No estado de Miranda, na região cacaueira de Barlovento, a cerca de 100 quilômetros a oeste de Caracas, o comércio de chocolate venezuelano é muito amargo. Enquanto os produtores da região enfrentam uma série de dificuldades – a burocracia, o roubo e até o confisco dos grãos de cacau pelas forças de segurança –, uma empresa ligada ao regime de Maduro se acotovela com distribuidores de chocolate nos mais importantes eventos mundiais do setor.
Embora o cacau venezuelano represente apenas um por cento do cacau comercializado em nível mundial, segundo a Organização Internacional do Cacau, o produto é considerado um dos melhores pelo seu aroma e qualidade.
Os Flores e o cacau
Segundo investigações da plataforma digital venezuelana Armando Info, a empresa Especialistas Agrícolas Integrados Companhia Anônima (ESAICA), fundada em Barlovento em 2015, conta entre seus membros com familiares de Cilia Flores, esposa de Nicolás Maduro. Entre eles estão Mariana Staudinger, esposa de Yosser Gavidia Flores (filho de Cilia Flores), e Jenifer Fuentes, companheira de Walter Gavidia Flores (filho de Cilia Flores). Também está indicada como sócia Erika Albornoz Gavidia, sobrinha de Walter Gavidia Rodrígues, líder chavista e ex-marido de Cilia Flores.
Mariana Staudinger, Yosser Gavidia Flores e Walter Gavidia Flores foram sancionados pelo Departamento do Tesouro dos EUA em julho de 2019 por terem participado de atos de corrupção relacionados ao programa de alimentos subsidiados pelo regime de Maduro, conhecido como CLAP. Outro sócio, segundo a Armando Info, é Mario Bonilla, amigo dos filhos de Cilia Flores e um dos suspeitos acusados em 2018 por um tribunal da Flórida de um esquema de lavagem de dinheiro de US$ 1,2 bilhão.
“Estão fazendo com o cacau o mesmo esquema que estão tentando aplicar com o ouro”, disse à Diálogo um porta-voz da Acción Campesina [Ação Agrícola], uma organização venezuelana que defende os direitos do agricultor. “Há toda uma estrutura criminosa em torno do cacau, com a presença de entidades de segurança do Estado, que afeta alguns produtores e outros permanecem intocáveis. Tudo isso para beneficiar o governo”, acrescentou o homem que pediu anonimato com medo de represálias.
Apesar de estar localizada na zona mais violenta do país – com os mais altos índices de homicídios, sequestros e roubos, segundo o Observatório Venezuelano de Violência (OVV) –, a ESAICA não sofre os mesmos problemas dos demais produtores, dizem as organizações cívicas como o OVV e a Acción Campesina. Em sua página da web, a empresa promove seu negócio com galerias de fotos de seus estandes em feiras na França, Japão e Holanda, com imagens serenas de seus cultivos.
Os outros produtores, no entanto, enfrentam cenários cada vez mais difíceis. Muitos são presas de ladrões que lhes roubam o cacau nos campos e o vendem no mercado negro, bem como de quadrilhas criminosas que praticam extorsões, informa o OVV. Por sua parte, o governo freia a exportação do cacau com burocracia, impondo até 20 etapas de trâmites burocráticos com diferentes ministérios para permitir a exportação.
Em dezembro de 2018, produtores disseram à agência internacional de notícias Reuters que haviam perdido nos postos de controle do governo mais de 80 toneladas de cacau em grão. Mais recentemente, em maio de 2019, a Guarda Nacional Bolivariana de Miranda informou em seu perfil no Twitter que foram retidos mais de 26.500 quilos de cacau por falta de documentação legal.
“Os comboios que levam o cacau deles [da ESAICA] são protegidos pela Guarda Nacional, enquanto os outros comboios são detidos e confiscados pela mesma Guarda Nacional”, disse o porta-voz da Acción Campesina.
Os produtores afetados, informou a Armando Info, tentaram recuperar a mercadoria prestando queixas a vários órgãos governamentais, mas o cacau foi entregue à Corporação Socialista de Cacau Venezuelano (CSCV) – órgão do Ministério da Agricultura que administra e desenvolve as atividades do Estado na produção, processamento e distribuição do cacau.
Um labirinto burocrático
No estado de Miranda, os produtores enfrentam ainda mais dificuldades desde que o chavista Héctor Rodríguez assumiu o cargo de governador, em outubro de 2017. Sob seu plano “Miranda cheira a cacau”, Rodríguez criou uma estrutura burocrática que regulamenta o preço do cacau, impõe uma cota ao produtor, a qual é paga à prefeitura correspondente, e depois exporta a mercadoria a preço internacional.
De acordo com o grupo de estudos venezuelano Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico para a Liberdade (CEDICE Libertad, em espanhol), uma tonelada de cacau venezuelano é avaliada em até US$ 8.000. O governo diz produzir 35.000 toneladas de cacau por ano.
Poucas são as companhias que conseguem superar o sistema, informa a CEDICE Libertad, e os produtores se veem obrigados a vender sua mercadoria ao governo a um preço muito abaixo do seu valor.