O Parlamento venezuelano, majoritariamente pró-regime, aprovou a criação de um novo estado em Essequibo, território da Guiana, que é objeto de uma longa disputa entre os países vizinhos, informou Reuters, em 21 de março.
A lei aprova o novo estado, denominado Guayana Esequiba. As fronteiras do estado seriam o Oceano Atlântico ao norte, o Brasil ao sul, a Guiana a leste e os estados venezuelanos de Delta Amacuro e Bolívar a oeste, informou Reuters.
Essa ação é a mais recente tentativa de Nicolás Maduro de se apoderar desse território rico em petróleo e minerais. Tanto Maduro quanto o presidente da Guiana, Irfaan Ali, concordaram em 14 de dezembro de 2023 em não aumentar as tensões e, em vez disso, resolver a disputa por meio do diálogo e seguindo o direito internacional, informou CNN.
A reunião entre Maduro e Ali ocorreu uma semana depois que o regime venezuelano realizou um referendo para reivindicar a soberania sobre Essequibo, no qual as autoridades eleitorais venezuelanas afirmaram que mais de 10 milhões de venezuelanos votaram a favor da anexação. Especialistas, no entanto, disseram que o referendo do regime foi uma farsa, destacando que os resultados não foram divulgados e que as urnas, em sua maioria, estavam vazias no dia da votação.
Apesar do acordo com Ali, Maduro manteve sua postura desafiadora, aumentando as tropas na fronteira com a Guiana e destacando forças na fronteira da selva, informou The Guardian, no início de fevereiro.
Uma investigação publicada em 9 de fevereiro pelo think tank Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS), sediado em Washington, revelou que a Venezuela destacou pelo menos três lanchas rápidas de fabricação iraniana equipadas com lançadores de foguetes superfície-superfície.
Essas embarcações foram incorporadas à frota naval venezuelana em agosto de 2023, de acordo com informações da Marinha. Da mesma forma, o site Defensa, especializado em assuntos militares, indicou que, em março de 2022, os iranianos entregaram outras quatro embarcações, equipadas com lançadores de foguetes Fajr 1 de 107 mm. Essa é a primeira vez que o Irã entrega essa tecnologia a um país das Américas, indica a publicação.
“As embarcações que eles venderam com o sistema de mísseis superfície-superfície são uma prova de uma abordagem assimétrica”, explicou à Diálogo, em 19 de março, o Contra-Almirante (R) Carlos Molina Tamayo, da Marinha Bolivariana, ex-chefe da Diretoria de Armamento das Forças Armadas da Venezuela. “São lanchas com uma superfície de baixa reflexão de radar, com alta velocidade, de 50 nós [93 quilômetros por hora], que podem se aproximar de embarcações de grandes toneladas e causar danos consideráveis às mesmas.”
A aproximação entre as forças armadas da Venezuela e do Irã se intensificou em 2020, devido ao projeto de fornecer à Venezuela drones capazes de realizar tarefas de vigilância, reconhecimento e ataque de alvos, acrescentou Molina. O projeto se estendeu à entrega de lançadores de foguetes para a frota de lanchas rápidas fabricadas no estaleiro Damen, em Matanzas, Cuba.
O CSIS indica que as lanchas permanecem em uma cidade perto da fronteira com a Guiana, onde está localizada uma das bases da Marinha no leste do país. “Se forem estacionados em Punta Barima, esses barcos poderiam dar à Venezuela a capacidade de atingir alvos em Essequibo e nas águas de Essequibo em menos de uma hora”, alertou o CSIS.
“A Guiana não tem uma Marinha que possa enfrentar a Venezuela. Não tem embarcações militares que seriam um bom alvo para esses mísseis iranianos. Acho que o regime não definiu bem as táticas que tem para esses barcos naquele lugar”, afirmou Molina. “Essas embarcações operam bem no Golfo Pérsico, que é um oceano mais calmo, mas o Atlântico, que vai até a foz do Orinoco, é mais aberto e tem suas dificuldades, pois o estado do mar muda constantemente.”
Cabeça de praia
O Irã e a Venezuela mantêm relações diplomáticas há mais de 73 anos. Ambos os regimes fortaleceram esse vínculo ao serem membros fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Em junho de 2023, o presidente da República Islâmica, Ebrahim Raisi, declarou durante uma visita a Caracas que o relacionamento com a Venezuela era “estratégico”, porque ambos compartilham “interesses, visões e inimigos comuns”.
“A Venezuela é para o Irã uma base avançada no hemisfério, ou seja, uma cabeça de praia”, advertiu o General de Brigada (R) Manuel Christopher Figuera, ex-diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin).
Durante uma entrevista à Diálogo, Figuera, que se distanciou do regime de Maduro durante o levante de abril de 2019, indicou que os iranianos estavam cooperando nessa área, facilitando os processos de treinamento para os militares venezuelanos.
Ele disse que o sistema de drones Arpía (Mohajer-2), fornecido pelo Irã à Força Aérea da Venezuela, “não funcionou”.
“Eles os trouxeram para montá-los na Venezuela. Não é que eles os estivessem fabricando no país, eles os estavam fazendo fora e treinando os operadores”, afirmou. “Eles selecionaram um pequeno grupo e estão treinando-os lá [no Irã].”
As Forças Armadas da Venezuela são as primeiras forças armadas latino-americanas a ter drones armados em seu inventário, “cortesia do Irã”, disse Joseph Humire, diretor do think tank Centro para uma Sociedade Livre e Segura, em um comentário para The Heritage Foundation.
Para o CSIS, as ações de escalada de Maduro não estão isentas de riscos, pois “ainda é incerto se Maduro pode evitar eficazmente os mal-entendidos e gerenciar as forças que ele desencadeou”.