A maior produtora de compostos de lítio da China, Ganfeng Lithium Co, adquirirá por US$ 962 milhões a companhia privada Lithea Inc, que possui os direitos sobre os lagos de sal de lítio na província argentina de Salta, para garantir mais recursos para a produção de metais para produzir baterias, informou a Reuters.
“Há cada vez mais pressão sobre os próprios lagos salgados e isto não é suficientemente discutido e avaliado”, disse à Diálogo Pía Marchegiani, diretora de Política Ambiental da ONG Fundación Ambiente y Recursos Naturales da Argentina, em 25 de julho. “Não ter informações e não poder falar com a empresa é outro problema.”
O acordo, segundo a Reuters, ajudaria a empresa chinesa a fortalecer “o projeto de seus recursos de lítio rio acima e sua autossuficiência”, à medida que a exigência pelo metal aumenta diante do rápido crescimento da demanda por veículos elétricos.
A Lithea tem ativos de lagos salgados em Pozuelos e Pastos Grandes, a oeste de Salta, explicou a rede de notícias Bloomberg. Espera-se que sua primeira fase de produção tenha uma capacidade anual de 30.000 toneladas de carbonato de lítio.
“As empresas chinesas não têm altos padrões ambientais”, afirmou Marchegiani. “A preocupação pelo crescimento dessas empresas é a falta de transparência, a violação dos direitos humanos e a relação assimétrica que elas têm com as comunidades locais, onde seus projetos são realizados.”
Posição dominante
Argentina, Bolívia e Chile, conhecidos como o Triângulo do Lítio, concentram mais de 70 por cento das principais reservas em salinas facilmente exploráveis e economicamente mais rentáveis, de acordo com o relatório Lítio na América do Sul, emitido pela Universidade Nacional de Entre Ríos, Argentina.
A demanda por esse metal gera uma enorme pressão das corporações chinesas no Triângulo do Lítio pela apropriação, controle e segurança do recurso, segundo a revista Cuadernos de Economía Crítica, da Sociedade de Economia Crucial da Argentina e do Uruguai.
O lítio é usado em baterias que alimentam milhões de dispositivos como marca-passos, smartphones, plantas solares e o crescente mercado de carros elétricos. Estima-se que até 2050 haverá 70 milhões de veículos elétricos no mundo, informa online o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do México.
“A maior parte da fabricação de baterias está na China. Pequim controla de 80 a 90 por cento da capacidade global. Esta é uma posição extremamente dominante para um país”, disse à Voz da América Michelle Michot Foss, investigadora de Energia, Minerais e Materiais do Centro de Estudos de Energia do Instituto Baker da Universidade Rice, de Houston, Texas.
Fome de lítio
A Ganfeng está relacionada a numerosas violações de direitos humanos e impactos ambientais em projetos e investimentos na América Latina, de acordo com um relatório do Coletivo sobre Financiamentos e Investimentos Chineses, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CICDHA), uma ONG que protege os direitos civis no hemisfério.
A empresa chinesa não só está buscando adquirir a Lithea, mas em junho começou a construção do projeto de lítio Mariana na salina de Llullaillaco, em Salta. O projeto deve produzir 20.000 toneladas de carbonato de lítio por ano para exportação, informou a plataforma baseada nos EUA World Energy Trade.
Além disso, tem participação no projeto Cauchari-Olaroz nas províncias argentinas de Jujuy, Salta e Catamarca, cuja produção está prevista para o final de 2022 e visa uma produção anual de 40 000 toneladas de carbonato de lítio, informou a Bloomberg.
Nesse projeto, os estudos de impacto ambiental da empresa não foram realizados com informações suficientes para avaliar as conseqüências da extração de lítio sobre os ecossistemas, afirma o relatório do CICDHA. Também viola o direito de consulta prévia aos povos indígenas afetados.
Ela também extrai mais água da bacia do que entra naturalmente. As técnicas de extração utilizadas pela empresa chinesa implicam em um risco de salinização, que poderia afetar o acesso à água, as atividades produtivas e a flora e fauna silvestres de várias comunidades indígenas.
As empresas chinesas também estão tentando expandir suas operações para industrializar o lítio que possui a Bolívia na salina de Uyuni, um dos maiores desertos salinos do mundo, bem como para explorar o mineral na salina de Atacama, no Chile. Em 2021, o maior produtor mundial de lítio foi a Austrália, seguida pelo Chile e depois pela Argentina, relatou online a plataforma de notícias alemã DW.
“A China chega a essas latitudes onde o lítio é mais barato porque há menos padrões sociais e ambientais, onde as comunidades estão muito isoladas, com dificuldades para mobilizar-se”, disse Marchegiani. “Um cenário ideal para os interesses chineses.”
“Precisamos que o governo chinês fiscalize o comportamento ambiental e social de suas empresas no exterior. Esperamos que eles cumpram. Não esperamos que eles façam mais nada”, disse à Diálogo Julia Cuadros, membro do conselho diretivo da ONG CooperAcción Peru, membro do CICDHA.
“A China tem um histórico de utilizar a interdependência econômica como arma”, disse à Voz da América Benjamin Gedan, subdiretor do Programa América Latina, do Centro Woodrow Wilson, em junho. Amanhã, possivelmente Argentina, Bolívia ou Chile “não terão acesso direto ao seu próprio lítio [para industrializá-lo] e terão que negociar com a China, com a assimetria desse poder”, concluiu Marchegiani.