Por meio do uso de táticas de desinformação, coerção econômica e ações políticas abertas e secretas, a Rússia enfraqueceu as instituições democráticas na América Latina, disse em um relatório a ONG Instituto da Paz dos EUA.
“Essa máquina russa é extremamente perniciosa e perigosa”, disse à Diálogo, Jorge Serrano, especialista em segurança e membro da equipe consultiva da Comissão de Inteligência do Congresso do Peru. “Ela tem a capacidade de causar danos e deslegitimar os processos eleitorais, que são um dos pilares mais valiosos de todos os sistemas democráticos.”
Moscou vem desenvolvendo desde 2000 um complexo ecossistema de desinformação e propaganda, como parte de seu aparato de segurança nacional, segundo o relatório. Essa rede teve um aumento acentuado durante a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão da Ucrânia desde fevereiro de 2022.
O complexo de operações de desinformação ativo na América Latina busca combater a liderança dos EUA, retratando-os sob uma visão maligna e apoiando regimes repressivos, diz o relatório. Com narrativas persistentes, as operações russas não se limitam ao digital, mas incluem esforços de divulgação destinados a diversos públicos.
Essa realidade alternativa, mais sombria do que Moscou reconhece, baseia-se em alianças do Kremlin na região (juntamente com as de nações que pensam da mesma forma, como o Irã), para minar a influência dos EUA, fortalecer o autoritarismo e projetar uma forte rede internacional de aliados para a Rússia, detalha o relatório.
A máquina de influência russa apoia protestos violentos em nações parceiras dos EUA, enquanto oculta execuções, abusos e violações de direitos humanos em nações amigas de Moscou, detalha. Embora a interferência russa nas eleições tenha sido identificada na Colômbia, no México e na Bolívia, devido a essa distorção da verdade, a percepção pública positiva da Rússia na região persistiu até a invasão e os massacres na Ucrânia.
“Uma rede ativa da Rússia na região é composta por empresas com conselhos de administração sobrepostos, lideradas por altos funcionários da inteligência russa, operando sob a proteção do ‘Comitê Nacional Russo para a Promoção do Comércio Econômico com Países da América Latina’, com sede em Santiago, Chile”, comentou Serrano. “A Rússia está se tornando cada vez mais agressiva.”
Influência por contratação
O Departamento de Estado dos EUA alertou sobre as tentativas do Kremlin de disseminar a desinformação por meio de empresas de “Influência por contratação”, para “encobrir seus esforços de propaganda e desinformação”, através da mídia local, buscando uma integração orgânica com o público latino-americano.
O governo dos EUA identificou três entidades – a Agência de Propósito Social; o Instituto para o Desenvolvimento da Internet; e Estrutura –, como responsáveis pela coordenação dessas campanhas de manipulação da informação direcionada para promover a mentira russa, com foco específico em países como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela.
Segundo o Departamento de Estado, essas entidades de “Influência por contratação” têm a capacidade de recrutar, de forma aberta e secreta, a mídia local e os influenciadores das redes sociais, para disseminar notícias falsas. Empresas experientes e tecnicamente capazes exploram ambientes de informação abertos, para promover a propaganda russa distorcida.
Também afirma que Moscou, por meio de uma rede que inclui mídia estatal, proxies e influenciadores, “semeia” histórias ou amplifica e modifica o discurso popular ou que traz discórdia, intensificando o conteúdo para penetrar ainda mais no ambiente informativo ocidental.
“Essas atividades podem incluir a disseminação de conteúdos falsos e a amplificação de informações, que são percebidas como benéficas para as teorias conspiratórias ou os esforços de influência russos”, declara o comunicado do Departamento de Estado.
“Moscou procura disfarçar sua propaganda, ciente de que os serviços de inteligência dos EUA e da Europa sempre identificam suas redes, plataformas, contatos e a teia de desinformação que tecem na América Latina e em todo o mundo”, diz Serrano. “Se essa máquina maligna russa não for interrompida, ela se tornará mais agressiva e destrutiva.”
Nova Resistência
Um Relatório Especial do Centro do Departamento de Estado dos EUA para a Participação Global destaca a Nova Resistência como um exemplo da manipulação de informações e disseminação de ideologias antidemocráticas e autoritárias em todo o mundo, orquestrada pelo Kremlin.
A Nova Resistência, uma organização neofascista quase paramilitar, com operações nas Américas e na Europa, tem conexões profundas com entidades e indivíduos dentro do ecossistema de desinformação e propaganda russa. De acordo com o relatório de meados de outubro, ela apoia as ideologias neofascistas do russo Aleksandr Dugin, que está sob sanções dos EUA e é o principal promotor de um movimento imperialista eurasiano antiocidental liderado pela Rússia.
A seção brasileira da Nova Resistência é ativa e trabalha para disseminar a influência maligna na América Latina, copatrocina eventos com Dugin, dos quais participam autoridades russas de alto nível, e organiza seminários “acadêmicos” e cursos de capacitação em seu canal no YouTube e em seu site com professores, historiadores e filósofos locais e internacionais, detalha o relatório do Departamento de Estado.
Em nível regional, a Nova Resistência desempenha um papel central na criação de grupos com ideias semelhantes, “organizações nacionalistas e revolucionárias” em toda a região da América Latina, acrescenta. Seus esforços não se limitam à organização política e filosófica, mas também se estendem ao apoio a atividades paramilitares.
Além da propaganda aberta e desinformação em apoio à guerra da Rússia contra a Ucrânia, a Nova Resistência está envolvida em esforços para mobilizar os brasileiros para lutar ao lado da Rússia na região de Donbás, no leste da Ucrânia. “Esse é um caso tangível para denunciar a Rússia perante os órgãos internacionais”, disse Serrano.
Enfrentando a máquina russa
Para combater a influência russa na América Latina, é fundamental priorizar a criação de uma avaliação e um mapeamento interinstitucional de referência das operações de informação russas na região, para entender melhor os objetivos estratégicos e as operações da Rússia, afirma o relatório do Instituto da Paz dos EUA.
“É imperativo que os governos e países democráticos divulguem esses relatórios ao público”, alertou Serrano. “Todas as nações devem denunciar as táticas operacionais da Rússia, instar suas forças de segurança e centros de guerra cibernética a se prepararem e confrontarem a máquina de Moscou e trabalharem juntas para estabelecer um bloco unificado contra essa estrutura de desinformação e mentiras.”