Seis semanas após o regime de Nicolás Maduro ter decretado “emergência nacional”, as manifestações começam a se multiplicar em todo o país, algumas delas acompanhadas por atos de vandalismo e saques.
Episódios como os de Cumanacoa, um povoado do estado de Sucre a 900 quilômetros a leste de Caracas, e de Upata, a 800 km a sudeste da capital, onde estabelecimentos comerciais foram vandalizados, com um saldo parcial de sete feridos e um morto (Upata), são um indicador do que Rafael Uzcátegui, coordenador da organização não governamental (ONG) Provea, classificou como “o início das mobilizações populares”.
“São preocupantes as condições sob as quais se realiza essa quarentena. Não há serviços de água ou de luz, como já ocorria antes da epidemia. Tampouco há combustível. Além de tudo, agora temos uma taxa maior de empregos informais, acima de 50 por cento, o que dificulta muito o abastecimento de alimentos para a população”, explicou o porta-voz da entidade de defesa de direitos humanos.
Segundo o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais, a partir de março a falta de combustível surgiu como um fator detonante das manifestações, especialmente nas áreas centro-norte, andina e ocidental do país. As filas nos postos de abastecimento de gasolina são mais longas no Distrito Capital, onde se relata uma espera de mais da metade do dia para obter 20 litros de combustível.
A Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e as polícias tiveram que substituir funcionários para evitar confrontos e arbitrariedades. Embora a situação em Caracas e no estado de Miranda indique o anúncio de protestos similares aos de Sucre e Bolívar, os especialistas creem que a reação militar será muito mais rápida e contundente.
“Em Upata e Araya, os protestos foram permitidos e em seguida entraram em ação. Mas essas são localidades isoladas. A FANB administra a força como lhe convém. Isso seria diferente se ocorresse nas cidades grandes”, explicou o General de Brigada (R) do Exército venezuelano Gonzalo García Ordóñez.
Esse oficial comandou cinco guarnições atuais de Zonas Operacionais de Defesa Integral (ZODI) e depois atuou como chefe do Comando Unificado da Força Armada Nacional (CUFAN), equivalente ao atual Comando Estratégico Operacional da FANB.
Na sua opinião, há um tratamento diferenciado do governo com relação à capital, comparado com o resto do país. Ele disse que a escassez de gasolina vinha sendo recorrente nos estados andinos desde 2015, o que só passou a acontecer em Caracas a partir do final de março de 2020. O oficial advertiu que qualquer protesto no Distrito Capital, como os ocorridos em Sucre e Bolívar, será impedido a qualquer custo, visto que se trata do centro de decisões políticas e ali há uma maior visibilidade.
Essa diferença também foi observada pela diretora da ONG venezuelana Controle Cidadão, Rocío San Miguel. Ela lembrou que até 2017 as instituições de repressão atuavam para “esmagar” as manifestações.
“É possível que eles, ao se sentirem também afetados, bem como suas famílias, coloquem-se como simples observadores dessa dinâmica. Agora, o comportamento não é o de acionar o gatilho desde o início”, disse San Miguel.
Fadiga em dobro
Na medida em que a quarentena se estende e cresce a exigência de um controle maior, também se intensificará a fadiga dos membros das instituições de segurança encarregados de aplicá-lo.
De acordo com San Miguel, esse será um “elemento chave” na tomada de decisões por parte do regime.
“Existem outras instituições de segurança além da Guarda Nacional. Elas estão adotando um conceito de união cívico-militar-policial. É disso que Maduro lançará mão, através da Milícia Nacional Bolivariana”, disse.
Para o ex-chefe do CUFAN, o regime poderá aliviar o cansaço físico dos militares e policiais ao estabelecer pautas relevantes. No entanto, para ele a maior pressão para os funcionários é quanto ao aspecto psicológico. Ele indicou que é exigida lealdade total ao governo, pois do contrário os corpos de contrainteligência poderão agir até mesmo contra os familiares daqueles que manifestarem algum descontentamento.
“Estamos diante de um comando militar absolutamente politizado e isso também gera um esgotamento das camadas inferiores da Força Armada Nacional […]. Já não basta cumprir a missão. É preciso fazer um esforço adicional para eliminar quaisquer dúvidas”, afirmou.
Outro fator que influencia o esgotamento é a perspectiva de uma prolongação da quarentena, que já foi estendida por Maduro até o dia 13 de maio. García Ordóñez informou que a impossibilidade de atacar efetivamente a pandemia, além da escassez de combustível, obrigarão o regime a prorrogar a medida pelo menos até julho.
Em Provea, espera-se um confinamento obrigatório por mais tempo.
“Nós havíamos feito um plano de trabalho de três meses, até junho. Mas já avaliamos uma prorrogação desse período até o mês de agosto”, revelou Uzcátegui.