O regime venezuelano continua seus ataques contra supostos oponentes, prendendo atores da sociedade civil por motivos políticos, disse a Missão de Averiguação da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Venezuela (FFMV), em uma de suas últimas atualizações sobre a situação dos direitos humanos no país.
O regime continua com suas tentativas de impedir os protestos dos líderes sindicais, fechar os meios de comunicação e atacar organizações não governamentais, disse a FFMV, durante uma apresentação no final de março ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.
“Esses ataques, tanto à oposição quanto aos jornalistas, já são de muito tempo, de quase 20 anos”, disse à Diálogo Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas. De acordo com Paz, o aumento dos ataques indica que o regime tem mais controle sobre os órgãos reguladores, de segurança e judiciais, o que lhe dá mais flexibilidade para ameaçar as pessoas que criticam o regime.
A crise político-econômica na Venezuela, associada à repressão e aos ataques à população, traz consequências para todos os outros países da América Latina e do Caribe.

“Uma grande primeira questão é em relação ao fluxo migratório. [Há] um grande fluxo de refugiados ou migrantes, especialmente na Colômbia, mas também em muitos outros países, assim como no Brasil”, declarou Paz. “Há também as questões relacionadas a atividades criminosas. A gente tem uma discussão antiga quanto ao regime venezuelano que tem laços com grupos paramilitares, antigos guerrilheiros como as FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], […] seja para garantir de certa maneira ataques a detratores do governo, seja para ajudar nas atividades ilícitas para garantir um retorno financeiro por isso”, completou o pesquisador.
De acordo com a Agência da ONU para os Refugiados, há mais de 5 milhões de venezuelanos vivendo no exterior, para escapar da violência, da insegurança e das ameaças, assim como da falta de alimentos, remédios e serviços essenciais, a grande maioria em países da América Latina e do Caribe.
“As ações e decisões do regime, autocrata, que tem desprezo completo pela democracia, naturalmente afetam a região como um todo, porque é um país importante em termos populacionais e tem a população bastante representativa no espaço sul-americano. Alguns países, como o Brasil, têm acolhido os venezuelanos como refugiados, e isso cria um problema para os países que os acolhem; é um ônus, é um peso”, explica à Diálogo o professor Paulo Afonso Velasco Júnior, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, autor do livro A Venezuela e o Chavismo em Perspectiva, junto com o jornalista Pedro Rafael Mariano de Azevedo.
A expansão da criminalidade transfronteiriça leva à destruição ambiental, instalação de garimpos ilegais, invasão de terras indígenas. De acordo com o relatório da missão, no Arco Mineiro do Orinoco e outras áreas do sul da Venezuela, há alegações de ataques a indígenas, assim como atentados a líderes dos povos indígenas. Um desses casos foi o homicídio de Virgilio Trujillo Arana, líder do povo Piaroa, em 2022. O relatório diz que o assassinato dele tem que ser “seriamente investigado”.
Dois projetos de lei recentes podem ter um grande impacto sobre a capacidade das ONGs de realizar seu trabalho, constatou a FFMV. “Se forem sancionadas, as novas regulamentações consolidarão um controle abusivo do regime sobre a existência, o financiamento e as atividades das ONGs”, disse Francisco Cox Vial, membro da Missão.
A FFMV também enfatizou que pelo menos 282 pessoas ainda estão detidas, incluindo civis e militares, que continuam sendo privadas de acesso a alimentos e tratamento médico e cujas famílias estão sujeitas a ameaças e represálias.
A FFMV também destacou a persistência de um alto número de mortes devido a confrontos com agentes da lei, com mais de 700 mortes em 2022, de acordo com estimativas de ONGs e outras fontes.