A bordo de um navio, há duas mulheres acomodadas na sala de reuniões do capitão. De repente, três homens em uniformes militares de cor azul e armados com rifles de assalto invadem o local e começam a fazer buscas na área, enquanto outro, armado, leva as mulheres para o convés principal para interrogá-las sobre um suposto crime de tráfico de pessoas.
Enquanto isso, em uma localidade próxima, uma manifestação se tornou violenta. Pneus foram queimados e a polícia de choque foi atacada com um bombardeio que misturou tijolos, pedaços de madeira, coquetéis Molotov e até batatas cruas. A população local se revoltou por já estar cansada dos toques de recolher e das medidas de quarentena impostas na área devido à pandemia da COVID-19.
Bem-vindos ao Tradewinds 2021.
Os cenários acima descritos são apenas dois dos diversos mecanismos de treinamento que a Força de Defesa da Guiana e outros países do Caribe usaram durante o exercício, que foi sediado pela Guiana, após o adiamento de 2020 por causa da pandemia da COVID-19. Entre os dias 13 e 25 de junho de 2021, representantes dos Estados Unidos e de 12 nações parceiras participaram do evento, onde se realizou uma variedade de exercícios e cenários de treinamento.
Bahamas, Barbados, Belize, Bermudas, Brasil, Canadá, França, Grã-Bretanha, Holanda, Jamaica, República Dominicana e Trinidad e Tobago foram os países participantes.
Desde meados da década de 1980, o Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM) tem patrocinado esse exercício combinado com nações parceiras no Caribe. O Tradewinds foi criado para aprimorar a habilidade coletiva das forças de defesa e policiais, para combater as organizações criminosas transnacionais e realizar operações de assistência humanitária e de ajuda em desastres. O exercício anual também se concentra em desenvolver relacionamentos sólidos e fortalecer a conscientização sobre direitos humanos.
O exercício incluiu, ainda, treinamento sobre tráfico e rastreamento de armas de fogo; regulamentação sobre descarte de explosivos; ordem pública e controle de rebeliões; combate corpo a corpo; instruções sobre armas de pequeno porte; pontaria avançada com rifles; armas não letais; mulheres, paz e segurança; assistência para baixas durante combate tático; detenções, busca e apreensão (terrestres e marítimas); e desmonte de veículos.
“O objetivo geral de todos que participamos desse exercício é garantir a construção de uma coalizão internacional para assegurar a paz e a estabilidade dessa região”, disse o presidente da Guiana, Irfaan Ali, durante uma recepção na véspera da cerimônia de encerramento. “É também para garantir a segurança e certificar-se de que a região jamais se torne um paraíso para o crime transnacional”, acrescentou. O presidente Ali disse, ainda, que gostaria que os países participantes continuem a edificar sua forte rede de contatos e a construir relacionamentos integrais.
Durante a cerimônia de encerramento, realizada no Estádio Nacional da Guiana, o General de Brigada Rafael Ribas, do Exército dos EUA, subcomandante do SOUTHCOM para Assuntos de Mobilização e Reserva, declarou que a diversidade de habilidades adquiridas durante o Tradewinds possibilitaria uma melhor sincronização entre os países que respondem aos desastres naturais e às ameaças à segurança.
“Podemos não saber quando a próxima grande crise virá, mas devemos continuar treinando juntos para controlá-la”, disse o Gen Bda Ribas. “Exercícios dessa magnitude mostram a importância das parcerias quando respondemos a uma crise, e o conhecimento adquirido não só tornará as respostas mais rápidas, mas também permitirá que os países se preparem melhor e se recuperem mais rapidamente das ameaças e crises.”
Mulheres, Paz e Segurança
O programa Mulheres, Paz e Segurança (WPS, em inglês), foi incluído pela primeira vez este ano. O programa faz parte de um esforço dos EUA para promover as contribuições significativas das mulheres nos setores de defesa e segurança em todo o mundo. O WPS se baseia em quatro pilares: participação, prevenção, proteção, e assistência e recuperação.
Essa fundação proporciona oportunidades únicas de engajamento para fortalecer as relações bilaterais com os parceiros regionais, através de esforços coletivos que reforçam o empoderamento das mulheres, sua participação significativa na tomada de decisões, a proteção contra a violência e o acesso a recursos.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu a agenda WPS em 2000, que reconhece uma premissa básica: o envolvimento das mulheres nos esforços para construir a paz e manter a segurança gera melhores resultados em matéria de segurança para todos.
Durante o Tradewinds, mais de 200 soldados e agentes de manutenção da ordem pública das nações parceiras participaram de um curso sobre a importância de promover e integrar as mulheres nos setores de defesa e segurança. O curso também aprimorou o conhecimento sobre as perspectivas de gênero e o esforço global do WPS, bem como a capacidade de discutir os benefícios da aplicação das perspectivas de gênero nas instituições de defesa e segurança, além da inclusão das mulheres na tomada de decisões.
Uma apresentação feita durante o evento mostrou que os acordos de paz eram 35 por cento mais propensos a durar pelo menos 15 anos quando as mulheres participavam. A participação feminina também tornou esses acordos 64 por cento menos propensos a fracassar.
Durante as duas semanas de duração do exercício, membros da equipe do WPS do SOUTHCOM administraram esses cursos junto com a Dra. Fabiana Perera, especialista do Centro William J. Perry de Estudos de Defesa Hemisférica, em Washington D.C., e a Tenente- Coronel Natasha Stanford, a mulher de mais alta patente da Força de Defesa da Guiana.
Conceitos de manutenção da ordem pública
Outro aspecto introduzido este ano no Tradewinds foi o conceito de manutenção da ordem pública, onde as agências de imposição da lei do governo dos EUA se integraram às nações parceiras para oferecer treinamento às entidades regionais desse setor.
Em um período de 10 dias, o grupo de trabalho de manutenção da ordem pública coordenou e treinou um total de 353 forças parceiras de defesa e policiais em 12 eventos. Uma das agências participantes do grupo de trabalho foi a Administração para o Controle de Drogas dos EUA (DEA, em inglês). Reunida a partir de escritórios regionais dos EUA, uma pequena equipe com quatro membros da DEA respondeu a uma solicitação de assistência do 7º Grupo das Forças Especiais do Exército dos EUA, para reforçar sua equipe na Guiana para o Tradewinds.
“Temos o compromisso de trabalhar com nossos parceiros para combater as organizações criminosas transnacionais que ameaçam a segurança e a estabilidade da região”, disse o agente especial da DEA, Billy Parker. “Treinar com o 7º Grupo e com as nações parceiras durante o Tradewinds foi uma experiência fantástica para todos. Estamos todos juntos nisso.”
O grupo de trabalho de manutenção da ordem pública tem a intenção de convidar mais agências para o evento do próximo ano, pois pretende expandir seu escopo.
A importância do treinamento em direitos humanos
Durante o exercício, membros do Escritório de Direitos Humanos do SOUTHCOM, além de um instrutor do Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança (WHINSEC, em inglês), conversaram com soldados e oficiais de manutenção da ordem pública, em um ambiente de sala de aula, sobre a importância dos direitos humanos e do Estado de Direito.
Foram apresentados exemplos de crimes de guerra do passado, atrocidades praticadas contra os direitos humanos e os atuais cenários, envolvendo o tráfico e o contrabando de pessoas, e a classe foi estimulada a participar. O objetivo principal para os participantes foi compreender sua obrigação de respeitar e proteger os direitos humanos, e denunciar todas as supostas violações dos direitos humanos fundamentais. As lições aprendidas foram aplicadas mais tarde pelos alunos em um treinamento de campo, como o exercício de busca e apreensão que foi realizado a bordo de um navio.
“Nós trabalhamos em diversos lugares, onde promovemos debates sobre direitos humanos e avaliamos os cenários que fizeram parte do exercício”, disse o Primeiro-Sargento Javier Perez, instrutor e especialista em direitos humanos do WHINSEC. “Os participantes do exercício apreciaram muito a expertise em direitos humanos do WHINSEC na sala de aula e durante os exercícios de treinamento em campo. Eles ficaram muito interessados em nosso Programa de Direitos Humanos, na Academia de Suboficiais e no curso para instrutores que oferecemos”, ele acrescentou.
A próxima edição do Tradewinds será realizada em Belize e no México em 2022.