Em meio à atual crise militar da Venezuela, Diálogo conversou com Javier Ignacio Mayorca, membro do Observatório do Crime Organizado na Venezuela e consultor em assuntos de segurança e defesa na Venezuela, para entender a situação que vive o país.
Diálogo: Uma pergunta-chave que as pessoas vêm fazendo é: Se Nicolás Maduro não conta com o apoio militar, como ele se mantém no poder?
Javier Ignacio Mayorca: A resposta mostra várias perspectivas para entender a ruptura dentro da Força Armada; a primeira delas é relativa às deserções, agora conhecidas como permanência arbitrária fora da unidade militar, uma figura que eles [o regime] inventaram, já que a deserção é um delito e, se condenassem 6.000 soldados, não poderiam suprir a demanda. Eles estão usando a via administrativa para remover ou dar baixa à tropa alistada e à tropa profissional, como são chamadas agora, sem que isso lhes imponha sanções criminais.
A outra resposta tem a ver com a moral baixa dos militares, mas isso é muito mais difícil de mensurar. A moral dentro da força armada tem como objetivo defender um conjunto de valores, como a soberania, a pátria etc., o que está intimamente associado à formação do militar; no entanto, nos últimos 20 anos se fez uma associação da disposição da tropa com defender o regime, o que é diferente do que significava a institucionalidade tradicional das forças armadas.
Diálogo: Como se pode saber se os soldados estão com a moral alta ou baixa?
Mayorca: O melhor exemplo é o que ocorreu na Avenida Bolívar em Caracas, no dia 4 de agosto de 2018, quando a explosão de dois drones surpreendeu todas as tropas da Guarda Nacional durante um desfile militar e, sem receber ordens de desmanchar as filas, os militares saíram correndo por todos os lados, deixando um sinal muito forte de que não há disposição para defender o presidente nem defender o que ele representa. A tudo isso, soma-se o fato de que muitos se aproveitam das posições de poder para se envolverem em delitos – corrupção, narcotráfico etc. Agora, a mudança do conflito da Venezuela para a fronteira com a Colômbia e o Brasil deu a oportunidade aos militares para que possam desertar; cerca de 1.000 efetivos já o fizeram.
Diálogo: O que está evitando uma ruptura entre os militares e o regime?
Mayorca: Basicamente, não há incentivos que canalizem a energia desses militares para uma ruptura do regime, mas sim que eles consideram que isso é tão difícil de alterar ou modificar, que acabam adotando atitudes individuais. Eles não se organizam porque o medo e a vigilância permanentes não o permitem, e abandonam o país como parte de uma iniciativa própria. Definitivamente, a Força Armada da Venezuela não serve; ela serve para defender um status político, mas não serve para muita coisa mais.