Alianças não convencionais estão surgindo na região da América Latina e do Caribe. Entre elas está a parceria entre o meio de comunicação estatal russo Russia Today (RT) e o regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo na Nicarágua. Esse vínculo levanta preocupações sobre a imparcialidade informativa e o papel da propaganda russa no contexto regional.
“A união reflete a dinâmica das relações entre Moscou e Manágua nas últimas duas décadas, que são fortalecidas devido aos interesses tanto dos Ortega-Murillo quanto de Vladimir Putin”, disse à Diálogo, em 27 de agosto, Vladimir Rouvinski, professor associado do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Icesi, da Colômbia. “Um dos interesses russos, especialmente em termos de propaganda e desinformação na América Latina, é fortalecer as alianças, tanto locais, como regionais. O objetivo é garantir um canal adicional para exercer influência sobre a mídia e a opinião na região.”
A parceria entre RT e o regime da Nicarágua avançou com um programa de capacitação de cinco dias em Manágua, a capital nicaraguense, para a mídia afiliada ao Conselho de Comunicação e Cidadania da Nicarágua, sendo a terceira abordagem de RT no país, informou a plataforma alemã DW, em 11 de julho.
O Conselho reúne aproximadamente 20 plataformas, canais de televisão e estações de rádio em território nicaraguense, muitos deles de propriedade dos Ortega-Murillo, indica a plataforma argentina Infobae.
Pacote russo
RT tem recursos superiores aos da Nicarágua, porque é um conglomerado com um orçamento significativo, devido ao fato de fazer parte das empresas estatais de segurança estratégica da Rússia. Isso dá ao regime Ortega-Murillo o acesso a financiamento e capacidades técnicas, disse Rouvinski.
Essa cadeia de interesses foi estabelecida em dezembro de 2022, quando o regime nicaraguense, por meio do Conselho acima mencionado, assinou um memorando de entendimento com RT en Español, para “colaborar na busca constante da verdade”, conforme mencionado pela mídia oficial nicaraguense El 19 Digital.
A combinação russa adquirida pela ditadura nicaraguense inclui estações de satélite, programas de capacitação para jornalistas afiliados e acordos destinados a exercer o controle sobre o uso de tecnologias de comunicação, ressaltou Infobae.
RT e Sputnik, financiadas por Moscou, promovem desinformação e propaganda para os objetivos do Kremlin. Além disso, colaboram com outros elementos do ecossistema para ampliar o conteúdo falso e disseminar a desinformação cibernética, afirma na internet o Departamento de Estado dos EUA.
Após a invasão da Ucrânia, Meta limitou sua presença nas redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp, atendendo a uma solicitação da União Europeia. Esta última acusou as redes de serem componentes de uma estratégia de desinformação, informou Infobae. No entanto, a propaganda e a desinformação russas prosperam na América Latina por meio de outros canais.
De acordo com Rouvinsky, RT expande sua influência na América Latina, ao aproveitar a escassez de mídia não ocidental. Também se beneficia da consciência limitada da região sobre suas ações reais e inventa um sentimento antiamericano por meio de táticas manipulativas e promocionais.
“Vários especialistas discutimos o perigo da estratégia da Rússia em expandir sua mídia na América Latina”, declarou Rouvinsky. “No entanto, essa preocupação não chegou aos tomadores de decisão. A resposta deles foi justificar isso como um exercício de liberdade de expressão.”
Rota viável
Considerando que a Nicarágua já enfrenta desafios em termos de liberdade de imprensa e direitos humanos, a cooperação entre RT e Nicarágua, segundo Rouvinsky, poderia resultar na promoção de narrativas que reforçam a imagem desses regimes, silenciando ainda mais as vozes críticas e bloqueando o livre fluxo de informações.
De 2018 a junho de 2023, um total de 208 jornalistas, comunicadores e profissionais de mídia na Nicarágua foram forçados ao exílio devido a assédio, ameaças de prisão e agressões, principalmente perpetradas por policiais, informou a plataforma norte-americana CNN. Mais de 50 meios de comunicação foram confiscados pelo regime de Ortega-Murillo, de acordo com o diário nicaraguense Prensa Libre.
Quanto a possíveis medidas para neutralizar o impacto negativo dessas colaborações entre RT e a ditadura nicaraguense, vários especialistas estão analisando a legislação vigente na América Latina para proteger a opinião pública da manipulação de informações e da deterioração da qualidade das informações, disse Rouvinsky.
Nesse contexto, “o acesso a informações verdadeiras é um direito humano fundamental. Nesse sentido, o fortalecimento desse direito surge como um caminho viável para o progresso. Um aspecto crucial dessa medida é aumentar a conscientização coletiva sobre a verdadeira natureza e a transcendência da mídia, incluindo parcerias como a que existe entre RT e Nicarágua”, concluiu Rouvinsky.