A Fundação do Rio (Fundación del Río),uma ONG nicaraguense que protege o meio ambiente, confirmou em seu relatório Nicarágua e seu Ouro Perverso, um aumento desproporcional nas concessões de mineração sob o regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo. Essa corrida do ouro, argumentam os investigadores, mina osterritórios indígenas e afrodescendentes, assim como a Reserva Biológica Indio Maíz, no sudeste do país, e a Reserva da Biosfera Bosawás, no nordeste do país.
“Desde 2018, com o avanço da mineração,[vimos] um aumento no conflito contra as comunidades indígenas e afrodescendentes da costa norte do Caribe do país e denunciamos o aumento de assassinatos e deslocamentos das comunidades”, disse à Diálogo Amaru Ruiz, presidente da Fundação do Rio, em 29 de julho de 2022. “Nós nos perguntamos o que está por trás desses aumentos e descobrimos que um dos principais fatores é a mineração tanto artesanal quanto industrial.”
Segundo o relatório, quatro grupos indígenas são impactados pelas concessões de licenças de exploração, cobrindo 21 territórios: sete Miskitu, seis Mayangna, cinco Chorotegas, dois multi-étnicos (Mayangna e Miskitu) e um Matagalpa.
Em setembro de 2021, o Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, um programa conjunto da Federação Internacional pelos Direitos Humanos e da Organização Mundial contra a Tortura, denunciou um massacre contra um grupo de defensores indígenas Mayangna e Miskitu na colina Kiwakumbaih da Biosfera Bosawás.
Com base em informações de entrevistas e estatísticas do Ministério de Energia e Minas (MEM) da Nicarágua, a Fundação do Rio constatou que o número de hectares cedidos à mineração passou de 139.852 hectares entre 1990 e 2007 para 728.628 hectares de 2007 a 2022, um aumento de mais de 415 por cento em 16 anos do regime Ortega-Murillo.
Uma revisão do número de licenças concedidas pelo MEM até dezembro de 2021 mostra 229 concessões para a mineração metálica cobrindo quase 2,8 milhões de hectares, o que representa 23 por cento da superfície territorial do país. Além disso, foram autorizadas 114 licenças durante o regime Ortega-Murillo.
“De acordo com a análise do mapa de concessões dentro da Reserva da Biosfera de Bosawás projetado pelo MEM, foram solicitadas 79 concessões. Dessas, 60 foram outorgadas e as 19 pendentes estão em áreas de reservas de mineração administradas a critério do MEM e da empresa estatal ENIMINAS”, acrescentou Ruiz. “A área total dos 60 lotes de mineração [autorizados] representa 1,3 milhões de hectares, ou seja, 66 por cento de toda a Reserva Bosawás está sob concessões de mineração.”
Em Bosawás, a maioria dos residentes pertence às comunidades indígenas Mayangna e Miskito. Embora a atividade de mineração na área tenha começado há mais de 25 anos, a Fundação relata que, a partir de 2007, é quando registram um aumento das concessões e da extração artesanal ilegal.
A isto se soma a situação na Reserva da Biosfera do Rio San Juan e dentro dela a Reserva Biológica do Indio Maíz, onde a Fundação do Rio documenta mais de 100 moinhos de mineração.
Kenia Gutiérrez, ex-prisioneira política e membro no exílio do Conselho do Movimento Camponês, disse ao Diário Las Américas, da Flórida, que o regime Ortega-Murillo não tem interesse em proteger as reservas. Como prova, lembra o incêndio que consumiu mais de 3.000 hectares de floresta em abril de 2018.
“O que aconteceu na Reserva Indio Maíz foi produto da negligência. O incêndio causou muita destruição, porque Ortega não aceitoua ajuda internacional para mitigar o fogo na reserva florestal”, lembrou Gutiérrez. “Se ele apagasse o fogo, perderia seu objetivo principal, que é apoderar-se da reserva e poder extrair ouro.”
Devido ao “uso dos rendimentos do ouro para continuar oprimindo o povo da Nicarágua”, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, do Departamento do Tesouro dos EUA, sancionou a ENIMINAS e o presidente da sua junta diretiva, Ruy Delgado López, em 17 de junho de 2022. Com isso, foram congeladas todas as propriedades e os interesses em propriedades nos EUA ou sob o controle de pessoas nos EUA.
Diante dessa situação de deterioração ambiental acelerada, produto da corrida do ouro dos Ortega-Murillo, a Fundação do Rio pede aos povos afrodescendentes, camponeses e indígenas que resistam às agressões que são impostas pelo regime. A fundação também solicita o apoio da comunidade internacional, das organizações ambientais e da sociedade nicaraguense,para acompanhar e apoiar a denúncia àmineração indiscriminada.