As consequências da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) são visíveis e de longo alcance na América Latina. Ela danifica os ecossistemas marinhos e os meios de subsistência e facilita outros crimes, indicou um relatório de setembro da Insight Crime, a organização internacional dedicada a investigar o crime organizado na América Latina e no Caribe.
“A pesca ilegal, não declarada e não regulamentada é […] o problema mais grave que sofrem os oceanos na América do Sul”, disse à Diálogo Milko Schvartzman, responsável pelo programa de conservação e pesca da ONG argentina Círculo de Políticas Ambientais, em 3 de outubro. “A primeira consequência da pesca INN é o impacto ambiental.”
Devastando os oceanos
Um relatório do Centro de Estudos Latinos e Latino-Americanos (CLALS) da American University, de Washington, D.C., indica que as consequências ambientais da pesca INN são devastadoras, por causa da superexploração, diminuição dos estoques de peixes, colapso da pesca, movimento da atividade pesqueira em águas cada vez mais profundas e práticas ilegais, que quase extinguem as espécies protegidas, entre outras.
No caso da América do Sul, as variedades mais capturadas pela frota pesqueira chinesa são a lula de barbatana curta e a lula gigante. Esta frota as captura fora de temporada, sem respeitar o tamanho, ou se é temporada de reprodução; não cumpre nenhuma regulamentação ativa, disse Schvartzman.
A captura deste molusco afeta gravemente o ecossistema, pois ele desempenha um papel vital nos ecossistemas marinhos, tanto como predador quanto como presa.
“Além disso, essa frota despeja diariamente toneladas de resíduos, óleos, toxinas, plásticos e peças de pesca descartadas”, disse Schvartzman. “Há aproximadamente 300 embarcações chinesas pescando lulas no Pacífico e mais de 400 no Atlântico, das quais cerca de 180 pescam em ambos os oceanos.”
Consequências diretas
As consequências econômicas diretas da pesca INN incluem insegurança alimentar dos pescadores artesanais e das comunidades pesqueiras, a diminuição dos rendimentos dos pescadores legais e das receitas fiscais dos governos. Depois da Ásia e da África, a América do Sul é a região que sofre as maiores perdas com a pesca INN, diz o relatório do CLALS.
“A frota [chinesa], subsidiada por seu país, tem mão de obra escrava”, afirmou Schvartzman. “Eles não pagam salários decentes, não cumprem nenhuma norma de segurança de navegação, laboral ou ambiental. Há concorrência desleal com os pescadores da região, que pagam impostos e cumprem com as normas ambientais e de segurança na navegação.”
Lavagem de dinheiro
Peter A. Murray, conselheiro da secretaria do Mecanismo Regional de Pescas do Caribe (CRFM), formada por 17 nações, que facilita a pesca sustentável na região, admitiu que a pesca se tornou um veículo de lavagem de dinheiro do narcotráfico, informou a InSight Crime.
Um dos problemas, destacou Murray, é que a pesca INN muitas vezes “é tratada como um problema regulatório e não como um crime organizado transnacional. Os esforços dos países muitas vezes passam despercebidos”.
Parte da solução
De acordo com o jornal equatoriano El Universo, a frota chinesa se afastou cerca de 300 milhas da zona econômica exclusiva (ZEE) das Ilhas Galápagos, Equador, em junho. A Marinha equatoriana comentou que a situação está sob controle e que está constantemente monitorando essa frota pesqueira, que no momento conta com cerca de 175 embarcações, declarou.
“[…] A depredação causada por essa frota não muda muito”, disse Schvartzman. “É o mesmo número de navios na mesma região […]; afastou-se um pouco e isso tem mais a ver com geopolítica do que qualquer outra coisa. A diplomacia do Equador conseguiu que a frota chinesa se afastasse algumas milhas da costa e isso é importante.”
Especialistas convocados pela InSight Crime e pelo CLALS, com relação às consequências da pesca INN, afirmam que há maneiras de enfrentar os criminosos, tais como aumentar a capacidade da força pública, para deter países com más práticas, e criar programas para os pescadores que não podem mais ganhar a vida no mar.
“Ainda há muito trabalho a ser efetuado, mas o progresso está sendo feito, por causa da conscientização pública sobre o problema. A sociedade sabe que o problema é sério, que há países que colaboram com essas frotas, que há portos que as abastecem, que conhecem seus movimentos. A transparência é parte da solução”, concluiu Schvartzman.