o General-de-Exército do EB Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, um dos principais idealizadores do AMAZONLOG 2017. O comandante logístico do EB também esteve à frente das recentes negociações entre Brasil e Estados Unidos para a aquisição pelo EB de quatro aeronaves C-23 Sherpa.
Diálogo: Qual é sua análise sobre o SILOGEM?
General-de-Exército do EB Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira: Uma análise muito positiva, fruto das palestras que foram feitas e, principalmente, dos debates. Por exemplo, tivemos um debate muito proveitoso no que se refere aos refugiados, no que se refere ao controle da logística na fronteira, com ideias, sugestões maravilhosas, um debate em que os países puderam se expressar livremente, como foi o caso do Peru e, ainda, uma ótima apresentação dos Estados Unidos. Portanto, creio que foi muito positivo e superou as minhas expectativas.
Diálogo: O senhor falou durante seu discurso de abertura que realizar o AMAZONLOG em Manaus ou no Rio de Janeiro seria fácil. Difícil será em Tabatinga. Por quê?
Gen Ex Theophilo: Porque a infraestrutura de apoio nessas grandes cidades, nas grandes capitais, é muito fácil. Você tem energia elétrica, tem água purificada, ou seja, toda a estrutura para um grande evento. Eu quero ver fazer esse grande evento em um lugar onde você não tenha energia, não tenha água potável, onde haja uma série de deficiências, que é o dia-a-dia da nossa Amazônia, dos nove países que compõem a Pan-Amazônia, que é o caso de Tabatinga.
Diálogo: E qual está sendo a maior dificuldade? O EB está construindo uma base em Tabatinga, correto?
Gen Ex Theophilo: Quanto à logística de chegada lá, nós temos material que está se deslocando desde julho, ou seja, que começou a ser embarcado em julho no Rio de Janeiro, como é o caso do nosso módulo de hospital de campanha. Como seria isso numa situação real? Ele não poderia vir como está vindo, de balsa. Mas, nós estamos testando toda a modularidade do transporte. Então, fizemos um teste de cabotagem, fizemos um teste pela hidrovia, ferrovia, rodovia e também pela aerovia. Portanto, teve material que foi transportado por um Boeing 767 da Força Aérea Brasileira. Agora, nós estamos fazendo um balanceamento de como essa logística foi feita para o caso de, prontamente, termos de ajudar algum país que tenha sido submetido a uma grande catástrofe, a uma grande calamidade pública.
Diálogo: Por falar em Força Aérea Brasileira (FAB), o senhor declarou que este exercício não seria possível sem ela. O senhor poderia comentar sobre a participação da FAB e também sobre a da Marinha do Brasil (MB) no AMAZONLOG?
Gen Ex Theophilo: Nós nunca imaginamos este exercício sem a participação da FAB e da MB. Sozinhos nós não podemos fazer isso, jamais. A ideia sempre foi fazer um exercício conjunto, pelo Ministério da Defesa, com o apoio de todas as agências, fazendo essa interoperabilidade sobre a qual sempre falamos. Por quê? Veja bem, se eu for fazer um exercício desse sem o apoio da FAB, como eu vou chegar até algumas posições onde só ela chega? Onde não tem estrada, os rios não são navegáveis, tudo chega pela pista, pelo campo de pouso ou por helicóptero. No início, a Marinha e a Força Aérea ficaram reticentes, porque é uma novidade e as pessoas temem um pouco as coisas novas, a quebra de paradigmas. Então, quando nós nos propusemos o exercício, tínhamos certeza de que a coisa ia dar certo. Além da MB e da FAB, fomos para o exterior convencer a Junta Interamericana de Defesa, a Organização dos Estados Americanos, fomos ao comandante do Exército da Colômbia, fomos ao comandante do Exército do Peru. Visitei o Comando Sul dos Estados Unidos, fizemos palestras lá sobre o AMAZONLOG. Portanto, é um trabalho grande que tem sido feito para que esse exercício possa ser realmente um exercício de sucesso.
Diálogo: Como será lidar com diferentes leis de cada país participante?
Gen Ex Theophilo: Nós temos que discutir as leis dos países fronteiriços: sobre desmatamento, sobre população indígena, sobre o controle e o tráfico de armamento, de animais silvestres, da própria droga. Então, se nós não fizermos uma legislação especial para a faixa de fronteira, vamos continuar sem poder barrar a logística que apoia as grandes organizações criminosas dos centros. O PCC [Primeiro Comando da Capital]; o Comando Vermelho; a Família do Norte; estas organizações criminosas só existem porque essa logística vem da fronteira – e, se essa logística não for barrada aqui na fronteira, nós vamos continuar a ter grandes problemas nas grandes cidades.
Diálogo: Mas interromper o modus operandi destas organizações criminosas não depende só das Forças Armadas…
Gen Ex Theophilo: Não, é um esforço conjunto. A Polícia Federal é a responsável pela segurança nas fronteiras e eles contam com o apoio das Forças Armadas. Nós não temos capilaridade para fazer proteção em toda a fronteira, ninguém tem para fazer esta proteção sozinho. Diferentemente, eu visitei o sistema de vigilância, o monitoramento de fronteira de Israel. Israel é um país muito pequeno e tem inimigos de todos os lados. Então, eles têm um sistema de vigilância perfeito, por meio do qual vigiam cada metro da fronteira. Nós temos que desenvolver tecnologias que possam nos apoiar nessa vigilância da fronteira.
Diálogo: O senhor pode detalhar como será a participação de cada país?
Gen Ex Theophilo: A ideia é que o AMAZONLOG se repita a cada ano ou a cada dois anos. Então, para este primeiro, nós começamos com os três países que fazem fronteira com o sítio que foi escolhido para a realização do AMAZONLOG, a região de Tabatinga. E os Estados Unidos, com a grande experiência que tem nas grandes calamidades, na ajuda humanitária, foi o grande pai do exercício em termos de experiência. Os Estados Unidos entram com uma aeronave C 130, uma cozinha móvel e uma estação de purificação de água. Peru e Colômbia são países que fazem fronteira na área. Portanto, nós estamos buscando criar um pequeno embrião, para que isso se propague e seja realmente um fruto de uma grande brigada de operações humanitárias para atuar nas calamidades públicas.
Diálogo: Qual vai ser o legado do AMAZONLOG para a região de Tabatinga?
Gen Ex Theophilo: Há dois legados: o tangível e o intangível. O tangível são todos os recursos que estamos investindo em logística; já temos mais de 50 milhões de reais nessa área do Alto Solimões, melhorando todos os terminais fluviais, que hoje são barrancos de rio. Nós estamos transformando isso em terminais, com píer [embarcadouro], com a melhoria das embarcações, dos depósitos para suprimentos, da logística da chegada desse material até lá. Estamos testando vários tipos de embarcação. E o intangível é a doutrina que nós vamos criar, colocar em prática e aperfeiçoar a cada ano, para que a sociedade veja a utilidade do que é uma logística humanitária, principalmente nas grandes catástrofes.
Diálogo: O senhor foi um dos responsáveis diretos pela aquisição, pelo Brasil, de quatro aeronaves C-23 Sherpa da Força Aérea dos EUA. Qual a importância desses aviões para o EB?
Gen Ex Theophilo: O Exército Brasileiro já faz tempo necessitava de aviões de asa fixa para realizar missões, especialmente as de auxílio a calamidades. Então, houve a proposta do departamento de FMS [Foreign Military Sales – Vendas Militares Externas] dos EUA, com a doação dessas aeronaves para a gente. Mas, testamos várias aeronaves antes, como o bimotor M-28 polonês, bimotor e Twin Otter canadense, e o custo-benefício e a viabilidade técnica penderam a favor do C-23 Bravo Sherpa. Essas aeronaves são seminovas, têm mais de 15 anos de vida, e com a modernização que nós vamos fazer, a vida útil delas sobe para 25 anos. Elas lançam 30 paraquedistas, transportam 40 toneladas, pousam e decolam de qualquer tipo de pista, mesmo as reduzidas de 400 metros. Então, é o tipo de aeronave que vai nos apoiar bastante na Amazônia.