Os investimentos da China na América Latina são acompanhados por violações de normas sociais, culturais e ambientais, revela um relatório recente do Coletivo sobre Financiamento e Investimentos Chineses, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CICDHA), uma rede de 50 organizações da sociedade civil da região.
O documento, apresentado em fevereiro, no âmbito de uma revisão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as atividades e obrigações da China no exterior, analisa 14 projetos liderados por 11 empresas ou consórcios chineses financiados por seis bancos chineses.
“Apesar de as empresas chinesas estarem trabalhando na América Latina há algum tempo, continuamos a ver milhares de violações de todos os tipos de direitos”, disse à Diálogo Mariel Guerra, membro da ONG Sociedad Potosina de Ecología, com sede na Bolívia, em 30 de abril.
O CICDHA denuncia “o descumprimento pela China de suas obrigações extraterritoriais nas operações de empresas e bancos sob sua jurisdição na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela, nos setores de mineração, hidrelétricas, hidrocarbonetos, infraestrutura e alimentos”.
Todos os projetos estão localizados em ecossistemas frágeis e geram danos ambientais significativos, diz o documento, que também identificou padrões graves de violações dos direitos dos povos indígenas à saúde, ao meio ambiente, ao acesso à água, a alimentos, moradia e direitos trabalhistas.
A China tem sido objeto de várias revisões por órgãos da ONU desde 2016. Isso inclui a Revisão Periódica Universal, um processo do Conselho de Direitos Humanos pelo qual Pequim reconheceu as reivindicações de grupos latino-americanos em 2019, informa na internet a plataforma de investigação Diálogo Chino.
A América Latina abriga aproximadamente 60 por cento das espécies terrestres conhecidas no mundo. Somente a Amazônia abriga 10 por cento da biodiversidade do planeta e cerca de 58 milhões de pessoas pertencentes a mais de 800 comunidades indígenas vivem em comunhão com a natureza, outrora em perfeito equilíbrio, diz o estudo.
“Onde quer que as empresas chinesas cheguem, acendem um sinal vermelho, e já sabemos como elas vão agir”, comentou Guerra. “Elas não mudarão até que os próprios países imponham também restrições em nível mundial e apliquem sanções severas. Elas são exploradoras.”
Violações
Em 11 dos projetos analisados pela coalizão, há evidências de despejos forçados, privação de acesso à moradia, destruição de terras e territórios de comunidades indígenas, o que afeta negativamente a saúde mental individual e coletiva e enfraquece o tecido comunitário e a organização sociocultural.
Esses projetos também bloqueiam as rotas migratórias da fauna aquática, alteram as inundações sazonais de ecossistemas específicos e despejam resíduos e substâncias tóxicas nos rios. Os projetos carecem de estudos de impacto ambiental e licenças adequadas.
É o caso dos projetos de mineração El Mirador e San Carlos Panantza, no Equador, e Las Bambas, no Peru; complexo hidrelétrico, no rio Santa Cruz, Argentina; desenvolvimento do Cinturão Petrolífero do Orinoco, na Venezuela; Trem Maia, no México, e do projeto hidrelétrico de Ivirizu, na Bolívia.
“Esses abusos alimentam um alto nível de conflito social, resultante da ausência constante de resposta e disposição para o diálogo por parte das empresas ou representantes chineses com as comunidades afetadas ou organizações da sociedade civil”, afirma o CICDHA.
“Na última década, as pessoas, por medo ou por não terem ideia do que está acontecendo, não conseguiram avaliar os impactos dos projetos chineses”, disse Guerra. “As empresas chinesas são muito hábeis em gerenciar órgãos paralelos às organizações de base, para obter aprovação aos seus projetos.”
O capital chinês mudou o estilo de vida de muitas comunidades em termos de sua interação com a vida selvagem, com as plantas, seu modus vivendi, e levou à perda de culturas, ressaltou Guerra.
O relatório diz que eles também incentivam uma resposta repressiva às expressões pacíficas de protesto das comunidades afetadas, por meio de forças de segurança privadas, especialmente pelo uso excessivo e, em alguns casos, até letal da força, assédio físico e judicial e detenção arbitrária.
Esforços redobrados
O Estado chinês não pode escapar de sua obrigação de proteger os direitos fora de seu território. A maioria das empresas chinesas são estatais, semiestatais ou têm o apoio financeiro de entidades estatais chinesas, informou Mongabay, uma plataforma de jornalismo ambiental.
O CICDHA pede a criação de políticas de cooperação internacional que proíbam a participação de empresas e instituições financeiras chinesas em projetos que afetem ecossistemas frágeis caracterizados por sua importante biodiversidade, seu papel na estabilidade dos sistemas naturais de água e em territórios indígenas.
“Esperar que esses tipos de empresas parem de vir aos nossos países é um pouco utópico”, disse Guerra. “Mas devemos exigir que elas garantam e protejam os direitos humanos e ambientais de acordo com as normas internacionais.”