Na madrugada de 20 de setembro, o venezuelano Nicolás Maduro iniciou uma intervenção com milhares de policiais e militares na Prisão Judicial do estado de Aragua, mais conhecida como prisão de Tocorón, que se tornou o principal centro de operações da mega gangue internacional El Tren de Aragua. A prisão está localizada a 100 quilômetros a oeste de Caracas.
“O [regime] sabia o que estava acontecendo lá porque era evidente”, disse Roberto Briceño-León, diretor da ONG Observatório Venezuelano da Violência, em uma conversa com Diálogo, em 23 de outubro. “As autoridades sabiam do fato e o permitiram, por qualquer razão que você queira imaginar, mas permitiram.”
“Quando 11.000 soldados e policiais invadiram a prisão, descobriram um campo de beisebol profissional, piscinas, playgrounds infantis e até mesmo um pequeno zoológico com macacos e flamingos”, informou The Washington Post. “Eles também encontraram túneis de concreto para entrar e sair e 200 mulheres e crianças vivendo no local. O que não encontraram foi o prisioneiro mais famoso de Tocorón: Héctor Guerrero, conhecido como El Niño.”
Guerrero é o líder do Tren de Aragua, a gangue criminosa mais proeminente da Venezuela. De acordo com Transparência Venezuela, uma ONG com sede em Caracas, essa gangue é “a maior e mais poderosa organização criminosa do país sul-americano, pois conta com 4.000 assassinos de aluguel e alianças com outras estruturas menores”, observa a ONG.
Três dias após a intervenção em Tocorón, o escritório da Interpol em Caracas emitiu um aviso vermelho internacional para que Guerrero fosse procurado e capturado, o que desencadeou uma intensa caça internacional ao indivíduo.
Mais tarde, a ONG Observatório Venezuelano de Prisões alertou que Guerrero havia abandonado a prisão na véspera da operação, junto com vários de seus principais colaboradores. O porta-voz da ONG, Humberto Prado, disse que houve uma negociação prévia entre o regime e o criminoso e sua camarilha.
Essa opinião é compartilhada por Briceño. De acordo com o sociólogo, um dos motivos para a intervenção na prisão foram as constantes reclamações dos governos latino-americanos. “Houve reclamações dos governos vizinhos, que consideraram muito complicado para seus próprios países continuar a manter relações com um regime que permite a existência do Tren de Aragua, que lhes causa enormes problemas”, afirmou, referindo-se à Colômbia e ao Chile.
Maduro atribuiu a fuga de Guerrero à corrupção de quatro funcionários ligados ao seu aparato de segurança. Entretanto, de acordo com Briceño, a relação entre Guerrero e o ditador era profunda. “O regime venezuelano estava ciente do que estava acontecendo na prisão de Aragua”, acrescentou.
“O Tren de Aragua fazia parte das composições de poder que, por algum tempo, ocorreram no estado de Aragua, assim como muitas coletividades que prestavam serviços ao regime”, lembrou Briceño. “Isso aconteceu em momentos diferentes. Mesmo quando o governador de Aragua era Tareck el Aissami, havia vínculos estreitos entre esse grupo e os operadores políticos.”
Aissami foi governador do estado de Aragua de 2012 a 2017 e foi nomeado vice-presidente executivo da Venezuela em janeiro de 2017. Em 2019, ele foi adicionado à lista dos mais procurados pela justiça dos EUA, por facilitar o envio de narcóticos por meio de aviões sob seu controle e várias rotas de drogas através dos portos venezuelanos. Além disso, ele supervisionou ou foi proprietário parcial de várias remessas de narcóticos de mais de 1 tonelada cada uma, com destino ao México e aos Estados Unidos, informa o site do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA.
O documento emitido pela Interpol especifica que Guerrero é procurado pelos crimes de sequestro, extorsão, tráfico de drogas e terrorismo. Ele é considerado responsável por uma série de ataques com explosivos contra as sedes da Polícia Nacional Bolivariana, da Guarda Nacional e do Corpo de Investigações Científicas, Criminais e Criminalísticas, perpetrados a partir de julho de 2019. De acordo com o aviso vermelho, o líder do Tren de Aragua poderia estar no Brasil, Chile, Colômbia, Equador ou Peru.
Após a intervenção, as autoridades peruanas informaram que haviam prendido um líder de uma célula dessa organização criminosa. De acordo com o portal Infobae, um grupo especial foi criado na Colômbia para seguir os passos de Guerrero. Para Fermín Mármol García, presidente da comissão de segurança da Fedecámaras, que reúne os líderes empresariais venezuelanos, está claro que o regime de Maduro mudou seu tom com relação à organização criminosa.
“Mas, como cidadão, gostaríamos que fossem iniciadas investigações criminais para estabelecer as responsabilidades, por ação e omissão, de um grupo de funcionários que estavam por trás da perversão em que se transformou a prisão de Tocorón”, concluiu Mármol.