Com o início do ano eleitoral na Venezuela, Nicolás Maduro adotou uma série de medidas que distanciam o país do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e visam o fechamento do espaço cívico.
Um sinal do que estava por vir foi lançado em dezembro, quando o promotor do regime, Tarek William Saab, ordenou a prisão de Roberto Abdul, diretor da ONG venezuelana Súmate, que monitora a legalidade dos processos eleitorais.
Abdul ficou preso por vários dias sob a acusação de “traição”, confinado no Serviço Bolivariano de Inteligência, que é a polícia política de Maduro. Ele foi libertado em 20 de dezembro, como resultado de um processo de negociação do qual participaram representantes da oposição e do governo dos EUA.
Isso não impediu que Maduro continuasse a perseguir seus oponentes, críticos e representantes de ONGs. Nas semanas seguintes, a ditadura privou de sua liberdade e acusou de terrorismo quatro ativistas regionais de Vente Venezuela, o partido liderado por María Corina Machado, vencedora das primárias da oposição realizadas em outubro de 2023 e que era a principal oponente de Maduro nas urnas.
Em 9 de fevereiro, começou uma nova etapa desse processo, quando foi detida a advogada Rocío San Miguel, diretora de Control Ciudadano, uma organização dedicada à análise de questões militares e de segurança. San Miguel foi presa no aeroporto de Maiquetía junto com sua filha. Outros familiares da advogada foram privados da liberdade, quando foram ao aeroporto para retirar suas bagagens, ou para solicitar informações sobre seu paradeiro. Entre eles estavam dois irmãos e seu marido, o Coronel (R) Alejandro González de Canales, da Aviação.
O destino de San Miguel ficou desconhecido por 72 horas. Organizações da sociedade civil, como Acceso a la Justicia, alertaram que a ativista estava sendo vítima de desaparecimento forçado. No terceiro dia, o promotor do regime confirmou, sem revelar seu lugar de confinamento, que San Miguel estava sob custódia, acusada de uma suposta conspiração para assassinar o autocrata venezuelano.
Em 13 de fevereiro, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Caracas declarou em sua conta em X que estava acompanhando com “profunda preocupação o processo contra San Miguel. Seu paradeiro ainda é desconhecido, o que poderia efetivamente qualificar sua detenção como um desaparecimento forçado”.
Com o mesmo objetivo, a Missão Independente de Apuração de Fatos da ONU, por meio de sua porta-voz, Marta Valiñas, fez a mesma declaração. Em seguida, a ditadura venezuelana expulsou do país a equipe que compunha o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Esse grupo de doze pessoas estava em Caracas de forma permanente desde 2019, quando o próprio regime lhes concedeu a permissão correspondente. Em um comunicado, o ministro das Relações Exteriores, Yván Gil, afirmou que a medida será mantida “até que eles retifiquem publicamente sua atitude colonialista perante a comunidade internacional”.
De acordo com a diretora de Acceso a la Justicia, Laura Louza, o caso de San Miguel destaca “um padrão que consiste em deter uma pessoa e aplicar medidas semelhantes a seus familiares mais próximos”.
“A diferença é que essa forma de agir não havia se tornado visível, e também acho que é importante ressaltá-la, porque era conhecida no campo dos direitos humanos, era conhecida no campo da comunidade internacional por aqueles que se dedicam a isso, mas não pela população em geral”, disse Louza, em 15 de março, em uma conversa com Diálogo. “Maduro entrou em outro nível, pois não está mais interessado em manter certas aparências. O oficialismo está disposto a pagar o alto custo dessas decisões contra a missão da ONU, com o objetivo de se manter no poder.”
Nesse contexto, a organização Civicus, dedicada ao monitoramento internacional dos direitos humanos, advertiu que o espaço cívico na Venezuela foi fechado.
“Vários mecanismos de censura são aplicados, como parte de uma estratégia para perseguir os defensores dos direitos humanos e limitar a expressão crítica ao regime”, disse a organização em fevereiro.
Louza argumentou que a prisão de San Miguel constitui uma mensagem de advertência para a oposição de que Maduro e seu regime estão dispostos a ultrapassar todos os limites em função, para permanecer no poder. “Temos menos liberdades. Há coisas que costumávamos fazer e que já não podemos fazer, não apenas nós das ONGs, mas todos os venezuelanos, os habitantes do país”, afirmou.
Gerando terror
Em 19 de fevereiro, o Foro Penal informou que há 264 presos políticos na Venezuela. Nesse grupo, há 147 militares e 19 são mulheres, como Rocío San Miguel.
Esse é o número no início do ano eleitoral na Venezuela. De acordo com Marino Alvarado, coordenador de Exigibilidade da organização Provea, o futuro imediato do país será caracterizado por “um aumento da repressão por motivos políticos”.
“Líderes visíveis e não tão visíveis serão afetados, tentando gerar terror. Haverá um aumento da perseguição às organizações da sociedade civil, especialmente aquelas ligadas à promoção do voto e à observação eleitoral”, prognosticou Alvarado à Diálogo.
O Poder Eleitoral da Venezuela dominado pelo oficialismo anunciou, em 5 de março, que a eleição presidencial será realizada em 28 de julho.
Alvarado advertiu que a ditadura fechará as possibilidades de acesso à mídia para todas as opções que não sejam Maduro. “Quanto mais nos aproximarmos da data da eleição, mais aumentará a repressão, como forma de incutir o medo. Isto pode até incluir líderes comunitários dispostos a colaborar com o processo de observação e de participação nas mesas”, ressaltou.