O Centro de Memória Histórica da Colômbia registrou 16.862 vítimas no país em quatro tipos de crimes: sequestros, assassinatos, massacres e danos em bens civis, durante o período do conflito interno entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) – entre 1978 e 2015. Caso sejam incluídos os delitos de outros grupos paramilitares e também do Exército de Libertação Nacional, o número de vítimas aumentaria para mais de 50.000. Quando o governo e as FARC assinaram os acordos de paz, em 24 de novembro de 2016, o país deu um importante passo. Contudo, ainda resta um longo caminho a percorrer antes de conseguir declarar a paz definitiva na Colômbia. Para saber como o Exército, a Marinha e a Força Aérea participam desse processo, Diálogo conversou com o General-de-Exército Alberto José Mejía Ferrero, comandante geral das Forças Militares da Colômbia.
Diálogo: O senhor assumiu sua posição recentemente, em dezembro de 2017. Quais são suas prioridades?
General-de-Exército Alberto José Mejía Ferrero, comandante geral das Forças Militares da Colômbia: Na verdade, temos alguns planos que são institucionais, ou seja, não podemos apagar tudo e começar do zero quando chega um novo comandante. Então, esses planos institucionais têm que ser respeitados. Eles foram construídos por todos, em uma equipe de trabalho. O que podemos fazer é [nos focar] em uma ênfase maior, demandar novos esforços e é isso que estamos fazendo, porque esses planos não podem ser congelados no tempo. Ao contrário, devem ser dinâmicos, estar sempre mudando, porque, como ainda continuamos enfrentando ameaças que insistem em prejudicar o povo colombiano, não podemos nos basear em planos construídos há muitos anos, que não sejam modernizados nem atualizados.
Diálogo: Parte dessa modernização é a interoperabilidade maior entre as forças, que o senhor denominou de forças militares multidomínio. Pode explicar melhor este conceito?
Gen Ex Mejía: Durante os últimos dois anos e meio, coube a mim conduzir o Exército no processo que denominamos transformação 1.0. Esse processo finaliza em 7 de agosto de 2018 e, nesse dia, iniciaremos a transformação 2.0, de quatro anos. Então, o processo atual teve que preencher lacunas, fortalecer algumas capacidades, preservar as capacidades estratégicas construídas durante o conflito, melhorar a educação e o treinamento, fortalecer toda a questão da ética e dos valores mediante nossa política de integridade e transparência, entre muitos outros esforços. Agora, com a minha passagem para o comando das forças militares, é o Comando Conjunto quem articula o Exército, a Marinha e a Força Aérea da Colômbia. Neste comando, nós possuímos as responsabilidades que a Constituição nos dá. Dentre essas responsabilidades, fui designado como condutor das forças, tanto em caso de ameaça externa quanto interna.
Diálogo: Mas, como poderá conduzir três forças diferentes, com três culturas diferentes e capacidades diferentes?
Gen Ex Mejía: Certamente, a resposta está em uma organização conjunta, que facilite esse processo de integração entre as Forças Armadas. Em segundo lugar, [por meio] da construção de processos conjuntos através de diretrizes estruturais e, ao mesmo tempo, da construção de uma doutrina conjunta que permita maior articulação. Neste momento, nos encontramos nesse processo de reestruturação que encerraremos, como mencionei, no dia 7 de agosto, que nos permitirá fortalecer o que já construímos: forças que aprenderam a interoperar, forças que atualmente não concebem uma operação em que não estejamos todos unidos, inclusive com a Polícia Nacional, que faz parte do nosso Ministério da Defesa, como também em uma operação conjunta, que garante e deve garantir mais e mais sinergia operacional.
Diálogo: A participação das Forças Militares da Colômbia em missões de paz das Nações Unidas é outro de seus objetivos?
Gen Ex Mejía: Esse é um assunto que precisa ser bem entendido. A máxima prioridade continua sendo a das duas missões principais. Eu as chamo de punho da direita e punho da esquerda: a defesa da soberania e da integridade do território e a luta contra as ameaças internas que, após o acordo de paz, insistem em causar danos ao povo colombiano. Essa é a prioridade, e ninguém deve ter a menor dúvida, mas há outras quatro missões subsidiárias, missões menores. [São] missões que não são o esforço principal, que não ocupam todas as nossas capacidades. Essas missões são denominadas Desenvolvimento País, [que abrangem] a questão da proteção do meio ambiente, a assistência a desastres e a exportação de segurança. Então, a exportação de segurança e a participação em missões de paz fazem parte dessas missões subsidiárias, que não são as fundamentais. É algo que a Colômbia faz tendo em vista, em primeiro lugar, que sofremos muito e, em segundo, que temos muitas nações parceiras que nos ajudaram. Portanto, temos uma visão e uma cultura da corresponsabilidade, o que significa que também precisamos ajudar outras democracias a não sofrer o que a Colômbia sofreu. Assim, nesse contexto, nos próximos anos veremos unidades da Colômbia do tamanho de um batalhão, deslocando-se em apoio a missões de paz. Hoje em dia, só temos um batalhão na Península do Sinai, um batalhão da infantaria leve, e temos observadores militares nas missões de paz da África Central e do Líbano, mas ainda não implantamos o novo batalhão Colômbia número 4, nem decidimos onde será implantada esta unidade.
Diálogo: O senhor falou da proteção do meio-ambiente por parte dos militares. A mineração ilegal é uma atividade que supera o tráfico de drogas, em alguns locais. O que as Forças Militares colombianas estão fazendo para combater este flagelo?
Gen Ex Mejía: O chamado Sistema de Ameaça Persistente é o que insiste em causar danos depois do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O Exército de Libertação Nacional, as dissidências das FARC e grupos armados organizados, como o Clã do Golfo, o Exército Popular de Libertação e outros grupos similares se alimentam das economias criminosas. A Colômbia é um país abençoado com grande riqueza, especialmente em minerais como o ouro e a platina. Infelizmente, esses grupos, essas guerrilhas, depois da queda do muro de Berlim, aprenderam a se alimentar inicialmente do tráfico de drogas. Hoje deram um salto para ampliar esse portfólio criminoso, não só com o tráfico, mas também com a mineração ilegal, o contrabando em fronteiras e a extorsão e o sequestro. O tema da mineração ilegal é um problema que estamos atacando com muita força. Há dois anos, o governo nacional nos solicitou que criássemos a primeira e única brigada – na Colômbia e acredito que no mundo – contra a mineração ilegal. É uma brigada com um componente interagências muito potente, que ataca a mineração ilegal em locais isolados da geografia, integrando muitas instituições do Estado, como a Polícia, o Ministério Público, o Corpo Técnico de Investigações, o Bem-estar Familiar para o atendimento à infância, a Defensoria do Povo para a proteção dos cidadãos etc. É mais difícil fazer uma operação contra a mineração ilegal do que um bombardeio. Então, estamos destruindo centenas de máquinas amarelas gigantescas, que são as que prejudicam o ambiente, que quebram os canais dos riachos, que destroem a selva tropical; destruímos os locais de mineração ilegal, nos quais eles enchem os rios de mercúrio e de produtos químicos para produzir ouro. Os resultados são significativos, mas ainda temos muito que fazer e, depois disso, está a parte mais complexa: recuperar do ponto de vista ambiental os locais de extração ilegal, uma recuperação que levará mais de 100 anos.
Diálogo: O senhor falou da Colômbia como exportadora de estratégia de segurança para outros países. Qual é a importância de trabalhar com as forças armadas dos países da região e também com os Estados Unidos?
Gen Ex Mejía: Antes de tudo, esta é a nossa visão. Já estamos dando alguns passos, mas é uma visão que projetamos com humildade. Não pretendemos ensinar ninguém e nem pontificar nada, mas todas as guerras ajudam a fortalecer suas forças militares. As guerras deixam grandes ensinamentos e estes 52 anos de guerra fizeram com que pudéssemos adquirir capacidades para a segurança nacional que hoje conseguimos exportar para outros países. Para nós, é fundamental a aliança tripartite celebrada com os Estados Unidos e a América Central, porque esta é a região que recebe, infelizmente, o tráfico de drogas que vai da Colômbia, e países irmãos, como El Salvador, Guatemala, Honduras, Costa Rica e Panamá sofrem muito por causa destas circunstâncias. O mínimo que podemos fazer é, com toda humildade, apoiar processos de treinamento, certificação, planejamento operacional, desenho de conceitos estratégicos, entre muitos outros fatores, com o propósito de ajudar na consolidação de suas forças de segurança.
Diálogo: Depois da assinatura do acordo de paz, como será a relação Colômbia-Estados Unidos?
Gen Ex Mejía: Para falar a verdade, a Colômbia possui uma aliança de longa data com os Estados Unidos, há muitos anos. Essa aliança com os Estados Unidos nasceu no princípio do século passado e começa a se fortalecer. Os Estados Unidos nos permitiram combater ao seu lado na Guerra da Coréia e, posteriormente, estivemos juntos em conflitos como o do Canal de Suez e agora na Península do Sinai. Quanto à luta contra o tráfico de drogas, conseguimos estabelecer um grande plano estratégico denominado Plano Colômbia, que foi muito visionário, porque permitiu construir capacidades para lutar contra a ameaça interna e finalmente poder salvar a democracia colombiana. Quando o plano começou, a Colômbia era um país a caminho do abismo e uma democracia que estava em grande perigo. Alguns nos consideravam um país inviável. Este Plano Colômbia permitiu construir capacidades através de um grande processo de intercâmbio, cultura, doutrina, treinamento, recursos, como também interatuando com muitos cidadãos americanos que ofereceram a sua cota de sacrifício para salvar a democracia colombiana. Por isso é que nós – historicamente e agora recentemente nas últimas décadas – assumimos uma atitude real de aliança, de parceria. Tudo isso é um grande contrato entre irmãos, entre parceiros, que nos permite lutar contra o mal. Não estamos lutando contra coisas boas; estamos lutando contra a criminalidade, lutando contra o mal, lutando contra os inimigos da democracia, contra os inimigos da integração, contra os inimigos do desenvolvimento e contra todos esses ideais que são comuns a qualquer democracia.
Diálogo: O senhor construiu sua carreira em um país em guerra. Acredita realmente que seus filhos e netos irão crescer em um país em paz?
Gen Ex Mejía: Essa é uma pergunta muito importante, porque todos os seus leitores devem entender que, embora haja um processo de paz e um resultado de paz real com as FARC, ainda temos que lutar contra outros grupos e combatê-los. Esses outros grupos, como já mencionei, são os que denominamos Sistema de Ameaça Persistente. Aqui, seguimos combatendo, seguimos atacando. Nestes dias temos realizado múltiplas operações de bombardeio e assalto aéreo e, em verdade, continuamos em guerra contra esses agentes geradores da violência. Em todos os nossos planos, temos como estado final uma Colômbia com uma paz estável e duradoura. Porém, para chegar lá, ainda temos um longo caminho a percorrer. Ainda temos batalhas a enfrentar, esforços a realizar, ainda necessitamos de aliados e de parceiros, e precisamos – agora nesta última etapa – do apoio dos Estados Unidos e de todos os aliados, mais do que nunca. E tenho a certeza de que, com a cooperação da institucionalidade na Colômbia e com a coragem e o valor tradicionais das Forças Militares da Colômbia, poderemos conquistar esse cenário futuro de uma Colômbia segura e em paz, uma Colômbia com paz estável e duradoura.