O governo interino da Bolívia “suspendeu” suas relações diplomáticas com Cuba no dia 24 de janeiro de 2020, em mais uma medida adotada pela presidente direitista Jeanine Áñez, para se afastar da política exterior de seu antecessor, Evo Morales.
“O Ministério das Relações Exteriores do Estado Plurinacional da Bolívia comunica à opinião pública nacional e internacional que tomou a decisão de suspender as relações diplomáticas com a República de Cuba a partir desta data”, disse o ministro da Presidência e chanceler interino Yerko Núñez.
Núñez, que substitui temporariamente a chanceler titular Karen Longaric, que está em missão na Organização dos Estados Americanos em Washington, classificou como “inadmissíveis” as declarações do chanceler cubano Bruno Rodríguez, que disse no dia 22 de janeiro que Áñez é “golpista autodeclarada”.
A decisão do governo de Áñez, que assumiu o poder dois dias depois da demissão de Morales no dia 10 de novembro de 2019, foi comunicada à Embaixada de Cuba em La Paz, disse Núñez.
Do seu refúgio na Argentina, Morales disse no Twitter que “condena” a medida e lamentou “a permanente deterioração da imagem internacional do Estado Plurinacional da Bolívia em relação à livre autodeterminação, à soberania e à diplomacia dos povos”.
Para se distanciar da política exterior de Morales, dois dias depois de assumir, Áñez rompeu os laços com Nicolás Maduro, aliado próximo de seu antecessor, igual que Cuba, e reconheceu o líder parlamentar Juan Guaidó.
A Bolívia se torna, assim, o único país da América que não mantém relações diplomáticas com Cuba.
“Os acordos estão paralisados”
O vice-chanceler boliviano Eduardo Zannier disse durante a mesma entrevista coletiva que “a suspensão é basicamente muito similar à ruptura de relações” diplomáticas.
Para ele, a medida afetará a presença dos funcionários diplomáticos nas embaixadas dos dois países, embora não tenha dado detalhes.
“Todas as conversações, negociações e acordos oficiais e governamentais estão paralisados; somente permanecerá uma pequena representação aqui na Bolívia e lá em Havana”, disse Zannier.
Núñez explicou que, “com toda a certeza, no devido tempo, [os diplomatas cubanos] deixarão o país”.
Desentendimentos com o chanceler Rodríguez
O ministro Núñez disse que a decisão foi tomada devido às “inadmissíveis declarações do chanceler Bruno Rodríguez Parrilla e à permanente hostilidade e constantes agressões de Cuba contra o Governo Constitucional boliviano”.
O chanceler cubano classificou no Twitter, no dia 22 de janeiro, como “vulgares mentiras da golpista autoproclamada da Bolívia” as declarações de Áñez no dia do Estado Plurinacional estabelecido por Morales.
A presidente disse que durante os 14 anos do mandato de Morales a Bolívia gastou cerca de “US$ 147 milhões” para financiar uma brigada médica, mas “menos de um terço” dessa brigada era formada por médicos profissionais.
Além disso, apenas 20 por cento do fundo era destinado a esse programa de saúde. “O restante era desviado para financiar o comunismo castrista”, disse Áñez.
No mesmo Twitter, o chanceler cubano disse que a decisão de Áñez de desmanchar a missão médica cubana afetou o povo boliviano, pois “mais de 454.440 atendimentos médicos deixaram de ser realizados”.
Denúncias de ingerência
O governo de Áñez mostrou, desde o início, que tinha diferenças com Havana, indo de encontro aos estreitos laços mantidos por Morales.
Ela culpou cubanos e venezuelanos de se imiscuírem em assuntos bolivianos, gerando um clima de desestabilização com eventos de violência e manifestações ocorridas depois das – agora anuladas – eleições de 20 de outubro de 2019, que deixaram 35 mortos, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Morales mantinha estreitas relações com Cuba muito tempo antes de assumir o poder em 2006 e costumava chamar o líder cubano Fidel Castro (falecido em 2016) de “avô sábio”.
Recentemente, o governo de Áñez rompeu um acordo comercial para a exportação de ureia, argumentando que os preços estavam muito baixos.
As relações entre La Paz e Havana foram muito tensas no passado. Na década de 1960, atuava na Bolívia uma guerrilha estimulada por Castro e comandada pelo argentino-cubano Ernesto Che Guevara, que foi capturado e executado sumariamente pelo Exército da Bolívia em 1967.