A Conferência de Defesa Sul-Americana (SOUTHDEC) 2016 começou com um minuto de silêncio no dia 17 de agosto em Montevidéu, Uruguai, em memória ao Capitão Fernando Martín De Rebolledo e ao Segundo Tenente Aviador Gonzalo Correa, da Força Aérea do Uruguai, que faleceram no dia anterior em um trágico militar. Não obstante, o Uruguai sediava pela primeira vez a conferência, cujo tema este ano foi “A evolução do papel dos militares na América Latina”. Para falar sobre o tema principal da SOUTHDEC 2016 e outros temas relacionados, Diálogo conversou com o General de Exército Nelson Eduardo Pintos González, chefe do Estado-Maior da Defesa do Uruguai.
Diálogo: O Uruguai tem uma tradição muito importante na área de ajuda humanitária, participação em missões de paz das Nações Unidas e outras. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?
General de Exército Nelson Eduardo Pintos González: O cenário regional faz com que seja praticamente impossível pensar em um conflito entre os países da região. A defesa nacional, muito além das Forças Armadas como integrantes da defesa nacional, muito além da função específica de defender a soberania e a independência dos territórios, tem que procurar realizar ações que sejam benéficas à sociedade, ao país e também à sociedade internacional. E o apoio à participação em missões de paz é um ponto importante para se realizar isso. Quanto à ajuda humanitária em casos de desastres, as Forças Armadas do nosso país, no contexto propriamente do Uruguai, cumprem e desenvolvem diversas atividades em benefício da sociedade como um todo. Apoiam os diferentes ministérios – o ministério do Desenvolvimento Social, o ministério da Educação e Cultura – com diferentes atividades. A título de exemplo, há uma unidade militar em uma cidade do interior do Uruguai onde é feita a manutenção dos veículos, dos mecanizados e dos tanques. Ali são ministradas aulas de manutenção automotiva a jovens da sociedade dessa cidade, com participação de pessoal militar. Logo participam professores da Universidade Técnica do Uruguai que dão aulas à população civil e também a militares no âmbito da unidade militar. Em apoio ao ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca, está prevista a participação nas chamadas barreiras sanitárias, perante a introdução de uma pandemia de transmissão de enfermidade animal ou que afete a agricultura. O ministério traça linhas de controle com seus inspetores, mas com o apoio das Forças Armadas; e há pessoal das Forças Armadas que também recebe formação em áreas do ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca, que lhe permite participar e efetuar determinadas atividades dentro dos requisitos dessas linhas de controle sanitário para que eles possam colaborar também.
Diálogo: O Uruguai conta com a Escola Nacional de Operações de Paz do Uruguai (ENOPU), uma instituição considerada referência internacional no treinamento de militares para participar em missões de paz. Como o senhor pode explicar que um país com menos de 3,5 milhões de habitantes possa ser uma referência nessa área de operações de paz?
Gen Ex Pintos: É mais ou menos como ter que explicar que temos 45.000 efetivos que passaram por missões de paz e que nossas Forças Armadas se compõem de mais ou menos 25.000. [Risos] Como explicá-lo?
Diálogo: Ah, mas são anos acumulados. Os 45.000 são desde o princípio, certo?
Gen Ex Pintos: Em anos. Sim. Porque muitos dos nossos camaradas repetiram, foram em mais de uma oportunidade a uma missão de paz. Em diferentes lugares, inclusive. Então, isso lhes possibilitou gerar uma experiência que nos permitiu integrá-los à ENOPU e eles, com suas contribuições, obtiveram ótimos resultados na formação, especialmente os líderes, quando vão se desenvolver, cumprir seus deveres nas missões de paz.
Diálogo: Com o provável fim da MINUSTAH [missão de paz da ONU no Haiti], os militares uruguaios que lá se encontram serão redirecionados, por exemplo, para a África?
Gen Ex Pintos: Pode ser. Há uma possibilidade. Neste momento, o Uruguai integra um batalhão com o Peru, ou seja, uma companhia uruguaia e uma companhia peruana juntas. Estamos trabalhando juntos no Haiti e é uma experiência nova porque a integração dos dois países em uma só unidade é uma experiência nova, mas até o momento tem sido muito benéfica para ambos.
Diálogo: O outro papel vamos chamar de diferente dos militares é a luta contra o narcotráfico. As Forças Armadas do Uruguai estão envolvidas nesta batalha também?
Gen Ex Pintos: Não. Em nosso país, a luta contra o narcotráfico não é uma missão fundamental das Forças Armadas. A Marinha Nacional, em particular, e a Força Aérea têm os controles de ingresso ao país. A Marinha Nacional tem jurisdição sobre as partes marítima e fluvial das passagens de fronteira sob jurisdição da Prefeitura Naval. E o outro ponto de ingresso ao país, que são os aeroportos, encontram-se sob responsabilidade da Polícia Aeronáutica, que é responsabilidade da Força Aérea. Basicamente, essa é a parte que poderia estar destinada e afetada pelo controle ao narcotráfico. Além dos controles acidentais como qualquer cidadão, o resto fica sob a responsabilidade do Exército. Mas não tem, entre suas funções, o controle nem a pesquisa, ou seja, não há operações militares destinadas à luta contra o narcotráfico.
Diálogo: O último tema da SOUTHDEC 2016 foi a participação das mulheres nas Forças Armadas. Qual é sua avaliação sobre a participação feminina nas Forças Armadas do Uruguai?
Gen Ex Pintos: A mulher tem participado, como foi exposto ali [durante a SOUTHDEC], desde o ano de 1970, mais o menos. Ali começou a cumprir diferentes funções. Primeiro na área sanitária, depois na parte da justiça, até que chegou, na década de 1990, a possibilidade do ingresso da mulher no quadro de oficiais. Hoje, temos militares do sexo feminino em qualquer uma das Armas do Exército e sem limitações. Tampouco têm limitações na Força Aérea ou na Marinha. As mulheres estão ocupando lugares, e têm correspondido e ganharam seu lugar e ganharam seu respeito.
Diálogo: Como anfitrião, o senhor poderia fazer uma análise da SOUTHDEC 2016?
Gen Ex Pintos: Tenho recebido os melhores comentários. Creio que os objetivos que havíamos previsto foram plenamente alcançados. Acho que o compartilhamento de experiências entre os diferentes atores que participaram é enriquecedor. O Vice Almirante Gonzalo Ríos Polastri [durante sua apresentação sobre a Junta Interamericana de Defesa] o sintetizou muito bem. Ele disse: “O conhecimento de um favorece o conjunto”. E é tal e qual. Compartilhar o conhecimento de um com o conjunto favorece, nos enriquece a todos. Foram abordados temas muito importantes. As missões de paz são um tema muito importante e são um tema, especialmente para o Uruguai, que lhe deu a possibilidade de se fazer conhecer no mundo. Somos um país pequeno com escassa promoção, no entanto, muita gente no mundo nos conhece porque participamos de missões operativas de paz e é uma possibilidade de que nos reconheçam. Hoje, o Uruguai integra o Conselho de Segurança das Nações Unidas, e um dos pontos fortes para que isso fosse possível foi a participação nas missões operativas de paz.