O presidente interino da Venezuela Juan Guaidó continua a pressão para que a comunidade internacional coloque o ouro venezuelano na lista dos chamados “minerais de conflito”.
O presidente da Assembleia Nacional – reconhecido por mais de 50 países como presidente interino da Venezuela – expôs o problema que denominou “ouro de sangue” durante sua apresentação no Fórum de Davos, na Suíça, em janeiro de 2020, e reiterou sua petição em reuniões técnicas com membros do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, como declarou à imprensa no final de fevereiro.
A extração de ouro do Arco Minerador do Orinoco – uma área que representa 12 por cento do território venezuelano e abrange a região norte dos estados de Bolívar e Amazonas – não apenas gera problemas ecológicos e de saúde para a população, mas também intensifica os crimes violentos, disse o presidente interino.
Em fevereiro, a organização não governamental Human Rights Watch (HRW) denunciou o que considerou “horríveis abusos” os sofridos pelos habitantes das regiões de mineração. Nos casos mais graves, informou a HRW, os criminosos executaram e esquartejaram em público os que não cumpriam suas regras. José Miguel Vivanco, diretor da HRW Américas, denunciou que as áreas de mineração estão em poder dos grupos armados, alguns deles ligados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e ao Exército de Libertação Nacional, bem como a gangues criminosas conhecidas como “sindicatos”. Pessoas entrevistadas pela HRW informaram que viram militares cobrando subornos e que um alto funcionário do regime de Maduro esteve presente durante vários incidentes.
Segundo o diretor do Observatório Venezuelano da Violência, Roberto Briceño-León, desde 2016 o estado de Bolívar tem ascendido sua posição entre os demais estados, com os índices de homicídios mais altos do país. Em 2019, ocupou o segundo lugar, com 84 homicídios para cada 100.000 habitantes.
Ele disse ainda que desde 2017 o município com o mais alto índice de homicídios é El Callao, onde há uma intensa atividade de mineração. Em 2019, acrescentou, o estado contabilizou 368 homicídios para cada 100.000 habitantes.
“Em El Callao o índice de mortes por resistência à autoridade é três vezes superior ao de homicídios. Em 2019, predominou a violência aplicada pelas instituições policiais ou militares. Isso se deve à intenção de manter um certo controle sobre a riqueza das minas”, explicou.
Em outras partes de Bolívar, no entanto, a violência associada à atividade de mineração tem a ver com as tentativas de apropriação do ouro já extraído. Segundo Briceño-León, o ouro substituiu quase por completo a moeda local, o bolívar, como moeda de compra em lugares como Puerto Ordaz, localidade do município de Caroní e sede de empresas mineradoras.
O ex-governador do estado de Bolívar, Andrés Velásquez, afirmou que declarar o ouro venezuelano como mineral de conflito impactaria as finanças do regime, mas também a dos grupos armados que se beneficiam da atividade. Segundo seus cálculos, o Banco Central da Venezuela só recebe de 30 a 40 por cento do metal obtido no Arco Minerador.
Ele disse que as disputas pelo controle da mineração em Bolívar provocaram mais de 40 massacres desde 2006 e que tenta trabalhar com organizações internacionais para tornar visível a violência ligada à mineração.
Uma nova legislação, o regulamento sobre os minerais de zonas de conflito, entrará em vigor em toda a União Europeia no início de 2021. Seu objetivo será contribuir para deter o comércio de estanho, tântalo, tungstênio e ouro, que são extraídos através do trabalho forçado ou que são utilizados para financiar os conflitos armados.
De acordo com Daniel Valero, consultor venezuelano para mercados de metais preciosos, um dos maiores problemas para pôr em prática uma medida como essa é a determinação da origem dos carregamentos de metais que podem estar no exterior.
“É preciso encontrar provas que permitam estabelecer a origem do metal e estudar também as rotas dos possíveis contrabandos”, explicou. O especialista advertiu ainda que seria muito difícil retirar depois a classificação de um país como origem ou fonte de minerais de conflito.