A Nicarágua ficou sem acesso a notícias confiáveis. O regime Ortega-Murillo não apenas continua fechando a mídia local e perseguindo seus jornalistas, mas agora está divulgando notícias da agência russa e estação de rádio Sputnik entre cerca de 20 veículos de mídia pró-governamentais da Nicarágua.
“Esta é uma prática que por projeto visa fechar o espaço de informação, para manter a população no escuro, porque a opacidade informativa transmite controle e poder”, disse à Diálogo, em 12 de outubro, María Isabel Puerta, cientista política e doutora em Ciências Sociais, exilada nos Estados Unidos. “A estratégia russa dos meios de comunicação é ampliar sua plataforma em países de língua espanhola. Para [a Rússia], é essencial que sua versão dos acontecimentos – especialmente desde a invasão da Ucrânia – continue a semear a desconfiança na democracia e nos países que são os garantes da democracia.”
A divulgação de notícias russas na mídia nicaraguense é possível após a assinatura de um memorando de cooperação, assinado em 5 de setembro, entre o coordenador da mídia do Conselho de Comunicação e Cidadania da Nicarágua, Daniel Edmundo Ortega Murillo, filho de Daniel Ortega e Rosario Murillo, e Vasili Pushkov, chefe da Direção de Cooperação Internacional da Sputnik.
“Esse acordo vai contra o que o povo nicaraguense exige: liberdade de expressão, liberdade de informação, sem discursos manipulados por quem está no poder, com debates pluralistas, com a possibilidade de ouvir diversas vozes”, disse à Voz de América Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa. “São alianças em que ambas as partes consolidam seu desprezo pelo jornalismo profissional e sua busca para consolidar uma narrativa distante da realidade.”
Mas, o regime não está atacando apenas a mídia local, está atacando também a mídia internacional. “Na CNN en Español, acreditamos no papel vital que a liberdade de imprensa desempenha em uma democracia saudável. Em [21 de setembro], o regime da Nicarágua retirou o nosso sinal de televisão, negando aos nicaraguenses notícias e informações de nossa rede, na qual eles confiam há mais de 25 anos”, disse a rede em um comunicado à imprensa. “A CNN en Español continuará a cumprir sua responsabilidade perante o público nicaraguense, oferecendo nossos links de notícias na CNNEspanol.com, para que eles possam acessar informações que não estão disponíveis de outra forma.”
Rosario Murillo disse à mídia oficial que a rede havia violado a Lei de Segurança Soberana, aprovada em 2015, informou a AFP, mas não forneceu detalhes específicos.
“Os meios de comunicação são pilares fundamentais em um sistema democrático. Consequentemente, para regimes [não democráticos] eles são um inimigo a ser derrotado e subjugado, para que tenham controle sobre a mídia e controle sobre a informação”, acrescentou Puerta. “A desinformação é o que contribui, em grande medida, para sustentar o regime político. Um regime autoritário precisa controlar a opinião pública. Uma mídia livre é sempre um obstáculo nesse sentido.”
De acordo com o último relatório sobre as violações da liberdade de imprensa na Nicarágua feito por Voces del Sur, uma rede regional de organizações da sociedade civil da América Latina, que promove e defende a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, 30 veículos de mídia foram encerrados entre janeiro e agosto de 2022, incluindo 27 estações de rádio, três canais de televisão, cinco noticiários locais, um noticiário nacional e pelo menos cinco programas de opinião.
Por sua vez, a organização Periodistas y Comunicadores Independientes de Nicarágua (PCIN) indica que mais de 120 jornalistas estão no exílio. Somente na Costa Rica, 65 profissionais da mídia digital, impressa, radiofônica e televisiva estão refugiados.
“A perseguição à imprensa na Nicarágua é apenas um reflexo do medo que tem o regime que seja divulgada a realidade que está acontecendo no país”, disse à Diálogo Víctor Pérez, diretor da revista digital nicaraguense ÍnterTextual, e membro do comitê executivo do PCIN. “Alguns dos atos contra a imprensa são o produto de um desespero generalizado que procura apenas silenciar-nos, enquanto informamos a população sobre a realidade do que está acontecendo dentro e fora do país.”
Em meio às circunstâncias que se vivem na Nicarágua, Puerta recomenda a criação de redes de informação, apoiando a mídia independente e tendo cuidado com as informações que são compartilhadas, para não entrar nos canais de desinformação que já existem.
“Sob estes ambientes, onde há um controle de ferro do regime político, para evitar a disseminação de conteúdos [com desinformação], devemos assumir a responsabilidade pelo que divulgamos, para que as pessoas tenham a possibilidade de acessar informações que sejam verdadeiras, reais, verificáveis”, concluiu Puerta.